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Sob pandemia, Europa fecha fronteiras e rediscute união

Em vez de "todos por um", o bloco europeu criado em 1951 para potencializar recursos aderiu ao "cada um por si", e a Europa saiu do mês de março completamente diferente do que entrou


Por Folhapress Publicado 01/04/2020

Todos se dizem amigos durante o tempo bom, mas, quando a tempestade veio, alguns se recusaram a dividir o guarda-chuva.

Foi assim que a chefe do Poder Executivo da União Europeia, Ursula von der Leyen, descreveu o impacto da pandemia de coronavírus no continente, em discurso na semana passada.

Em vez de “todos por um”, o bloco europeu criado em 1951 para potencializar recursos aderiu ao “cada um por si”, e a Europa saiu do mês de março completamente diferente do que entrou.

No final de fevereiro, quando o norte da Itália soou o alarme e fechou 11 cidades da região da Lombardia, a reação dos vizinhos foi coordenada. Reunidas, França, Alemanha, Áustria, Suíça, Eslovênia e Croácia descartaram fechar fronteiras.

Evitavam esburacar o espaço Schengen, território de 26 países em que o trânsito de cidadãos é livre. Passaportes tiveram que sair da gaveta no começo de março, porém.

No dia 9, a Itália decretou quarentena para combater uma crise sanitária já fora de controle, e um a um, países foram fechando suas portas –primeiro aos italianos, depois aos espanhóis, aos não europeus, aos não residentes e finalmente, em alguns casos, a qualquer estrangeiro.

Governos como os da Polônia e da Hungria barraram a passagem até de médicos, enfermeiros e motoristas de caminhão. Com o abastecimento de comida e remédios em risco, a Comissão Europeia mandou abrir à força uma “linha verde” para o transporte de carga –nesta terça (31), anunciou que congestionamentos de 30 km se reduziram a 3 km.

Mas não havia o que comemorar quando o espaço Schengen completou 25 anos, na última quinta-feira (26): todos os países signatários do acordo tinham restrições à entrada, alguns involuntariamente, como Liechtenstein, emparedado entre a Suíça e a Áustria, e Luxemburgo (onde fica a cidade de Schengen), ilhado por Bélgica, França e Alemanha.

E a desunião europeia não parou nas fronteiras. Chegou também ao mercado comum, com governos proibindo a exportação de material médico e impulsionando a proteção a produtos nacionais.

Na França, o ministro das Finanças, Bruno Le Maire, e o da Agricultura, Didier Guillaume, pediram ao país “um gesto de patriotismo alimentar”: “Comprem alimentos franceses”. Em resposta, a rede Carrefour anunciou que só colocaria nas gôndolas frutas e legumes estrangeiros se não houvesse alternativa nacional.

Na segunda-feira (30), foi a vez de liberdade política e de imprensa apresentarem sintomas preocupantes. O presidente da Hungria, Viktor Orbán, obteve poder para governar por decreto por tempo indeterminado, contrariando posicionamento da Comissão Europeia.

O bloco convocou uma reunião para analisar medidas de emergência, nesta quarta-feira (1º), mas evitar uma guinada nacionalista passa também por cuidados intensivos com os danos econômicos da crise.

Um debate sobre como financiar a recuperação dos países europeus azedou na última quinta-feira, após seis horas de reunião entre líderes dos 27 membros da União Europeia. A questão foi polarizada por dois grupos: os Nove e os 4 Frugais.
O primeiro (formado por Bélgica, França, Grécia, Irlanda, Luxemburgo, Portugal, Eslovênia, Espanha e Itália, que lidera o grupo) argumenta que esta é uma crise diferente da financeira, atravessada em 2010-2012, ou da de imigração, em 2015-2016, porque atinge a todos os países igualmente.

É o que chamam de uma “emergência horizontal”, pela qual ninguém é mais ou menos responsável.

Para enfrentar um tombo que será feio –previsões recentes falam em recessão de 4,5% em 2020–, defendem uma emissão conjunta de dívida (títulos já batizados de “coronabonds”), que daria a todos as mesmas condições de acesso ao mercado.

A proposta é rejeitada pelos Frugais (Holanda, Áustria, Dinamarca e Suécia, com apoio de Alemanha e Finlândia), posição criticada abertamente por governantes e veladamente pela UE, em comentários sobre “falta de solidariedade”.

Por trás da questão econômica, está o risco político de fornecer combustível para a retórica nacionalista e populista, cada vez mais estridente no continente.

“Se não concordarmos agora com uma resposta poderosa e eficaz para a crise econômica, seu impacto será mais devastador, seus efeitos mais duradouros, e isso colocará em risco todo o projeto europeu”, disse o primeiro-ministro Pedro Sánchez em comunicado na TV neste final de semana.

O diretor de Programas do Centro de Estratégias Liberais, Daniel Smilov, concorda. “A Europa precisa encontrar uma resposta que pareça justa a seus cidadãos. Se egoísmo nacional vencer, será um desastre”, escreveu o professor da Universidade de Sofia.

A um plenário do Parlamento Europeu vazio, com eurodeputados em trabalho remoto, a presidente da Comissão Europeia avisou: “As pessoas se perguntam se terão um emprego para voltar, o que será de sua empresa, de sua poupança ou sua dívida. Sabem que é preciso tomar decisões duras. Mas vão se lembrar de quem as apoiou e quem se omitiu”.

O cerne da questão, para Von der Leyen, é que haverá um amanhã, e ele depende das decisões tomadas agora.

“No futuro, quando olharmos para trás, espero que tenhamos construído um bom caminho”, disse Eric Mamer, porta-voz da Comissão Europeia, ao encerrar mais uma entrevista coletiva remota sobre a crise do coronavírus com a leitura de “Caminante no Hay Camino”, do poeta espanhol Antonio Machado (1875-1939).

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