Senna é presença marcante em Ímola 30 anos após sua morte
Sua assinatura está em luminosos pendurados sobre o centro histórico. Seu rosto está na sala do prefeito, em um retrato na estante
Sua imagem e seu nome dele fazem parte da sinalização urbana, com indicações para uma das áreas mais visitadas da cidade.
Sua assinatura está em luminosos pendurados sobre o centro histórico. Seu rosto está na sala do prefeito, em um retrato na estante, e prestes a virar um mural de quatro metros de altura na periferia.
A maioria ali o chama pelo primeiro nome, Ayrton.
Trinta anos após a morte de Ayrton Senna, em um choque com o muro da curva Tamburello, em 1º de maio de 1994, a cidade de Ímola, no norte da Itália, convive com a imagem do piloto brasileiro como parte da paisagem e da memória coletiva, compartilhada mesmo por quem não lhe assistiu nas pistas nem viu o acidente.
“Sempre vi e ouvi sobre Ayrton.
Senna é presença marcante em Ímola
Quando tinha dez anos, nos jogos de computador, escolhia correr com a máquina dele”, disse à Folha o prefeito de Ímola, Marco Panieri, 33, que tinha menos de quatro anos quando Senna morreu.
A sua geração e as seguintes, portanto, se acostumaram com a figura de Senna entre os personagens locais históricos.
A cidade, com 70 mil habitantes, é marcada pelo autódromo Enzo e Dino Ferrari, inaugurado há 70 anos, dentro da área urbana. “Aqui, cada um tem um amigo, um irmão ou uma tia que já fez alguma coisa no autódromo: controlava o acesso à tribuna, trabalhava no estacionamento… Difícil não ser contagiado por isso”, afirmou Panieri.
Desde a morte de Senna, uma área vizinha à pista, com vista para o muro do acidente, tornou-se ponto de homenagens ao brasileiro, com flores e bandeiras.
O local, dentro do Parco delle Acque Minerali, com acesso gratuito 24 horas por dia, ganhou em 1997 uma estátua do piloto, feita por Stefano Pierotti, atraindo mais fãs.
“Se você é uma criança e passa pelo parque, vê o monumento e todas aquelas bandeiras do mundo inteiro, não tem como não perguntar quem foi ele”, disse o prefeito.
A reportagem visitou o local em uma sexta-feira de abril, pela manhã, um dia sem eventos no autódromo ou na cidade. Na grade que separa o parque da pista estão penduradas centenas de itens, a maioria bandeiras. Muitas são brasileiras, mas há várias de outros países. Há fotos, camisetas e recados, alguns envelhecidos pela exposição ao ar livre.
Entre os poucos visitantes naquele horário, menos de uma dezena, havia um casal de brasileiros.
“A gente vinha para a Itália a passeio e arrumou um jeito de vir até aqui. Eu via muito F1 na infância e me lembro da minha família toda reunida no domingo”, contou, emocionado, Tiago André Gonçalves, 39, de São José do Rio Preto (SP).
“Foi um movimento espontâneo e sempre constante. Todas aquelas bandeiras e saudações vieram de forma natural”, disse Gian Carlo Minardi, 76, fundador da escuderia que levou seu sobrenome e hoje presidente da empresa que administra o autódromo, cujo imóvel pertence à prefeitura.
Minardi e Senna se conheceram no início dos anos 1980 e mantiveram amizade até a véspera do acidente. “A última vez que o vi foi no sábado à noite, antes da corrida, depois da morte de Roland Ratzenberger [piloto austríaco]. Estávamos aqui [no autódromo], perto do centro médico, falando sobre segurança”, recordou Minardi.
Em março, o autódromo e a cidade abriram a programação ligada aos 30 anos da morte de Senna. Uma das principais atrações é a mostra “Magic”, em cartaz até 2 de junho no museu San Domenico, com 94 fotografias do brasileiro, tiradas pelos italianos Mirco Lazzari e Angelo Orsi, que foi amigo de Senna.
Muitas das cenas são informais, como a que mostra o brasileiro conversando e rindo com Minardi e o então piloto Pierluigi Martini. “Foi no Japão, na última corrida antes de Ímola, em 1994. Ele estava tirando sarro dos problemas que tinha no carro”, lembrou Minardi.
Como nos anos anteriores, as principais homenagens estão marcadas para 1º de maio.
O autódromo será aberto ao público e, com a presença de autoridades italianas e brasileiras, será realizado um minuto de silêncio às 14h17 (9h17 no Brasil), horário do acidente. Mais lembranças devem ser feitas quando a F1 passar por Ímola, no Grande Prêmio do dia 19.
“De um lado, sabemos que para a vida do Ayrton representamos um momento triste, mas, de outro, somos um testemunho do que ele representou”, disse o prefeito Panieri.
As homenagens a Senna na Itália não se restringem a Ímola. Em Turim, no Museu Nacional do Automóvel (Mauto), será possível ver, até 13 de outubro, máquinas pilotadas por ele, como o Fórmula Ford do início e a Williams do final, além de objetos pessoais e registros em filmes e fotos. Nos últimos meses, em todo o país, foram lançados livros e programas especiais na TV.
Autor de “Senna e Prost, La Sfida Infinita” (em italiano, o duelo sem fim), publicado em janeiro, o jornalista Umberto Zapelloni afirmou que a idolatria dos italianos por Senna começou bem antes do acidente. Nos anos 1980, a F1 contava com grande cobertura na Itália, com transmissão em canais abertos, e repórteres que viajavam para acompanhar as corridas.
“Mas eram anos em que a Ferrari não ia muito bem. Então, foi preciso se encantar por outros heróis. O torcedor se afeiçoou mais por Senna do que por Prost [Alain, piloto francês]”, disse Zapelloni.
No âmbito esportivo, em suma, o brasileiro havia conquistado fãs com desempenhos espetaculares. Mas sua fama extrapolou o automobilismo. “O fato de ele falar italiano ajudou que se tornasse popular. Isso facilitou o relacionamento com a TV, onde Senna falava sem precisar de tradução. Entrava na casa de todos”, declarou o jornalista.
Para Minardi, a passagem de Ayrton pela Itália no fim dos anos 1970, quando correu de kart por uma equipe de Milão, fez diferença. “Isso o levou a ter hábitos e gostos um pouco italianos, como o pela comida. Ele criou afeto pelos italianos, que lhe retribuíram depois.”
Senna, porém, era também visto como religioso, o que contou a seu favor no país que envolve o Vaticano. “O fato de que ele falasse de sua ligação com Deus impressionava muito os italianos, como quando disse ter tido uma visão no GP do Japão [em 1988]. Naquela época, não havia outros esportistas que falassem assim de religião”, observou Zapelloni.
Outro ponto que causou boa impressão, todavia, foram as ações de caridade de Senna. Após sua morte, foi revelado que ele visitava com frequência, em Ímola, um jovem vítima de acidente que tinha ficado paraplégico. “Ele ia escondido”, assegurou Minardi.
Em 1994, quando se especulava que ele poderia finalmente correr pela Ferrari no ano seguinte, ocorreu o acidente, seguido de uma onda de comoção nacional. Logo depois, um dos maiores músicos italianos da época, Lucio Dalla (1943-2012), lançou “Ayrton”, canção em homenagem ao brasileiro.
“A morte em pista, na Itália, contribuiu para amplificar ainda mais esse conceito de mito, que ainda hoje é transmitido. Muitos jovens pilotos italianos dizem que se inspiram nele, mesmo que o tenham visto correr só no YouTube”, disse Zapelloni.
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