Cresce total de brasileiros barrados em fronteiras da União Europeia
De 2017 a 2018, o número de brasileiros barrados em fronteiras de países da União Europeia aumentou 42% (de 4.680, em 2017, a 6.615, em 2018).
Em um grupo de WhatsApp chamado “Rumo à England”, um paulistano de 41 anos escreve: “Pessoal, tô no ônibus de Paris para entrar em Londres… Será que entro?”.
“Vai a trabalho ou a turismo?”, pergunta outro. A “turismo”, responde o primeiro, com a palavra assim mesmo, entre aspas.
O grupo é formado por brasileiros que querem morar e trabalhar no Reino Unido, mas não têm permissão de trabalho ou cidadania europeia. Se conseguem entrar como turistas, ganham visto com seis meses de validade.
De 2017 a 2018, o número de brasileiros barrados em fronteiras de países da União Europeia aumentou 42% (de 4.680, em 2017, a 6.615, em 2018), segundo a Eurostat, que produz estatísticas para o bloco de países. A cifra, que considera fronteiras aéreas, terrestres e marítimas, vem aumentando desde 2014, quando 2.500 brasileiros foram barrados.
Mas o aumento se deve em grande parte a um crescimento em termos absolutos em dois países: Reino Unido e Portugal, onde o número de barrados aumentou de forma expressiva (veja no fim desta reportagem o que aconteceu com o brasileiro citado no início do texto).
Por que as pessoas são barradas?
Em geral, turistas têm a entrada barrada na União Europeia quando não têm passagem de volta, dinheiro suficiente para ficar no país durante o período, comprovante de hospedagem, passaporte válido por no mínimo três meses ou comprovante de trabalho ou renda no Brasil.
A suposição dos agentes da imigração britânica é de que essas pessoas não pretendem fazer turismo, mas, sim, viver no país sem a documentação necessária, ou seja, ilegalmente. Mas nem sempre é o caso. Há pessoas que de fato viajam a turismo, mas sem os documentos exigidos – ou são impedidos de entrar por outros motivos.
No Reino Unido, mais que dobrou a quantidade de brasileiros barrados em quatro anos: de 875 em 2014, para 1.871 em 2018, segundo dados do governo britânico. Entre 2017 e 2018, houve um aumento de 35%, de 1.384 para 1.871 brasileiros impedidos de entrar.
“Todos os que chegam na fronteira do Reino Unido são admitidos a partir de seus méritos individuais e com base na evidência disponível, de acordo com as regras de imigração”, disse, em nota enviada por e-mail, um porta-voz do Ministério do Interior britânico.
Em Portugal, isso foi ainda mais acentuado: o número dobrou em um ano, segundo a Eurostat. Em 2017, 1.335 pessoas foram impedidas de entrar. Em 2018, 2.865.
Também houve aumento de brasileiros barrados em outros países do continente, mas os números são menores, como na Alemanha (dobrou, de 70 para 140 pessoas), na Irlanda (mais que triplicou, de 170 a 525) e na França (aumentou 70%, de 420 a 730). Na Espanha, houve queda (de 445 a 295).
O número de pessoas de todas as nacionalidades rejeitadas pelos países europeus aumentou de forma geral, mas em proporção menor: 7,2% de 2017 a 2018.
Especialistas atribuem esse aumento a dois fatores. Mais brasileiros querendo deixar o país para viver ainda que ilegalmente no exterior além de uma restrição maior nas fronteiras europeias.
Os números de brasileiros barrados na Europa coincidem com os dados da Receita Federal, que mostram crescimento no número de pessoas indo morar fora do país. Houve aumento de quase 100% nas declarações de saída definitiva do país: de 12.451 pessoas em 2014 para 22.538 em 2018. Mas o total pode ser maior, já que nem todos que deixam o Brasil fazem a declaração.
O Ministério das Relações Exteriores estima que, atualmente, haja quase 3,6 milhões de brasileiros vivendo em outros países. Eram 2,8 milhões em 2013.
Dicas de imigração nas redes
No grupo de Facebook “Brasileiros em Londres”, por exemplo, há diversas postagens de pessoas barradas uma vez pedindo dicas para entrar novamente, e diversas respostas com estratégias para passar pela imigração. Também há vídeos no YouTube com orientações.
Nem todos os barrados foram vetados porque planejavam ficar no país. O funkeiro MC Hariel (2,8 milhões de seguidores no Instagram e 17 milhões de visualizações em seu clipe mais famoso), de 21 anos, é um exemplo que ganhou notoriedade.
Ele ia a Londres para fazer um show no fim de maio. Segundo a produção do evento, cerca de 300 ingressos haviam sido vendidos por 15 libras (R$ 72), mas a apresentação foi cancelada depois que ele foi impedido de entrar.
“A gente já estava com o passaporte direitinho porque estava programando essa viagem fazia bastante tempo”, disse Hariel à BBC News Brasil.
Mas, diz ele, agentes da imigração pediram “um papel” – ele não saber dizer qual – e, como ele não o tinha, ficou retido, narrando tudo pelos stories do Instagram. Hariel conta que passou o dia “em uma salinha”, onde diz ter sido bem tratado, e depois levado para um centro onde imigrantes ficam detidos. Depois, o governo britânico o mandou de volta para o Brasil.
“Eu ia só fazer o show, passear, comprar alguma coisa, um presente para a minha mãe, creme e chá de Londres pra ela. Fiquei frustrado, estava esperando muito por esse momento. Mas não fico chateado com o país, vai servir de aprendizado. Espero voltar lá e fazer um show gigante para todo mundo”, diz Hariel.
O carioca Paulo Cesar Martins, de 24 anos, tinha o sonho de ir para Portugal, onde brasileiros podem entrar como turistas e ficar por até 90 dias. “Como eu não tinha dinheiro, achei a forma mais barata de ir.” Qual? Um programa em que hospedagem era trocada por trabalho. “Você trabalha para a pessoa na casa dela ou no albergue, e ela te fornece moradia e alimentação”, explica.
Ele conta que a imigração portuguesa negou sua entrada porque ele iria a trabalho e não tinha permissão para isso. “Também me disseram que eu estava com pouco dinheiro – no caso, eu estava com 252 euros (R$ 1.087) – para ficar três meses.”
Ele também ficou por um tempo em uma sala. “Conversaram comigo, fizeram eu preencher um monte de papéis, falaram os motivos pelos quais não poderia ficar.” Foi então enviado de Portugal para o Reino Unido, já que havia feito uma conexão no país. Uma vez lá, conta Martins, ficou em um centro de detenção por três dias, até embarcar de volta para o Rio.
“Ainda não resolvi quando eu vou voltar, porque agora tenho muito medo e, como meu passaporte tá carimbado com uma recusa, eu fico meio confuso”, afirma. “Da próxima vez, eu vou voltar com muito dinheiro, tanto em Portugal quanto em Londres. Vou tentar não dar sorte para o azar.”
‘País de expulsão’
Mais brasileiros barrados “são um sintoma de que o país hoje produz uma emigração em massa”, avalia Patrícia Villen, pesquisadora de imigração internacional com pós-doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autora de (In)visíveis globais: imigração e trabalho no Brasil(Alameda, 2018).
“É um reflexo da crise econômica e política que estamos vivendo no Brasil, com aumento brutal do desemprego e menos perspectiva de estabilidade, de futuro. O Brasil está se tornando um país de expulsão da sua própria população.”
O sociólogo especialista em migrações e fronteiras Gustavo Dias, da Universidade Estadual de Montes Claros, em Minas Gerais, diz que a migração de brasileiros para o Reino Unido aumentou “drasticamente” nos anos 2000 por causa do 11 de Setembro. “Quando os Estados Unidos apertam as fronteiras, os brasileiros buscaram alternativas. O valor da libra e o fato de ser mais fácil entrar Inglaterra fez com que se tornasse uma opção.”
Dias completou seu doutorado na Universidade Goldsmiths, em Londres, onde estudou sobre imigrantes não documentados em Londres. Ele diz existir um ditado entre eles: “Nos Estados Unidos, é difícil entrar, mas, uma vez que você entra, a vida é fácil. No Reino Unido, é fácil entrar; o difícil é viver lá dentro.”
Os Estados Unidos abrigam o maior número de brasileiros fora do Brasil, segundo o Ministério das Relações Exteriores.
No passado, explica Dias, era fácil entrar na Inglaterra, porque os turistas brasileiros não eram tão comuns e eram bem vistos, por causa do consumo.
Nos anos 2000, aumentou a migração para o Reino Unido de pessoas de uma série de nacionalidades, principalmente a partir do Leste Europeu, e começou a ganhar destaque no país a entrada de imigrantes que não fazem parte da União Europeia.
O Reino Unido estabeleceu então uma série de leis e decretos que dificultam a entrada de estrangeiros. “Quando um país vê que uma nacionalidade passa a ser uma das principais a entrar, começa a perceber que este país está sendo um produtor de migrante”, diz Villen. E isso pode ter acontecido com o Brasil.
Na visão de Villen, os brasileiros que estão tentando entrar sem documentação em outros países “estão sendo forçados a migrar”. “O imigrante é uma pessoa que trabalha muito, que traz dinamismo à sociedade. Não quer dizer que esteja ali para cometer um crime ou trazer prejuízo para a sociedade”, afirma a pesquisadora.
“Se pudessem, tentariam um visto. Mas, hoje, a possibilidade de conseguir um visto, sobretudo de trabalho, é difícil para um perfil de imigrante mais qualificado e com renda. A maioria da população não consegue visto, então, se expõe a falta de documentação.”
Passaporte carimbado
No grupo de WhatsApp “Rumo à England”, algumas horas depois de sua consulta, o homem citado no início desta reportagem escreve que passou pela imigração sem problemas. Ele envia um áudio de sua conversa no posto de imigração, gravada sem o conhecimento da agente que o atendeu. Uso de celulares no local inclusive é proibido.
A agente pergunta, em inglês, quanto tempo o brasileiro vai ficar no Reino Unido. “Cinco dias”, responde ele, para em seguida mostrar a reserva de um hotel e receber um sonoro carimbo no passaporte que atesta a permissão de entrada.
“Sou mais um brasileiro em busca de sobreviver porque o Brasil não está fácil”, diz ele, que conta ter fechado a frota de cinco food trucks que tinha por causa da crise.
Para ele, que no grupo deu dicas de expressão corporal para convencer o agente de imigração que está indo só a turismo, não há problema dizer “que vai turistar e, na verdade, ir ficando, tocando a vida”. “É opção de cada um.”
Fonte: BBC
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