Solução para abusos na Igreja é o fim do celibato, defende escritor francês
Pesquisador e jornalista francês, Martel é autor de "No Armário do Vaticano", lançado durante a Flip 2019 pela Companhia das Letras, e para o qual entrevistou 1500 religiosos
Em constante atualização desde a sua criação, a sigla LGBT (hoje LGBTQ+, aliás) está à beira de mais uma modificação, no que depender do escritor francês Frédéric Martel. Na abreviação para lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros, cabe também, agora, mais uma letra no final – “P”, para padres.
Pesquisador e jornalista francês, Martel é autor de “No Armário do Vaticano”, lançado durante a Flip 2019 pela Companhia das Letras, e para o qual entrevistou 1500 religiosos. Ele participou do debate “A Igreja de Francisco e a Biologia de Darwin” na Casa Folha nesta quinta-feira (11), ao lado do jornalista Reinaldo José Lopes, blogueiro da Folha de S.Paulo e coautor de “Darwin sem Frescuras” (Harper Collins).
“Eu não defendo a homossexualidade a partir dos animais, mas a partir dos padres. Tem várias espécies: tem os padres, os bispos, os monsenhores. Quanto mais a gente sobe de instância, mais a gente vê essa tendência acirrada”, declarou Martel no debate.
Ele, que diz acreditar mais na poesia do que na religião –”os poemas de Rimbaud são mais verdadeiros que a Bíblia” – falou ao longo de toda a conversa sempre em tom leve e divertido, mas deixou claro que, em seu livro e em suas pesquisas, o que impera é a seriedade.
“Estou brincando apenas porque estou aqui em Paraty pela primeira vez. No livro, que é muito sério, falamos de dezenas de milhares de crianças que foram violentadas por padres, e isso não é brincadeira.
Trata-se de uma cultura do sistema na qual a homofobia não desempenha papel nenhum. Ao contrário: é porque essa homossexualidade não é assumida, porque a Igreja Católica não viveu a liberação sexual e está 50 anos atrasada, que existe um sistema de acobertamento dos abusos sexuais”, define.
Para Martel, a solução não estaria na proibição da homossexualidade, como alguns religiosos propõem, mas, sim, no fim do celibato. “Enquanto persistir esse conceito, que não é verdadeiro, não haverá solução para os abusos sexuais”, sentencia.
Questionado por Reinaldo José Lopes se não teria sido leviano ao usar apenas uma causa para explicar uma realidade complexa, o francês respondeu que, em seu livro, aborda “centenas de causas”. “É um livro de 500 páginas. Há uma série de questões de fato, como o clericalismo e a obediência. Muitos não leram e criticaram a obra mesmo assim”, argumentou Martel.
Ao conversarem sobre o Papa Francisco, ambos escritores adotaram tons ponderados. Na visão de Lopes, é “difícil classificá-lo com um rótulo simples”. Embora seja inclusivo e busque soluções para problemas como a pobreza, o jornalista entende que há limitações grandes. “Ele tem uma margem de manobra muito pequena. A resistência interna é muito forte, e ele teve que recuar”.
Martel, a princípio, diz que não gosta do papa. “É um jesuíta. Além disso, é argentino, peronista, e tem 82 anos. Então, a princípio eu já não esperaria nada”, comentou. “Mas pouco a pouco comecei a gostar dele, porque comecei a entender o pano de fundo dessa equação em que ele se meteu. Existem cardeais que querem que ele renuncie. Pela primeira vez, há uma guerra civil contra um papa”.
Como resumo, o francês diz que Francisco “é melhor que nada, e melhor do que todos os outros que vieram antes dele”. E, a respeito do futuro da religião, Martel é taxativo. “Na Europa, a religião está morta.
A laicidade acabou dominando o terreno, e a religião se tornou algo minoritário. Há, na França, 800 padres que morrem todo ano, e 60 que são ordenados, o que significa que, daqui a 10 anos, não haverá mais padres por lá”.
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