Após 3 anos, Davi Miguel volta dos EUA sem transplante do intestino
Ele nem chegou a entrar na fila americana de doações de órgãos por não ter adquirido as condições para o transplante.
Depois de mais de três anos à espera de um transplante nos Estados Unidos, o menino Davi Miguel Gama, de 5 anos, portador de uma doença rara no intestino, retornou ao Brasil nesta sexta-feira, 12, sem ter passado pelo procedimento.
O tratamento da criança havia sido aceito pelo Jackson Memorial Hospital, em Miami, especializado em transplante de órgãos intestinais em crianças, mas a avaliação dos especialistas apontou que o menino não estava apto para a cirurgia. Ele desembarcou com os pais no Aeroporto Internacional de Guarulhos e foi levado para o Hospital Municipal Infantil Menino Jesus, na Bela Vista, região central na capital, onde passará por uma série de exames.
Davi Miguel nasceu em Franca, no interior de São Paulo, com uma síndrome rara no intestino, a doença da inclusão das microvilosidades intestinais, conhecida como diarreia intratável, que impede a absorção de alimentos. Desde o nascimento, ele foi alimentado por sondas.
A doença exige o transplante de órgãos intestinais, mas a família descobriu que, no Brasil, só eram operadas crianças com peso superior a dez quilos. Como o bebê pesava, na época, apenas seis quilos e tinha dificuldade para ganhar peso, os pais entraram na Justiça para realizar o tratamento no exterior, custeado pelo governo brasileiro. Enquanto aguardava a decisão judicial, a família iniciou uma campanha na internet e conseguiu arrecadar R$ 1,5 milhão.
A campanha “Movidos pela Vida – Davi Miguel” mobilizou, além de Franca, várias cidades do interior paulista e ganhou a adesão de personalidades e jogadores de futebol. Em pouco tempo, a página criada pela família em rede social atingiu mais de 100 mil seguidores – nesta sexta-feira, eram 174,4 mil.
A cirurgia nos Estados Unidos custaria R$ 2,7 milhões, além das despesas de internação, avaliadas em outros R$ 2 milhões. Um ano depois, a Justiça Federal autorizou o custeio das despesas pela União, mas determinou que 70% do dinheiro arrecadado na campanha fossem usados para o tratamento.
Davi Miguel e os pais, Dinea e Jesimar Gama, viajaram no início de agosto de 2015. A expectativa era de que ele conseguisse um doador, mas a criança nem chegou a entrar na fila americana de doações de órgãos por não ter adquirido as condições para o transplante.
A equipe médica do Jackson Memorial considerou que o menino não estava apto para o transplante por ter apresentado tromboses nas veias devido ao constante uso de catéteres para alimentação. Em março do ano passado, o hospital emitiu nota dizendo que sua equipe médica havia informado à família e ao governo brasileiro que, até aquele momento, Davi não tinha adquirido condições para o transplante, devido às suas condições de saúde, e que seria melhor ele voltar para o Brasil.
“Os centros de transplantes americanos, incluindo o Miami Transplant Institute, no Jackson, aderem a estatutos e políticas estabelecidas pela Regra de Aquisição e Transplante de Órgãos. Esses regulamentos são projetados para cumprir os requisitos da Regra Final, que priorizam a alocação de órgãos escassos a pacientes que estão mais propensos a sobreviver e a prosperar na jornada do transplante, o que inclui a necessidade de acompanhamento de cuidados médicos e medicamentos pós-transplantes ao longo da vida”, divulgou, na ocasião. Conforme o hospital, foi preciso avaliar detidamente as condições da criança para indeferir o transplante.
A família decidiu ficar nos Estados Unidos por alimentar esperanças de que o filho iria se recuperar das tromboses e ficar em condições de se habilitar para o transplante, o que não aconteceu. Nesse período, a família consumiu os 30% do dinheiro arrecadado em campanhas (R$ 450 mil) para se manter no país. Os cateteres e os tratamentos médicos continuavam sendo pagos pelo governo brasileiro, conforme a decisão judicial.
Retorno
No final do ano passado, a Justiça Federal foi comunicada de que a cirurgia não seria realizada pelo Jackson Memorial. O retorno dele foi acertado também no final de 2018 em audiência de conciliação entre o Ministério da Saúde e advogados da família, que pretendia continuar tentando tratar o filho nos Estados Unidos, mas foi convencida a retornar. Nessa audiência, o ministério se comprometeu a atender o paciente no Sistema Único de Saúde (SUS) após seu retorno ao Brasil.
Segundo o pai de Davi Miguel, Jesimar Gama, a expectativa é de que o filho consiga crescer com saúde até que possa ser operado, já adulto, no sistema de saúde brasileiro. Gama diz que é preciso que as veias se restabeleçam e se recanalizem para ele estar em condições de tentar o transplante, o que não é possível agora.
Ainda segundo o pai, não se fala em devolução de dinheiro, pois 70% dos recursos arrecadados – cerca de R$ 1 milhão -, que seriam usados na cirurgia, ficaram bloqueados pelo governo. Os advogados da família ainda discutem com o governo a destinação desses recursos.
O retorno para o Brasil só foi definido depois de avaliadas as condições da criança para a viagem e para continuar o tratamento Familiares relataram que Davi Miguel passou bem durante o voo, sorriu e conversou com outros passageiros.
No hospital paulistano, a equipe vai compatibilizar os protocolos nacionais com aqueles usados nos Estados Unidos e a família passará por treinamento para cuidar da nutrição parenteral. Depois disso, a criança voltará a morar com os pais, em Franca, assistida por serviço de home care. Davi Miguel será acompanhado pela equipe do Menino Jesus, que o atenderá pelo SUS
Menina Sofia
O caso de Davi não é o primeiro em que crianças brasileiras com doença rara tentam tratamento no exterior. Em 2014, os pais da menina Sofia Gonçalves de Lacerda, portadora de Síndrome de Berdon, doença rara que impede o funcionamento do intestino, conseguiram na Justiça que o governo brasileiro custeasse as despesas de seu tratamento também no Jackson Memorial, em Miami
Em abril do ano seguinte, foi realizado com sucesso o transplante de seis órgãos de um doador desconhecido. Sofia se recuperava bem, mas teve uma infecção e acabou morrendo no dia 14 de setembro de 2015. Os pais, que conseguiram arrecadar R$ 2,2 milhões em campanha nas redes sociais, decidiram permanecer nos Estados Unidos. A página de Sofia na rede social Facebook chegou a ter 1,3 milhão de seguidores.
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