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Aos 90, estátua do Cristo consolida seu impacto no turismo, na arte e no cotidiano do Rio

Com a inauguração do Cristo, em 1931, o Brasil mostrou ao mundo que era um país moderno e capaz de realizar grandes feitos


Por Folhapress Publicado 11/10/2021
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Uma multidão está no alto do Corcovado, enquanto aviões das Forças Armadas realizam manobras ao redor do monumento. O presidente Getúlio Vargas acompanha a cerimônia ao lado de ministros e das maiores autoridades religiosas do país.

À noite, a população enche praias e morros para ver a imagem ser iluminada pela primeira vez. Já nas avenidas, procissões e bandas de música celebram o novo cartão postal do Rio de Janeiro.

O clima era de euforia. Após cinco anos de construção, naquele dia 12 de outubro de 1931 era inaugurado o Cristo Redentor, monumento eleito uma das sete maravilhas do mundo e que completa 90 anos nesta terça (12).

Com a inauguração do Cristo, em 1931, o Brasil mostrou ao mundo que era um país moderno e capaz de realizar grandes feitos. É isso o que diz Márcio Roiter, especialista no monumento e presidente-fundador do Instituto Art Déco Brasil. “O Brasil coloca o monumento ao Cristo no alto do Corcovado como uma espécie de coroamento de sua modernidade.” Afinal, diz Roiter, instalar uma obra de 38 metros em uma montanha de 704 metros de altitude não foi tarefa simples.

“O Cristo é um exemplo de um Brasil que deu certo. Ele é uma proeza técnica e não há no mundo nada parecido. Se nós temos que nos orgulhar de alguma coisa no Brasil, essa coisa é Cristo Redentor”, afirma ele.

A estátua se firmou ao longo do tempo como o principal símbolo do Brasil no exterior, atraindo turistas. “Talvez ele seja a imagem mais conhecida que a gente tem do Brasil. Ele é um atrativo muito grande para o Rio de Janeiro. A gente tem que agradecer muito a essa imagem”, diz Daniela Maia, presidente da Riotur, órgão que elabora e executa as políticas de turismo da capital fluminense.

Os números de fato mostram a popularidade do Cristo entre os turistas. O Trem do Corcovado -concessionária responsável por levar os visitantes ao monumento- transportou mais 764 mil pessoas, em 2019. No entanto, com a chegada da pandemia, esse número caiu para 352 mil no ano passado.

Maia diz que, com a desaceleração da pandemia, a ideia é usar o monumento na retomada do turismo na cidade. ” O Cristo está presente em todas as campanhas que a gente vai começar a divulgar a partir do término da pandemia. Ele se mistura com o Rio. É a nossa identidade.”

O turismo no Cristo movimenta também a economia da favela Cerro Corá, comunidade vizinha ao monumento. Líder comunitário, Ricardo Rodrigues explica que parte expressiva dos moradores do local trabalham com turismo.

“Muitos estão ali porque seus avós e pais também estiveram. Eu não consigo imaginar o Cerro Corá sem a presença do Cristo.” Ele diz, porém, que o acesso ao monumento nem sempre é fácil para quem mora na comunidade. O valor dos ingressos, especialmente, é um empecilho para muita gente.

“Existem moradores idosos que nunca foram ao Corcovado. Como faço parte de atividades culturais, a gente conseguiu levar alguns ao Cristo. Muitos deles pela primeira vez”, diz

Segundo ele, o monumento não afeta as comunidades do entorno apenas de modo positivo. Em 2010, um deslizamento matou três pessoas na Ladeira dos Guararapes, favela vizinha ao Cerro Corá.

Na época, os moradores responsabilizaram uma obra do Trem do Corcovado que teria construído canaletas para escoar a água da chuva, de modo que ela não prejudicasse os trilhos do trem.

Moradores afirmam, porém, que isso fez a água cair no morro. “Mesmo assim, não refizeram o projeto, o que resultou na inundação do barranco que dá acesso aos Guararapes, que causou o acidente no qual as pessoas morreram”, diz Rodrigues.

Ele acrescenta que, depois do acidente, o Trem do Corcovado teria feito reparos. “Mas aí o problema já tinha acontecido.”

Em nota, a empresa afirma que as alegações não têm base em fatos. Segundo o comunicado, a concessionária apenas faz obras para corrigir e manter o fluxo de água no leito ferroviário.

“É leviano acusar o Trem do Corcovado pelo deslizamento de uma casa erguida num terreno íngreme, área de risco, pela mesma chuva que matou mais de 300 pessoas só no Rio de Janeiro”, diz a empresa.

A ideia de colocar a estátua no local é atribuída ao padre francês Pierre-Marie Boss, ainda no século 19. Mas o plano começou a sair do papel só em 1921, quando o Círculo Católico do Rio escolheu o arquiteto e engenheiro Heitor da Silva Costa para tocar a obra.

Em uma viagem à França, Heitor convidou o escultor Paul Landowski para conceber os aspectos estéticos da estátua. Referência em art déco, estilo ligado à ideia de modernidade, o artista foi responsável por elaborar as mãos e a cabeça da escultura.

Foi justamente a participação de Landowski na obra que deu origem a uma celeuma em torno dos direitos autorais do Cristo. Durante anos, os herdeiros do escultor reivindicaram que o francês seria o autor do monumento, e não Heitor da Silva Costa.

No outro extremo, a família do brasileiro afirma que ele é o único autor e idealizador do Cristo. Em 2011, o prefeito Eduardo Paes bateu o martelo e decidiu por decreto que o Cristo é brasileiro. “Fizemos uma vasta pesquisa, analisamos todo o material e ficou claro que a autoria é do Heitor”, disse ele, na ocasião.

Márcio Roiter defende, porém, que o Cristo tem dupla nacionalidade, isto é, o monumento seria na verdade franco-brasileiro. Isso porque a estátua recebeu contribuições importantes não só de Landowski, mas de uma figura que costuma passar despercebida na biografia do Cristo.

Durante sua incursão à França, Heitor chamou o engenheiro francês Albert Caquot para realizar os cálculos estruturais do projeto. “Ele é o grande responsável pelo monumento estar inteiro até hoje. Se fizessem algo de concreto armado de forma medíocre, ele já teria caído”, diz Roiter.

Além do turismo e de sua importância para a cidade, o Cristo também se converteu em instrumento político logo após sua inauguração. Professor de história do Rio, Antonio Edmilson Rodrigues explica que o então presidente Getúlio Vargas se aproximou da igreja para se legitimar politicamente.

“Ele queria a igreja como aliada para poder desenvolver seu projeto de estado. A construção do Cristo é um símbolo disso”, diz Rodrigues.

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