Presentes nas vacinas contra covid, metais e outras substâncias ajudam a ‘bombar’ resposta imune
Chamados adjuvantes, compostos estimulam a produção de anticorpos ou de células de defesa e melhoram a resposta imune do organismo após a vacinação
Do que são feitas as vacinas? Além do alvo contra o qual se deseja criar a resposta imune –no caso das vacinas contra covid, há um pedacinho do coronavírus Sars-CoV-2 para o corpo reconhecê-lo e criar anticorpos específicos–, existem outras substâncias que ajudam a levar esse antígeno ao organismo, como água, sais, estabilizantes, e também os chamados adjuvantes.
Adjuvantes são compostos que estimulam a produção de anticorpos ou de células de defesa e melhoram a resposta imune do organismo após a vacinação. São utilizados em diversas vacinas, não só naquelas que combatem o coronavírus. A presença de alguns desses componentes nas vacinas contra covid, como metais e demais substâncias sintéticas, gerou desconfiança e foi alvo de notícias falsas sobre potencial magnético das vacinas ou seus perigos à saúde.
Mas, na verdade, os adjuvantes são seguros e seu uso é muito difundido na área de pesquisa de imunizantes. Sua descoberta data do início dos anos 1920, quando o médico veterinário francês Gaston Ramon, do Instituto Pasteur em Paris, estudava vacinas contra difteria em cavalos. Ele percebeu que os animais produziam mais anticorpos quando havia uma resposta inflamatória no local da injeção. Ramon então adicionou farelo de pão e fécula de batata macerada na fórmula da vacina para gerar uma reação no local e avaliou essa resposta.
A partir daí, e por quase 70 anos, as vacinas passaram a conter um composto metálico como adjuvante –o hidróxido de alumínio, descoberto em 1926 pelo imunologista britânico, Alexander Glenny. É o principal componente utilizado em vacinas de vírus inativado, como é o caso da vacina contra a gripe. “O hidróxido de alumínio foi o primeiro a ser descoberto e o mais usado até hoje, e a função dele é aumentar a resposta imunológica gerando mais anticorpos”, explica Luciana Leite, diretora do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas do Instituto Butantan.
Como se trata de uma substância química, ele causa uma reação no local da aplicação e atrai as células de defesa do corpo, mais especificamente as células B, responsáveis por produzir anticorpos que se ligam ao vírus ou bactéria e geram resposta imune específica. Se o corpo entrar em contato com o patógeno na vida real, a memória celular vai agir rapidamente para impedir a infecção ou o desenvolvimento da doença.
Já a partir da década de 1990, as farmacêuticas sintetizaram um novo adjuvante, formado por água e uma substância chamada esqualeno, um óleo naturalmente encontrado no corpo humano e em diversas espécies de animais. Estudos subsequentes mostraram que, além da reação no local, esses adjuvantes conhecidos como óleo-água também são capazes de modificar a resposta imune, aumentando a presença de células de defesa conhecidas como linfócitos T.
Com mais conhecimento sobre como essas substâncias podem refinar a resposta imune, novas moléculas foram sintetizadas e aprimoradas nas últimas décadas. Essa capacidade de alterar a resposta imune é ainda mais relevante para o desenvolvimento de vacinas para grupos específicos, como crianças ou pessoas mais velhas, geralmente com o sistema imunológico ainda imaturo (no caso dos mais jovens) ou com capacidade reduzida para gerar resposta imune (no caso dos mais velhos).
Leite explica que um tipo de adjuvante também muito usado em pesquisas de vacinas, como aquelas em estudo contra malária e nas vacinas de HPV (vírus do papiloma humano), é formado por moléculas chamadas MPLs, que disparam um sinal de alarme, gerando inflamação no local. Essas moléculas, diz, são derivadas de substâncias produzidas pelo nosso próprio corpo, que geram febre.
“Dependendo da forma como ele é adicionado, o adjuvante permanece algum tempo na célula estimulando e recrutando células do sistema imunológico. Não é só uma resposta imediata”, diz. Justamente por atuarem em algumas cadeias em nível molecular dentro das células, os estudos de adjuvantes são extremamente rigorosos e passam primeiro por testes em laboratório e em modelos animais. Se a reação local gerada é elevada, como febre muito alta e até convulsões, o teste do novo produto é interrompido.
É o caso, por exemplo, de novos adjuvantes que surgiram na busca por vacinas contra Covid, como a substância encontrada na vacina indiana Covaxin (Bharat Biotech), um agonista do TLR7/TLR8. Na reunião que decidiu pela aprovação com condicionantes da Covaxin pela Anvisa, o gerente-geral da agência, Gustavo Mendes, afirmou que tal adjuvante não foi até o momento licenciado para nenhuma vacina em uso e que é preciso avaliar melhor potenciais riscos no organismo.
Por outro lado, as vacinas de RNA e DNA não precisam de adjuvantes porque elas próprias estimulam a resposta imune. Os pesquisadores não sabem se a chamada “vacinologia do futuro” vai continuar a pesquisar e implementar adjuvantes ou se o caminho será produzir vacinas de RNA e DNA contra os agentes infecciosos, mas as pesquisas mais recentes de vacinas que por décadas não obtiveram resultados favoráveis na fase final de testes, como a vacina antimalárica, tiveram sucesso após o uso de novos adjuvantes mais modernos.
Para Leite, o momento de pesquisas em vacinas contra a Covid, com a abertura de centros de ensaios clínicos em todo o mundo e investimento pesado em ciência e tecnologia, possibilita essa área de desenvolvimento.
“Uma vez que o mundo todo está testando diferentes vacinas e há muitas pessoas trabalhando em plataformas semelhantes, temos a oportunidade de testar novos adjuvantes e comparar com os que já estão em uso”, diz.
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