Roteirista diz que é preciso cautela ao fazer piada com governo no Zorra
Na emissora, Krieger participa da criação de esquetes que, não raro, tiram sarro do governo Bolsonaro
Edu Krieger, 45, já era um compositor gravado por nomes como Maria Rita e Ana Carolina, quando se tornou também roteirista de humor. “Comecei fazendo paródias musicais para o site do jornal satírico Sensacionalista”, disse ele em entrevista feita em Tiradentes (MG), onde participou de um debate na Casa do Autor Roteirista. “Aí fiz a produção musical do ‘Lady Night’ e fui chamado para a equipe do ‘Zorra’, que sentia falta de alguém que dialogasse com a área musical.”
Na emissora, Krieger participa da criação de esquetes que, não raro, tiram sarro do governo Bolsonaro. “Nossa orientação é trabalhar apenas com o factual, para evitar problemas jurídicos”, afirma. “Se está provado que algo realmente aconteceu, então podemos fazer piada.”
Krieger afirma que há um predomínio de progressistas na equipe que escreve o “Zorra”, e ninguém que se alinhe à extrema direita. “Esses caras (da extrema direita) não enxergam a diferença de classes. Não entendem o racismo como um problema estrutural, nem acham que a mulher está em posição subalterna na sociedade. Para eles, não há oprimidos e opressores. Então, defendem que bater em índio, em deficiente, é o mesmo que bater em qualquer um, pois são todos humanos.”
“De um tempo para cá, virou uma questão primordial na Globo ter mais atores e roteiristas negros”, prossegue Krieger. “Será que podemos usar atores negros como alvo de piadas em que o assunto não é o racismo? O negro pode fazer o marido corno, ou o político corrupto? Com roteiristas negros na equipe, esse tipo de dúvida acaba. Antes, mesmo nos quadros que denunciavam o racismo, a piada final ficava sempre na voz do branco. Isso mudou.”
E provoca: “Alguns dizem que o mundo ficou mais chato. Chato para quem?”.
A Casa do Autor Roteirista desembarcou na cidade histórica de Tiradentes depois de três edições realizadas em Paraty, em paralelo à Flip. Entre os dias 12 e 15 de dezembro, roteiristas, produtores e executivos discutiram o audiovisual brasileiro, com foco nas séries de TV.
O evento foi aberto com um debate entre seu idealizador e curador, o roteirista Newton Cannito, e o economista e filósofo Eduardo Gianetti. A discussão girou em torno da dificuldade do Brasil em lidar com os heróis nacionais, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos. “O que nos faz brasileiros? Existe um futuro que queremos em comum?”, questionou Gianetti.
Na manhã do dia 13, Cannito –que foi secretário do Audiovisual em 2010, último ano do governo Lula– falou com a reportagem sobre o desmanche que o setor atravessa desde que Jair Bolsonaro chegou à Presidência.
“A classe cinematográfica também precisa fazer uma autocrítica: como é que chegamos a este ponto? Em algum momento, nós iremos discutir por que fazemos tantos filmes que mal chegam aos mil espectadores?”, questionou Cannito.
“Digo isto porque meu próprio longa, ‘Magal e as Formigas’ [lançado em 2015, cinco anos depois de Cannito ter deixado o serviço público], levou só 2.000 pessoas aos cinemas. Será que o audiovisual brasileiro não virou uma bolha? Usamos dinheiro público, mas não conseguimos fazer muitas obras que se comuniquem com as pessoas.”
Mas ele também faz uma ressalva: “Não precisamos levar a polarização para o audiovisual”.
A programação do dia 13 incluiu uma visita a uma unidade da Apac (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, que ressocializa presos com bom comportamento) em São João del-Rei, cidade vizinha a Tiradentes.
Foi lá que a jornalista Eliane Trindade, editora do prêmio Empreendedor Social, da Folha de S.Paulo, apresentou o projeto de uma série dramática que está desenvolvendo, inspirada em casos reais de detentos recuperados pela Apac.
À tarde, o evento promoveu um encontro entre os roteiristas Marcos Takeda (“Unidade Básica”) e Marcos Nisti (“Aruanas”), dando prosseguimento ao tema da manhã –como criar séries a partir de causas. Nisti exibiu um episódio de “Aruanas” e contou detalhes do programa que criou e escreveu, já disponível na plataforma Globoplay.
A programação de sexta se encerrou com um debate entre o músico Thiago Souza, do grupo Os Marcheiros, e Edu Krieger. A conversa tocou em assuntos quentes, como a ascensão de humoristas alinhados com o atual governo.
No dia 14, nomes de outras áreas do audiovisual se reuniram para o seminário Como Criar Projetos que Dialoguem com o Público: os produtores Gustavo Gontijo (Globo Filmes), Mirna Nogueira (“Meus 15 Anos”) e Cao Quintas (“Turma da Mônica: Laços) e os diretores André Pellenz (“Minha Mãe É uma Peça”) e Fabrício Bittar (“Como se Tornar o Pior Aluno da Escola”). “Os projetos que dão certo com o público são os que nascem de algo genuíno”, disse Pellenz à plateia.
Seguiu-se uma homenagem ao diretor e produtor Pedro Rovai (“Tainá – Uma Aventura na Amazônia”), morto em 2018. O tributo foi conduzido por sua viúva, a produtora Kika Limberger.
O evento terminou com uma rodada de ideias, em que nove roteiristas apresentaram seus projetos a um painel formado por profissionais do audiovisual.
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