Polícia prende três homens pela morte de congolês no Rio
Mandados cumpridos são de prisão temporária por homicídio duplamente qualificado, segundo a Delegacia de Homicídios
A Polícia Civil prendeu ao menos três homens suspeitos de envolvimento na morte do congolês Moïse Mugenyi Kabagambe, 24. A câmera de um quiosque na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio de Janeiro, filmou o estrangeiro sendo espancado e morto no último dia 24.
Um deles, identificado como Fábio, foi detido na noite desta terça-feira (1º) na casa de parentes no bairro de Paciência, também na zona oeste. Ele é vendedor de caipirinhas na praia e confessou aos agentes que deu pauladas no jovem, segundo a polícia.
Outro homem, que é funcionário do quiosque vizinho e não teve o nome divulgado, havia se apresentado na 34ª delegacia (Bangu) pela manhã junto da família. O terceiro suspeito também não teve sua identidade divulgada pela polícia.
Os mandados cumpridos são de prisão temporária por homicídio duplamente qualificado, segundo o delegado Henrique Damasceno, titular da Delegacia de Homicídios da Capital. Também foram realizadas oitivas com os suspeitos.
Em entrevista à imprensa, Damasceno afirmou que as três pessoas presas não trabalham no quiosque Tropicália. Ele disse, ainda, que o dono do estabelecimento auxiliou nas investigações, foi solícito, forneceu as imagens do crime e auxiliou na identificação dos autores.
A polícia encontrou um porrete, indicado por uma das pessoas que colaborou com a investigação, em um terreno baldio próximo ao local.
A família de Moïse diz que ele foi espancado até a morte por ter cobrado diárias que estavam atrasadas. Segundo os parentes, o congolês trabalhava no quiosque, na altura do posto 8, onde teria sofrido agressões presenciadas por cerca de cinco homens, incluindo um que naquele momento atuava como gerente.
“Mesmo depois de morto, os caras continuaram batendo nele. Largaram o corpo perto do quiosque mesmo, amarraram as mãos dele, colocaram elas para trás. Moïse morreu, mas continuaram torturando ele”, contou Mamanu Idumba Edou, 49, tio do jovem.
Segundo Edou, os agressores ameaçaram um colega de Moïse que estava no local, dizendo que ele morreria caso falasse alguma coisa. Depois de fugir, o homem chegou em casa e avisou que Moïse estava morto na praia. “Nós estamos apavorados com o que aconteceu. É muito triste. É muita covardia. A gente sabe que não terá o Moïse de volta, mas a gente quer justiça.”
Os advogados do dono do quiosque afirmam que ele não tem qualquer relação com o assassinato e dizem que ele estava em casa no momento das agressões. Eles negam que o motivo da briga tenha sido a cobrança de diárias de serviço ao quiosque, como sustenta a família da vítima.
“Não existe dívida alguma”, declarou o advogado Darlan Santos de Almeida à imprensa na porta da 16ª delegacia, argumentando que outros depoimentos colhidos pela polícia corroboram isso. Ele se negou a citar o nome do cliente, dizendo que ele está sofrendo ameaças.
Um segundo advogado, Euclides de Barros, afirmou que Moïse tinha uma relação mais próxima com as barracas da praia. Eles sugeriram ainda que o congolês também já trabalhou em outro quiosque ao lado e que, portanto, a dívida alegada pela família poderia ser de lá.
“O dono do quiosque não tem nenhuma responsabilidade sobre isso, estava em casa no momento. Ele sai do quiosque por volta de 20h30 e deixa apenas um funcionário que aparece nos vídeos sendo perseguido pela vítima [de camisa listrada]”, acrescentou.
As imagens mostram que a briga começa às 22h25 do dia 24, uma segunda-feira. Moïse parece discutir com o funcionário de camisa listrada verde e preta, que pega um pedaço de pau enquanto é “seguido” pelo jovem em círculos dentro do quiosque. Moïse então apanha uma cadeira e depois um rodo.
Em seguida ele deixa os objetos no chão, faz um movimento com as mãos para cima e continua falando, aparentando estar alterado. Tira a camiseta e abre o refrigerador, quando um outro homem surge de fora do quiosque, o derruba e começa a espancá-lo.
Além do dono, os advogados representam o funcionário do quiosque, que também foi ouvido como testemunha nesta terça e não teve seu nome divulgado. Os depoimentos, que aconteceriam na Delegacia de Homicídios, foram transferidos para a 16ª DP com o intuito de evitar a imprensa.
“Quando vocês tiverem acesso às imagens na íntegra vão ver que a vítima estava bebendo acompanhada de outra pessoa. Em certo momento, aparentemente embriagada -eu não posso afirmar que estava-, tenta pegar mais cerveja no freezer e o funcionário não deixa. Tanto é que ele tenta impedir fechando a porta do freezer e ela insiste”, afirmou Almeida.
A defesa disse ainda que os outros cinco homens que aparecem no vídeo batendo ou presenciando as agressões sem intervir não têm vínculo algum com o quiosque. E que o único funcionário, idoso, não chamou a polícia porque estava sem celular: “Tanto que quem avisa o dono do quiosque é outra pessoa que trabalhava na praia”, alegou Almeida.
A defesa se solidarizou com a família de Moïse, disse que foi um “crime bárbaro” e acrescentou que a dinâmica dos fatos será esclarecida pela Polícia Civil, que ouviu ao menos oito pessoas até agora e analisa as filmagens.
MORTE DE CONGOLÊS CHEGA A ÓRGÃO DA ONU CONTRA DISCRIMINAÇÃO RACIAL
A Coalizão Negra por Direitos enviará nesta quarta-feira (2) uma denúncia ao Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial da ONU (Organização das Nações Unidas) pedindo providências sobre a morte do congolês Moïse Mugenyi Kabagambe, no Rio de Janeiro. Serão apontados os possíveis crimes de racismo e de xenofobia.
A articulação, que reúne mais de 200 entidades, coletivos e organizações do movimento negro, abordou o caso nesta terça-feira (1º) durante uma reunião com o Subcomitê da ONU para a Prevenção da Tortura.
Douglas Belchior, um dos coordenadores da coalizão, defende que o caso ganhe repercussão mundial, como forma de denunciar a violência e pressionar as autoridades a darem respostas.
Em outra frente, a entidade organiza, ao lado de outros grupos, manifestações de rua em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo nos próximos dias.
“Ou a ONU se posiciona, ou será conivente e cúmplice. O mundo precisa saber que o Brasil é um país racista onde, em pleno 2022, é possível que se amarre pelas mãos e pés uma pessoa negra, espanque e mate a pauladas”, afirma Belchior à coluna Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo.
“Há indícios de que milicianos tenham sido responsáveis pelo assassinato brutal de Moïse. A mesma milícia que assassinou Marielle Franco. A mesma milícia que ocupa o poder central do país e gesta a política do genocídio negro brasileiro”, segue.
Moïse foi encontrado morto próximo a um quiosque na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio de Janeiro, no último dia 24. Sua família diz que ele trabalhava no local e foi espancado até a morte por cinco homens depois de cobrar salários atrasados.
O congolês chegou ao Brasil com 11 anos na condição de refugiado político e morava em Madureira, na zona norte do Rio. Em nota, a comunidade congolesa no Brasil classificou a morte dele como uma manifestação de racismo e xenofobia.
“Por isso, exigimos a justiça para Moïse e que os autores do crime junto ao dono do estabelecimento respondam pelo crime! Combater com firmeza e vencer o racismo, a xenofobia, é uma condição para que o Brasil se torne uma nação justa e democrática “, diz o documento.
Um homem que diz ter participado das agressões se apresentou à polícia do Rio de Janeiro nesta terça-feira (1º). O suposto agressor, que é funcionário do quiosque vizinho ao que Moïse foi encontrado e não teve o nome divulgado, foi até a 34ª delegacia pela manhã junto da família para contar sua versão do que ocorreu.
Ao menos oito pessoas foram ouvidas pela Delegacia de Homicídios, incluindo cinco funcionários dos quiosques.
Pela manhã, movimentos negros fizeram um ato em frente à DH pedindo por Justiça. Eles também organizam uma manifestação no próximo sábado (5) com a família de Moïse em frente ao quiosque Tropicália, onde o congolês foi morto.
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