Registros de armas de fogo por por caçadores, colecionadores e atiradores saltam 120% em 2020
Já as apreensões de armas de fogo caíram: o recuo foi de 1,9% nas operações da Polícia Rodoviária Federal e de 0,3% nas apreensões feitas pelas polícias estaduais em 2019, na comparação com 2018
O número de registros de armas de fogo para colecionadores, atiradores e caçadores no Brasil mais do que dobrou em 2020. Na comparação com o ano anterior, houve um aumento de 120%. Cresceu também o total de armas compradas por cidadãos comuns e pelas forças de segurança -66%, entre 2017 e 2019. São mais de 2,1 milhões de registros ativos no país.
Já as apreensões de armas de fogo caíram: o recuo foi de 1,9% nas operações da Polícia Rodoviária Federal e de 0,3% nas apreensões feitas pelas polícias estaduais em 2019, na comparação com 2018.
Os dados são do 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado neste domingo (18) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Todos os estados brasileiros apresentaram aumento no número de registros ativos de armas de fogo. No entanto, o maior crescimento foi no Distrito Federal (539%) e na Paraíba (113%). CSegundo o anuário, o DF tem uma arma para cada 11 pessoas, sendo o estado mais armado no Brasil em números absolutos.
Para Renato Sergio de Lima, diretor-presidente do Fórum, é muito pouco provável que tenha crescido o interesse pela prática esportiva ou por colecionar armas.
“Nós lemos esse dado como uma forma de burlar o Estatuto do Desarmamento. Estamos perdendo o controle e o rastreamento. A melhor forma de investigar um homicídio é saber o caminho da arma. Mas com os decretos [do governo federal], esses controles foram sendo fragilizados”, disse.
Desde o início de 2019, o presidente Jair Bolsonaro assinou uma série de decretos e alterou diversas portarias, flexibilizando a posse e o porte de armas.
Segundo o advogado Ivan Marques, presidente da Organização Internacional Control Arms e membro do Fórum, historicamente parte dessas armas legais migra para o mercado ilegal, e por isso, “infere-se que a diminuição das apreensões é também sinal de redução de interesse neste tipo de operação”.
“Nos últimos anos vem caindo o número de armas ilegais em circulação, ou houve redução de esforços em retirar armas ilegais das ruas”, afirma.
Segundo os pesquisadores, ainda que seja uma opção política aumentar o estoque de armas legais em poder do cidadão, é responsabilidade do Estado garantir que armas ilegais sejam retiradas de circulação. Em 2019, das 105 mil armas apreendidas no país, pelos menos 6.740 caíram no mercado ilegal –o número pode ser ainda maior, já que muitos proprietários de armas legalizadas não registram em sistema quando seus equipamentos são furtados, roubados ou extraviados.
A disponibilidade de armas no mercado ilegal é um dos fatores que contribuem para o aumento dos assassinatos, segundo Marques.
No primeiro semestre de 2020, o número de mortes violentas intencionais no país cresceu 7,1%, de acordo com o Anuário. Foram registradas 25.712 mortes, o que representa uma pessoa assassinada a cada dez minutos em meio à pandemia de Covid-19, mesmo com as medidas de isolamento social no período.
Os dados indicam uma interrupção de uma tendência de queda dos crimes violentos registrada a partir de 2018, com aumento também dos feminicídios, e das vítimas de intervenções policiais e de policiais mortos.
Do total de assassinatos, 72,5% foram cometidos com arma de fogo. Um exemplo foi o caso da jovem morta com um tiro no rosto em um condomínio de luxo em Cuiabá, no dia 12 de julho. Os pais da adolescente que diz ter atirado acidentalmente na colega são atiradores esportivos e tinham armas em casa.
SISTEMAS OBSOLETOS
Dois sistemas diferentes reúnem os registros de armas de fogo no Brasil, um administrado pelo Exército e outro pela Polícia Federal. O Exército é responsável pelo Sigma (Sistema de Gerenciamento Militar de Armas de Fogo), que reúne dados das armas registradas para as Forças Armadas, policiais militares dos estados, Abin (Agência Brasileira de Inteligência), além daquelas usadas por Colecionadores, Atiradores desportivos e Caçadores, que são chamados CACs.
No sistema do Exército, há 1.128.348 registros de armas de fogo ativos, segundo dados de agosto de 2020. Dessas, 496.172 armas são da categoria CACs -número 120% maior do que o verificado em 2019.
Outro banco de dados, chamado Sinarm (Sistema Nacional de Armas) e controlado pela Polícia Federal, reúne as armas da própria corporação e também as usadas pelas polícias civis dos estados, Polícia Rodoviária Federal, guardas municipais, de órgãos como Ministério Público e Poder Judiciário, além daquelas compradas por qualquer cidadão que tenha direito a posse ou porte.
Neste sistema também houve aumento no número de registros ativos. Em 2017, eram 637.972 registros de armas de fogo ativos no Sinarm. Em 2019, este número passou para 1.056.670, um crescimento de 65,6%.
Apesar do aumento na quantidade de armas registradas, as apreensões estão estáveis há alguns anos no país. Em algumas regiões, houve inclusive uma queda brusca na taxa de apreensões a cada 100 mil habitantes.
A mais acentuada foi na região Centro-Oeste, que em 2016 era a campeã de apreensões no país, retirando de circulação 99 armas para cada cem mil habitantes. Em 2019, esse número despencou para apenas 32,6 para 100 mil, colocando a região como a que menos retira armas ilegais de circulação.
A existência de dois sistemas diferentes para o registro de armas é alvo de críticas dos analisas do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Segundo o anuário, as duas bases não dão conta de indicar exatamente quantos cidadãos brasileiros possuem armas de fogo legais no país.
Calcula-se que haja cerca de 15 milhões de armas em circulação no país, das quais estão registradas nos sistemas 2,1 milhões. Uma determinação de 2004 prevê que o Exército promova a troca de informações com a Polícia Federal do seu cadastro de armas, mas a normativa ainda não é cumprida. Em junho de 2019, um decreto, assinado pelo presidente Bolsonaro, reforçou a exigência e deu prazo de um ano para que o compartilhamento passasse a ser feito, mas também foi descumprido.
Mesmo com a implantação do Sinarm II em abril de 2019, do total de armas retiradas de circulação no Brasil em 2019, apenas o equivalente a 2,6% constavam nos bancos de dados nacionais.
“[Vimos] Não só uma queda na apreensão de armas pelas forças de segurança, como também a contínua e acentuada ausência de registro de armas apreendidas em bancos de dados nacionais, que se tornam cada vez mais obsoletas. [Isso] indica, no mínimo, um descaso com a principal ferramenta de identificação e rastreamento de armas do país. É a receita para o desastre”, afirma Marques.
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