Usamos cookies e outras tecnologias para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao continuar navegando, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

Entenda por que Lula se diz inocente sem ter sido inocentado


Por Folhapress Publicado 15/06/2022
Lula coloca em dúvida necessidade de prisão do ex-ministro Milton Ribeiro
Foto: Agência Brasil

Críticos e apoiadores do ex-presidente Lula (PT) têm se aproveitado de sutilezas dos termos jurídicos para distorcer o sentido de decisões e institutos legais empregados na Operação Lava Jato. O último episódio da guerra de narrativas lastreadas na linguagem penal teve como estopim uma fala do ministro Luiz Fux, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal). Segundo ele, anulações de processos da Lava Jato ocorreram por razões formais e situações de corrupção no escândalo da Petrobras e do mensalão não podem ser esquecidas.

“Muito embora tenha havido uma anulação formal, mas aqueles R$ 50 milhões das malas eram verdadeiros, não eram notas americanas falsificadas. O gerente que trabalhava na Petrobras devolveu 98 milhões de dólares e confessou efetivamente que tinha assim agido”, afirmou o ministro do STF.
Fux fez alusões aos casos do ex-ministro Geddel Vieira Lima, condenado por lavagem de dinheiro e organização criminosa após R$ 51 milhões terem sido encontrados em um apartamento em Salvador, e também ao processo contra o ex-executivo da Petrobras Pedro Barusco.
Apesar de Lula não ter sido mencionado pelo magistrado do STF, aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL) repercutiram a fala em suas redes sociais e aproveitaram para criticar o líder petista e a atuação do STF.
Congressistas do PT também atacaram as manifestações do ministro, classificando-as de politizadas. Veja baixo qual é a situação jurídica do ex-presidente e da Lava Jato.

Lula é inocente?
Sim. Não há nenhuma sentença válida atualmente contra o ex-presidente. Ele chegou a ser condenado pelo então juiz Sergio Moro e por tribunais superiores na operação Lava Jato, mas os processos foram anulados pelo STF por duas razões técnicas: Moro agiu com parcialidade para punir o líder petista, e as causas deveriam ter tramitado no Distrito Federal, não no Paraná.
Com as anulações, Lula retornou à condição de inocente.

Lula foi inocentado?
Não. Nos principais casos contra o ex-presidente e na acepção mais comum da palavra “inocentado”, que corresponde a absolvido, não é correto empregar o termo para se referir à situação de Lula.
As condenações contra o líder petista foram cassadas por motivos técnicos.
Nos casos em que um juiz não é considerado imparcial ou em que um processo não está no lugar correto de tramitação, as provas em geral são enviadas para outro magistrado julgar.
Porém, no caso das ações penais contra o petista, ocorreu uma terceira situação técnica. A Justiça entendeu que já havia acabado o prazo legal para que ele fosse eventualmente processado e punido, o que na linguagem legal recebe o nome de prescrição.
Nos casos prescritos, as provas deixam de ser analisadas e ficam sem uso, sob a justificativa de que não vale a pena mover a máquina judiciária se, ao final, nenhuma punição poderá ser aplicada.
Assim, a prescrição livra os réus de processos e penas ao mesmo tempo em que impede a Justiça de avaliar provas e sentenciá-los com base nelas.
Essas três situações técnicas ocorreram nos dois principais processos contra Lula, o do sítio de Atibaia e o do tríplex de Guarujá.

Mas como Lula é inocente sem ter sido inocentado?
Lula é inocente pela ocorrência de três situações técnicas: parcialidade do juiz Moro, a tramitação dos processos no lugar errado e a perda do prazo para processar e julgar os casos.
As provas contra o ex-presidente não foram reavaliadas e, por isso, não se pode dizer que ele foi inocentado.

Como é um caso clássico de absolvição em que alguém é inocentado pela Justiça?
Nos desdobramentos da Lava Jato, uma das situações de absolvição, por exemplo, foi a que ocorreu no processo contra o ex-prefeito Fernando Haddad (PT).
Haddad foi inocentado pelo TRE-SP em 2021 após ter sido condenado em primeira instância sob a acusação de prática de caixa dois nas eleições municipais de 2012, quando foi eleito.
Em agosto de 2019, o juiz eleitoral Francisco Carlos Shintate havia condenado Haddad sob o argumento de que duas gráficas emitiram notas fiscais frias para a sua campanha vitoriosa. O petista, segundo o juiz, cometeu crime eleitoral ao incluir esses documentos em sua prestação de contas.
Para fundamentar a punição, o magistrado apresentou na sentença uma avaliação do consumo de energia elétrica das gráficas e alegou que a estimativa indicava que as empresas não prestaram os serviços descritos nas notas ficais, e isso demonstrava que os documentos fiscais eram falsos.
Porém, cerca de um mês após a decisão de primeira instância, o jornal Folha de S.Paulo mostrou que a avaliação do juiz não teve base em perícia técnica e resultou de uma análise equivocada de gastos de eletricidade na impressão de material de campanha.
Na decisão do ano passado, o relator do processo no TRE, Afonso Celso da Silva, criticou a falta de perícia técnica no caso e reconheceu a falha na estimativa do magistrado de primeira instância.
Essa análise do relator de que não havia provas suficientes para condenar o ex-prefeito foi acompanhada por todos os outros julgadores, e o placar final foi de 6 a 0 pela absolvição.
Haddad, portanto, foi inocentado.

Lula chegou a ser inocentado em algum caso da Lava Jato?
Sim. Uma dessas ações judiciais foi a da operação Zelotes 2. Lula foi absolvido em 2021. Ele era réu sob acusação de corrupção passiva por supostamente favorecer empresas na edição da Medida Provisória 471, de 2009.
De acordo com a decisão do juiz Frederico Botelho Viana, a investigação não “demonstrou de maneira convincente” como Lula e o seu ex-chefe de gabinete Gilberto Carvalho “teriam participado no contexto supostamente criminoso”.
Também houve situações de análise de provas contra Lula que levaram ao encerramento de casos antes mesmo de ele passar da condição de investigado para a de réu.
Foi o que ocorreu numa acusação que envolveu também o irmão de Lula, Frei Chico.
A Justiça rejeitou, por falta de provas, uma denúncia contra os dois e também Emilio e Marcelo Odebrecht, da empreiteira Odebrecht, e Alexandrino Ramos Alencar, ex-diretor da empresa. O caso envolvia o suposto pagamento de mesada da Odebrecht ao irmão do petista.

Como a defesa de Lula usa o termo ‘inocentado’?
A defesa do ex-presidente emprega o termo inocentado na acepção da palavra, que corresponde a retornar à condição de inocente, o que ocorreu na prática com a anulação dos principais casos contra Lula por motivos técnicos.
Em artigo publicado na Folha de S.Paulo, os integrantes da defesa Cristiano Zanin Martins e Valeska T. Z. Martins rebateram afirmações de Moro de que Lula não teria sido inocentado.
“É uma afirmação que desrespeita a Constituição, que considera todos inocentes a menos que haja condenação transitada e julgada. Não existindo acusação válida Lula é inocente, não cabendo a Moro ou a terceiros ‘inocentá-lo'”, escreveram os advogados.

O que ficou em aberto sobre Lula, já que não haverá mais a análise das provas?
A anulação do caso do sítio de Atibaia, por razões técnicas, faz com que fique sem julgamento pelo Poder Judiciário o motivo das reformas e das benfeitorias feitas pelas empreiteiras Odebrecht e OAS no imóvel rural que era frequentado pelo líder petista.
As diligências de busca e apreensão, delações, depoimentos, perícias e documentos imobiliários poderiam permitir à Justiça responder se as obras tiveram ligação com atos de corrupção em contratos da Petrobras, ou, desconsiderando a conexão com contratos da estatal ou outros setores públicos, teriam configurado um caso de improbidade administrativa na área cível, em razão de suposto benefício pessoal indevido.

A anulação dos principais casos contra Lula deve levar à anulação de todos os casos da Lava Jato julgados por Sergio Moro no Paraná ou até mesmo de todos os desdobramentos em outros estados?
Não. A operação Lava Jato começou em março de 2014 e a princípio tinha como focos doleiros, diretores e ex-executivos da Petrobras.
O principal pilar da operação foi um grande número de delações premiadas realizadas por dirigentes da estatal de petróleo e executivos de grandes empreiteiras.
No curso das investigações, foram obtidos documentos e outras evidências que confirmaram a corrupção na estatal e a montagem de engrenagens financeiras nas empresas para pagar propinas, como a que foi criada pelo grupo conhecido como Setor de Operações Estruturadas na empreiteira Odebrecht.
Em 2015, ainda no governo petista de Dilma Rousseff, a Petrobras divulgou balanço contabilizando uma perda de R$ 6 bilhões com o esquema de corrupção. No início deste ano, quase sete anos depois, a companhia afirmou que o total recuperado em virtude de acordos de colaboração, leniência e repatriações era de R$ 6,17 bi.

✅ Curtiu e quer receber mais notícias no seu celular? Clique aqui e siga o Canal eLimeira Notícias no WhatsApp.