Mortes por raiva em MG alertam sobre vacinação em populações de maior risco
Raiva é transmitida por meio de mordidas de animais domésticos e selvagens, como morcegos e cães
Depois de dez anos sem mortes por raiva humana, Minas Gerais teve três novos registros de óbito pela doença no último mês. As vítimas eram crianças de uma comunidade indígena na região de Bertópolis, no leste do estado.
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Um quarto caso de infecção é investigado. As ocorrências jogam luz sobre as estratégias para controlar o surgimento de surtos em populações mais vulneráveis.
“Para quem trabalha com casos de raiva, o alerta já estava aceso. A nossa situação epidemiológica exige atenção porque temos morcegos hematófagos [que se alimentam de sangue] que penetram em residências e podem transmitir a doença”, afirma José Geraldo Ribeiro, epidemiologista e professor emérito da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.
No Brasil, em 2020, foram registrados dois casos da doença e, em 2021, houve apenas um diagnóstico. A raiva é transmitida por meio de mordidas de animais domésticos e selvagens, como morcegos e cães. De início, os sintomas da doença são leves e comuns, como febre, tonturas e dores. No entanto, o quadro evolui e podem ocorrer convulsões, delírios, coma e outros sinais, até a morte -os casos de recuperação são raros.
“É uma quase doença 100% fatal, mas também pode ser 100% prevenida”, afirma Jacy Andrade, infectologista e professora titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia). Uma das formas de prevenção é a vacinação de cães e gatos em campanhas organizadas pelo Ministério da Saúde. Com o aumento da cobertura vacinal, os casos da doença provocados por esses animais domésticos vêm caindo nos últimos anos.
Mas houve desfalques na aplicação. Em 2019, por exemplo, o Ministério da Saúde informou que a vacinação antirrábica ficou restrita às áreas de maior risco para a doença na região Nordeste (Maranhão, Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte) e em estados que fazem fronteira com a Bolívia (Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia e Acre).
Em 2020, houve menos aplicações porque, segundo a pasta, muitos municípios optaram por não realizar a campanha de vacinação em razão da pandemia de covid-19.
VACINAÇÃO HUMANA
Com a diminuição dos casos de raiva causados por cães e gatos, os morcegos passaram a ser os principais transmissores diretos para humanos -hipótese investigada para os novos casos de Minas Gerais. Em 2018, um surto de 11 casos de raiva na Amazônia também foi causado por morcegos.
“A raiva transmitida por morcegos sempre existiu, mas ele era mais visto como um reservatório do vírus da natureza que transmitia para outros animais. A importância da agressão direta pelo morcego não era tão bem compreendida”, explica Ribeiro. “Numa região como a América do Sul, onde se tem morcegos hematófagos reservatórios, nunca vai ser possível erradicar completamente o vírus na natureza”, diz.
Nesse cenário de maior relevância dos animais silvestres para a disseminação, ganha a importância a vacinação sistemática de populações que tenham maior risco de serem infectadas, como profissionais que trabalham com a captura de morcegos ou moradores de regiões que têm registros de doença.
Segundo Andrade, da UFBA, muitos trabalhadores nem têm conhecimento de que podem receber esses cuidados. “Muitas vezes, nós só pensamos na pós-exposição [ao vírus]. Claro, isso é importante, mas precisamos de uma cultura de pré-exposição”, explica a pesquisadora.
Quando a pessoa é exposta ao vírus -ao ser mordida por um animal, por exemplo-, ela recebe um tratamento que pode combinar soro e vacina, a depender da gravidade do caso. Ribeiro aponta que, em alguns momentos, o excesso de vacinas aplicadas fora da recomendação em casos de pós-exposição pode ter impactado negativamente a oferta de doses para as campanhas de pré-exposição.
Uma mudança recente nas diretrizes nacionais de vacinação deve mudar esse cenário, segundo ele.
Segundo dados do Ministério da Saúde, nos últimos nove anos a média de aplicações de pré-exposição foi de aproximadamente 15 mil, enquanto na pós-exposição em que se utilizou somente a vacina foi de 121 mil.
Procurada pela reportagem, a pasta disse que “o esquema de profilaxia pré-exposição é indicado para pessoas com risco de exposição permanente ao vírus da raiva, durante atividades ocupacionais”, como professores de medicina e estudantes de veterinária.
O ministério também foi questionado sobre se é esperado que as doses de pré-exposição tenham um número menor se comparadas às vacinas aplicadas após acidentes, mas não respondeu sobre isso até a publicação da reportagem.
A pasta diz ainda que participa de um projeto-piloto que busca subsidiar as estratégias de vacinação em populações que estejam sob risco. A iniciativa acompanha a imunização de uma população ribeirinha em área de transmissão de raiva por morcegos na Amazônia. A previsão de conclusão do estudo não foi informada.
Para Ribeiro, a experiência de aplicar uma vacina de pré-exposição em toda a população de uma localidade “é única no mundo” e pode ser importante para o controle da doença em locais mais vulneráveis.
“Existe uma experiência muito pequena e é preciso ver se isso realmente vai funcionar porque tem toda uma dinâmica populacional [como novas pessoas chegando a região e que inicialmente não estariam vacinadas]”, diz o pesquisador.
No caso de Minas Gerais, até 28 de abril, a Secretaria de Saúde do estado diz que foram vacinadas 982 das 1.037 pessoas que vivem na comunidade em Bertópolis com a primeira dose antirrábica e 802 com a segunda dose. O intervalo entre a aplicação é de sete dias.
Também foi fornecida vacina antirrábica animal para a imunização de cães e gatos da região, e a Secretaria de Meio Ambiente diz que analisa os morcegos da área para entender como está a circulação do vírus da raiva entre os animais silvestres.
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