Professores vão à Justiça contra ordem de Doria de recolher apostilas
O tucano justificou sua decisão, na semana passada, sob o argumento de que o material continha "apologia à ideologia de gênero", termo não reconhecido no meio acadêmico e usado por alas conservadoras para barrar discussões sobre diversidade sexual
Professores de quatro universidades públicas e um instituto federal entraram com ação popular na Justiça nesta terça-feira (10) contra a ordem do governador João Doria (PSDB) de recolher apostilas dos alunos do 8º ano das escolas estaduais de São Paulo.
O tucano justificou sua decisão, na semana passada, sob o argumento de que o material continha “apologia à ideologia de gênero”, termo não reconhecido no meio acadêmico e usado por alas conservadoras para barrar discussões sobre diversidade sexual.
O trecho que motivou a decisão de Doria reproduz publicação do Ministério da Saúde que explicava a diferença entre sexo biológico, orientação sexual e identidade de gênero.
“Não há um elo imediato e inescapável entre os cromossomos, o órgão genital, o aparelho reprodutor, os hormônios, enfim o corpo biológico em sua totalidade, e o sentimento que a pessoa possui de ser homem ou mulher”, informava o texto.
Após explicar a diferença entre os três conceitos, afirmava: “Nesse sentido, podemos dizer que ninguém ‘nasce homem ou mulher’, mas que nos tornamos o que somos ao longo da vida, em razão da constante interação com o meio social.”
A Secretaria da Educação inicialmente justificou a retirada do material sob o argumento de que o conteúdo não estava previsto na Base Nacional Comum Curricular.
A base, porém, prevê que, no 8º ano, o aluno saiba “selecionar argumentos que evidenciem as múltiplas dimensões da sexualidade humana (biológica, sociocultural, afetiva e ética)”. Formulação semelhante está prevista no currículo paulista.
A presença desses dispositivos nas normas educacionais é citada na ação, que pede a concessão de uma medida liminar para devolver as apostilas aos alunos e impedir que sejam destruídas ou avariadas.
Os autores da ação classificaram a ordem do governador de censura. “Não cabe ao governador produzir o currículo com base em sua própria ideologia, essa é uma tarefa que a lei atribui aos profissionais da educação, seguindo as diretrizes curriculares aprovadas nas instâncias competentes”, diz Salomão Ximenes, especialista em legislação educacional e professor da UFABC (Universidade Federal do ABC).
Além dele, assinam o pedido à Justiça Ana Paula de Oliveira Corti e Leonardo Crochik, professores do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP); Carmen Sylvia Vidigal Moraes e Romualdo Portela, professores da Faculdade de Educação da USP; Débora Cristina Goulart, professora da Unifesp (federal de São Paulo); e Maria Carla Corrochano, professora da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos).
A ação foi movida com apoio do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos.
O recolhimento das apostilas é investigado pelo Ministério Público de São Paulo, que abriu inquérito civil sobre o caso na semana passada.
Na sexta-feira (6), a Secretaria da Educação publicou no Diário Oficial portaria que institui comissão para avaliar as apostilas da rede estadual. O material confiscado dos alunos do 8º ano continha conteúdo de oito disciplinas. Sem ele, professores relatam que tiveram que refazer seu planejamento didático.
Educadores relataram à reportagem que o recolhimento foi feito às pressas, sem explicação prévia. “As inspetoras passaram na sala e mandaram os alunos jogarem o material em um saco preto de lixo”, contou Douglas Nascimento, que leciona inglês em um colégio estadual de Sorocaba.
Na semana passada, a secretaria afirmou que os alunos continuam com livros do Programa Nacional do Livro Didático e que “respeita a diversidade da experiência humana” e das opiniões na sociedade, mas que a forma como o conceito de identidade de gênero foi tratado no material “revela uma abordagem ideológica do assunto, quando afirma que ‘ninguém nasce homem nem mulher'”.
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