Jovem que lutou na Justiça para morrer agora quer ajuda para viver
Humberto conta que quase atingiu seu objetivo: morrer.
“Testei meus limites e, no último minuto, optei pela vida. Estive em coma por 11 dias, tive duas paradas cardíacas e acabei voltando. Enfim, a vida venceu”, diz ao jornal O Estado de S. Paulo.
O drama do rapaz começou em 2015 quando, morando com o pai nos Estados Unidos, descobriu uma doença renal, só curada com transplante. Com os rins comprometidos, ele precisava fazer hemodiálise, mas passou a resistir ao tratamento.
A mãe, a professora Edina Maria Alves Borges, de 57 anos, trouxe o filho de volta para o Brasil, mas ele continuou a recusa, alegando que preferia morrer. Humberto foi convidado a fazer exames para o transplante, mas se negou.
“Ele preferia morrer a viver daquela forma, e tinha as razões dele. Até a doença aparecer, ele era um esportista, um atleta com a vida toda pela frente”, conta a mãe.
A família mora em Trindade, cidade vizinha a Goiânia, e a mãe recorreu à Justiça para obrigar o filho a se tratar. Conseguiu uma interdição parcial, que o obrigava a se apresentar para a hemodiálise, mas Humberto procurou um advogado e entrou com recurso.
“Ele achava que tinha direito de pôr um fim à própria vida”, diz ela.
O jovem passou a descuidar do tratamento, entregou-se à doença e quase sucumbiu. Em março do ano passado, teve duas paradas cardíacas e, no último minuto, pediu para viver.
O próprio Humberto conta como foi.
“Eu estava muito debilitado e fui para o hospital para esperar a morte. No final, quando eu estava quase morto, vi que aquilo não era o que eu queria. Então, eu me arrependi e pedi ajuda, mas era tarde. Acabei ficando em coma 11 dias.”
O embate com a morte deixou sequelas graves. Além da perda parcial dos movimentos, por causa de uma polineuropatia, o jovem teve uma lesão no coração que dificulta o transplante.
“Eu tentei o transplante cadáver (com rim de pessoa morta) em Goiás, mas fui recusado devido às sequelas no coração durante o coma.”
Humberto, agora, faz fisioterapia em clínica de tratamento neurológico e passa por sessões de hemodiálise de quatro horas três vezes por semana, além de seguir as dietas com vitaminas. Ele continua morando com a mãe.
“Ela é minha melhor parceira, me ajuda muito”, reconhece.
O jovem está estudando em casa e quer fazer curso de computação.
“Estou procurando trabalho na área de digitação e jogos online para ajudar minha mãe, porque ela está trabalhando demais para me manter e ao meu tratamento. Eu usava o computador dela, mas quebrou.”
O jovem que desejou a morte agora faz planos de vida. Ele sonha com uma cadeira de rodas elétrica para melhorar a mobilidade e poder trabalhar.
“Comecei há cinco meses essa minha rotina diária (de cadeirante), só que fico em casa o dia todo, porque não consigo sair sozinho, pois não tenho forças nos braços para me locomover ”
Há uma semana, na clínica de fisioterapia, ele conseguiu dar alguns passos e comemorou.
“É a primeira vez que ando em um ano.”
Ortotanásia
O caso de Humberto causou grande repercussão na época. Uma perícia feita pela junta médica do Tribunal de Justiça de Goiás atestou que ele tinha “total capacidade de entendimento”, mas “imaturidade afetiva e emocional”, o que tornava parcial sua capacidade para tomar decisões.
Em novembro de 2017, a Justiça determinou a interdição parcial dele por um ano “unicamente no que se refere à sua autonomia para submeter-se a tratamento médico, especialmente as sessões de hemodiálise”, mas vedou qualquer forma de coerção física, inclusive sedação. Ele continuou desleixando o tratamento.
A decisão fez referência à ortotanásia, em que o doente terminal com enfermidade irreversível é privado dos chamados “procedimentos paliativos” para ter uma morte digna. Ao contrário da eutanásia, que implica submeter o paciente terminal à morte assistida e sem dor, proibida no Brasil, a ortotanásia é admitida.
O Conselho Estadual de Medicina de São Paulo já definiu que “todo paciente adulto, e com capacidade preservada de deliberar sobre riscos, tem o direito de abster-se de propostas terapêuticas que lhe são oferecidas”.
Chamada de egoísta por um juiz por insistir no tratamento do filho contra a vontade dele, Edina respondeu, na ocasião: “É egoísmo uma mãe querer que o filho não desista de viver?”
Hoje, ela diz que não se arrepende de ter lutado para que ele vivesse e se pergunta como viveria se tivesse deixado o filho morrer.
“Houve muitas sequelas, a avó, as tias, eu envelheci uns bons anos, afetou todo mundo, mas, enfim, valeu a pena. Ele está vivo, está bem, estamos aqui juntos.”
Infância
Humberto lembra com saudades da época em que era saudável, uma realidade bem diferente da atual. “Foi uma infância feliz, em Trindade (GO). Eu estudava em escola particular, fazia natação, tinha muitos amigos, saíamos em grupo para andar de bicicleta.”
Ele conta que, aos cinco anos, vivenciou a separação dos pais. Em seguida, o pai foi morar nos Estados Unidos e ele passou a querer ir embora do Brasil.
Aos 16 anos, José Humberto deixou a casa da mãe e embarcou para se encontrar com o pai, em Boston. “Foi, sim, um período muito bom. Lá eu pude desenvolver a parte física, fazia natação e, com meus colegas, ganhamos vários campeonatos. Gosto muito de água até hoje.” A doença renal apareceu em julho de 2015. O rapaz viu sua vida mudar radicalmente, culminando com a volta para o Brasil.
O jovem disse que fala com frequência com o pai, que presta serviços para a Nasa, agência espacial americana. “Ele me dá a maior força, me ajuda como pode, mas tem a vida dele lá”, disse
José Humberto conta que, quando optou por não aceitar o tratamento com hemodiálise, o fez porque tinha consciência de que nunca mais seria a pessoa saudável que já foi. Ele também não queria ser um peso para a mãe, tanto que havia recusado o rim que ela ofereceu para o transplante. “Hoje não penso mais assim, estou me esforçando para melhorar a condição física e manter o que eu ainda tenho.”
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