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Editora lança primeiro livro de Fernanda Young, escrito quando autora tinha 17 anos

Fernanda morreu há quatro meses


Por Nani Camargo Publicado 22/12/2019
Reprodução

Fernanda Young não está mais no apartamento duplex em Higienópolis, onde, neste ano, a gorda árvore de Natal foi montada na sala de TV. Não foi ela quem escolheu o cardápio do almoço da última segunda (16) nem o estilo dos cachinhos do filho, que recepciona uma cabeleireira no segundo andar.

Fernanda morreu há quatro meses -mas, ainda que não haja mais a sua presença física, a escritora rege todas as decisões da casa onde sua família ainda mora.
Quem explica são as gêmeas Cecília Madonna e Estela May, de 19 anos. Para ambas, mesmo que não pudesse prever o destino, a mãe deixou tudo “perfeitamente planejado”.
A rotina dos dois filhos mais novos, por exemplo, ainda obedece às regras de um cartaz assinado por Fernanda, e que inclui “comer fruta”, “ter autoestima” e “brincar”. “Tudo aqui é ela”, resume Cecília.

Em “Pós-F: Para Além do Masculino e do Feminino”, Fernanda se definiu como uma “mulher forte”, que criou “crianças que não foram ‘quebradas'”. O livro lhe rendeu, no último dia 28, um prêmio Jabuti póstumo na categoria de crônicas. Estela, que é também cartunista da Folha de S.Paulo, foi à cerimônia apanhar o troféu, e, para subir ao palco no lugar da mãe, conta que precisou se fazer forte como ela.

“Senti uma explosão de felicidade e uma explosão de tristeza”, lembra. Na festa do Jabuti, não há espaço para discursos dos escritores premiados, mas, se tivesse preparado algo para falar diante da plateia, Estela imagina que revelaria o orgulho que tem do livro, publicado em 2018.
“Ele é tão corajoso. Acho muito legal ela ter falado coisas que nem todo mundo estava pronto para ouvir. Talvez eu também lesse a última página do livro, onde ela falava do amor com meu pai.” Fernanda ficou casada por 23 anos com o roteirista Alexandre Machado.

E, tivesse a história sido diferente, e Fernanda escapado à crise de asma que a levou embora em 25 de agosto deste ano, quais seriam as palavras escolhidas por ela para discursar na cerimônia, caso houvesse essa oportunidade?
“Ela nunca foi respeitada como uma grande escritora ainda viva. Então, acho que ia falar sobre como ‘os cafonas’ realmente não a aceitam”, diz Estela. “Acho que ela falaria alguma coisa errada, e sei que xingaria alguém”, brinca Cecília.

“Toda vez que ela ia a um programa dar entrevista, eu e a Teté ficávamos nervosas de que ela fosse falar alguma coisa polêmica. Mas ela não se importava com o que os outros pensavam sobre o que dizia”, prossegue Cecília.

“Pós-F: Para Além do Masculino e do Feminino” é a única não ficção de Fernanda Young. Em textos curtos e repletos de argumentos controversos, entremeados por desenhos seus, ela defende, por exemplo, que o sexo é um clichê e que as mulheres são as maiores adversárias de si mesmas, insinua sua experiência com sexo lésbico, e grita contra a opressão dos padrões estéticos.

O título evoca um “pós-feminismo” idealizado por Fernanda, que sempre detestou o termo “feminista”, e se dizia constrangida por assumi-lo quando ele se tornou “o ‘ismo’ da moda”. “Talvez não quisesse esse nome, mas, com certeza, tudo o que fazia mostrava que ela era feminista”, diz Estela.
Agora, chega também às livrarias “Posso Pedir Perdão, Só Não Posso Deixar de Pecar”. Uma tarja anexada à capa avisa que se trata de romance inédito, escrito por Fernanda aos 17 anos. E, o que poderia fazer o leitor vacilar diante de um texto potencialmente ingênuo, se transforma em combustível para admiração: Fernanda constrói um realismo fantástico maduro, que peita o fanatismo religioso e -que surpresa- o machismo.

“Lembro quando ela achou esse calhamaço no porão. Ela falava muito sobre esse livro que tinha escrito, mas que não sabia onde estava”, conta Estela. A princípio, a escritora teve dúvidas sobre a publicação. “Mas a editora sugeriu ao meu pai, ele achou que tudo bem, e fomos em frente”, diz Cecília.

Em 49 anos de vida, Fernanda Young escreveu 15 livros e 15 séries para a TV. Mantinha com os filhos e o marido a piada de que, na vida real, viviam como se fosse em uma de suas produções. “Tinha dias em que a gente falava ‘Nossa, o episódio de hoje foi realmente muito bom'”, afirma Estela.
Elas contam que, no dia a dia, predominavam o bom humor, a força criativa e o foco numa maternidade libertária, mas com responsabilidade.

“Ao mesmo tempo em que ela era tudo o que todo mundo conhecia, também era normal. Nossas amigas perguntavam se minha mãe deixava fazer tudo, que devia ser maravilhoso. Sendo que, desde pequenas, ela dizia pra gente ‘Se vocês fumarem, vocês não vão ter carro'”, recorda Cecília.

Com o fim prematuro desta temporada, resta a ausência. “‘Saudade’ é muito pequeno para descrever o que a gente sente. É uma falta de ter uma pessoa na mesa falando loucuras. Tem momentos em que eu fico pensando se ela teria ou não um ataque de riso.”

“Mas acho que o que ela foi e o que ela fez foi tão maior do que o que aconteceu agora. E a gente segue rindo em casa, garanto. No dia do velório dela, por exemplo, tinha uma festa infantil aqui do lado com música muito alta, e eu falei para o meu pai ‘É ela, né? Fazendo isso só para irritar a gente'”.

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