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Capital paulista tem portas fechadas, 0 km de engarrafamento e briga por espirro

A cada dia, mais bairros antes movimentados agora têm cara de domingo


Por Folhapress Publicado 22/03/2020
Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas

À conta-gotas, ao longo da semana, o paulistano viu fechar o cerco contra o coronavírus, com medidas mais restritivas anunciadas ao mesmo tempo em que eram confirmadas as primeiras mortes por Covid-19.

Lojas que viam o movimento cair agora fecham as portas e restaurantes trocam mesas por delivery. Nos transportes, os passageiros caem pela metade e nas ruas o engarrafamento chega a 0 km. Até espirro virou motivo de briga.

A cada dia, mais bairros antes movimentados agora têm cara de domingo. Das pequenas às grandes redes de lojas, as vendas passaram a ser só online. Até estabelecimentos da rua 25 de Março, maior centro de comércio popular da América Latina, estão correndo atrás da clientela eletrônica.

Isso porque tanto a prefeitura de São Paulo como governo do estado determinaram o fechamento do comércio como medida preventiva à proliferação do novo vírus -que, até agora, fez 25 vítimas no país. Há outros 1.546 casos confirmados.

O decreto assinado pelo prefeito Bruno Covas (PSDB) determina o fechamento do comércio até o dia 5 de abril. Já o governador João Doria (PSDB) determinou o fechamento dos shoppings e academias da Grande São Paulo, desta segunda-feira (23) até 30 de abril. Quem desobedecer, corre o risco de ter o estabelecimento interditado.

O que no início da semana era possível, como brincar na piscina e na quadra do prédio, ou mesmo correr ao ar livre e ir a missas e cultos, também não pode mais. Condomínios têm bloqueado áreas comuns para evitar aglomerações e Doria decidiu fechar parques e impedir celebrações religiosas.

Só o que segue movimentado são os mercados e farmácias -onde, em uma unidade da Saúde, o álcool em gel há dias some das prateleiras em, no máximo, 1h. O novo carregamento de produtos chega às 15h e quando o relógio marca 16h, os frascos já se esgotaram, mesmo com limite de apenas dois por cliente. Já nas ruas, ganha preço inflacionado ou composição falsificada.

Mesmo com o rodízio de veículos suspenso desde terça-feira (17), o rotineiro congestionamento nas avenidas e marginais da cidade deram lugar ao trânsito livre.

No horário de pico, às 9h de sexta-feira, dos dias 6 e 13 de março, São Paulo registrava 67 e 68 km de lentidão, respectivamente, de acordo com dados da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego).

Já na última sexta (20), a capital registrou 0 km de engarrafamento durante toda a manhã. O máximo de lentidão foi às 16h, com 10 km -horário em que há duas semanas os motoristas viam 75 km de trânsito.

Também sem reduzir a frota, os transportes viram rarear os passageiros. Até esta quinta (19), o Metrô e os ônibus municipais tiveram sua demanda reduzida quase pela metade (45%). Nos ônibus intermunicipais, a queda foi de 40%, e nos trens da CPTM, de 35%.

Agora, alguns acessos secundários de estações do Metrô serão fechados. A medida começará por uma das saídas da estação São Bento e outra da Luz da linha-azul, na linha-verde o mesmo acontecerá na Trianon e Brigadeiro, e na linha-vermelha, na estação Anhangabaú. A oferta de trens em todas as linhas deve diminuir.

Em só uma semana as mudanças atingiram em cheio trabalhadores autônomos e os que têm o home office como realidade bem distante.
Luana Coelho, 32, é DJ e são as festas, principalmente LGBTs, sua fonte de renda. Há dez anos, ela tentava viver só como artista e agora finalmente estava conseguindo, com um ganho de até R$ 4.000 por mês.

Mas em poucos dias, Luana teve sete eventos entre final de março e abril cancelados. No último final de semana ela ainda tocou em três lugares -não sem receber críticas nas redes sociais. “Eu não tinha opção, dependo disso. Era a última chance de fazer dinheiro”, se defende.

Agora, os vídeos para a internet viraram a única opção. Ela teve a ideia de criar um “Cyber Baile”, com set ao vivo, e cobrar ingressos simbólicos e opcionais, de R$ 5 a R$ 20. “Foi o que consegui pensar diante dos cancelamentos. Porque evento não está tendo, mas as contas vão chegar todo mês sem falta”, diz.
É uma estratégia que DJs famosos, como Rennan da Penha, conhecido pelo Baile da Gaiola, no Rio, também adotaram. Ele se apresentou ao vivo no Instagram nesta sexta (20) e sábado (21) à noite.

Por enquanto, Luana tem 300 pessoas confirmadas no evento que fez no Facebook, mas as colaborações em dinheiro ainda são pouquíssimas. “Está todo mundo em contenção de gastos”, diz.

Ela também quer fazer remixes com amigos DJs da Itália, país epicentro da doença neste momento, e tocar na varanda do seu apartamento em Santa Cecília, no centro da capital paulista. Cenas do tipo viralizaram na Europa, onde cidades inteiras estão em quarentena.

Outra estratégia que quem trabalha por conta própria está adotando é a de negociar o valor do aluguel junto a inquilinos e imobiliárias. O gasto é certamente um dos que mais pesa no bolso. Há quem tenha conseguido reduzir a despesa pela metade e outros que apostam em carta coletiva para fazer mais pressão e ter sucesso no pedido.

A mulher da DJ, ao contrário, está sendo obrigada a bater ponto numa empresa de produtos promocionais. “Ela queria ficar em casa, está muito preocupada. Chegou a ter um ataque de pânico. No dia seguinte, foi trabalhar chorando”, conta Luana.

Quem também não teve escolha foi o manobrista Walter Pereira de Oliveira, 51. Na verdade agora ele vai trabalhar mais. O dono do estacionamento decidiu dar férias para um dos funcionários e aumentar para 10h a carga horária dos outros dois.

O local, que antes ficava lotado com as 110 vagas ocupadas, agora tem cerca de 30 clientes por dia.
Sem receber máscara, luva ou álcool em gel, Walter tenta driblar o coronavírus com a ajuda da clientela. “Estamos pedindo para as próprias pessoas estacionarem. Mas às vezes temos que manobrar. Pegamos também em dinheiro, cartão”, conta ele, que lamenta não ter plano de saúde.

O salário de R$ 1.500 do manobrista é o que banca a casa em que vive com a mulher, desempregada, e o filho de 13 anos. “Se trabalhando já falta…. a gente descobre um santo para cobrir outro. Imagina se ficar sem?!”, diz Walter.

Sua rotina também inclui ônibus e metrô para sair do Capão Redondo, na periferia, e chegar no Itaim Bibi, um dos bairros mais ricos da cidade. Mas, mesmo lá, que é centro empresarial e tem noites badaladas, as ruas estão vazias. “Não tem nem o barulho dos aviões que pousam em Congonhas e a gente ouve daqui”, diz.

No transporte, Walter já viu até briga por conta de um espirro. “Um moço espirrou e não deu tempo de colocar o braço. Todo mundo olhou recriminando. Ele disse: ‘po, não sou leproso’, mas quase se estapearam dentro do metrô”.


O que não é possível saber ainda é se o número de ocorrências policiais diminuíra com o fluxo menor de pessoas circulando. A SSP (Secretaria de Segurança Pública) não compilou os dados de furto, roubo, homicídios e latrocínios da última semana. O policiamento, no entanto, segue normal, segundo a pasta.

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