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Derrotado pelo Flamengo, Liverpool chegou bêbado ao Mundial de 1981

Após apenas 45 minutos, o placar marcava 3 a 0 para o Flamengo no início da tarde na capital japonesa, em 13 de dezembro de 1981


Por Folhapress Publicado 12/12/2019
Reprodução

O técnico Bob Paisley entrou constrangido no vestiário do Estádio Nacional de Tóquio. Pediu desculpa aos jogadores do Liverpool e disse ter errado na preparação para o jogo. Estava preocupado com a imagem deixada aos patrocinadores do clube que foram assistir ao campeão europeu e viram “um time de pub”, na definição do treinador.

Após apenas 45 minutos, o placar marcava 3 a 0 para o Flamengo no início da tarde na capital japonesa, em 13 de dezembro de 1981.

Dois anos antes, os ingleses, então bicampeões europeus, haviam se tornado o primeiro clube do país a ter uma marca de empresa estampada no uniforme. O embaraço de Paisley era consequência da atuação ruim e da derrota elástica justamente na cidade-sede da Hitachi, gigante japonesa de eletrônicos que patrocinava o time.

Nunes, duas vezes, e Adílio marcaram os gols que consagraram o Flamengo de Zico campeão mundial em jogo único. Trinta e oito anos depois, com o torneio em outro formato, chancelado pela Fifa, as equipes podem se reencontrar na decisão do próximo dia 21, em Doha, no Qatar, caso passem pelas semifinais.

O pedido de desculpas de Paisley foi relatado à Folha por atletas do Liverpool que estiveram na final de 1981. Morto em 1996, aos 77 anos, o técnico é o mais vencedor da história do clube, com 20 títulos em nove temporadas, entre 1974 e 1983.

A lenda de Anfield também ostenta a marca de ser um dos únicos três treinadores a conquistarem o tri da Copa da Europa, que deu origem à Champions League. Carlo Ancelotti e Zinedine Zidane se juntaram ao inglês posteriormente.

Para comemorar o que seria o centenário de vida do treinador no último mês de janeiro, o Liverpool veste na campanha atual um uniforme inspirado no último ano de Paisley no comando do clube. Além das listras brancas verticais sobre o tradicional vermelho do time, o uniforme tem uma assinatura do ídolo na parte interna da camisa. Eternizado na gloriosa história do Liverpool, Paisley não estava imune a falhas.

“Nossa preparação para o jogo foi muito ruim”, relembra Phil Thompson, capitão daquele Liverpool. “O clima que existia entre nós era de amistoso, e não imaginávamos que o Flamengo levaria a partida tão a sério. Éramos, de longe, o melhor time da Europa.”

Entre 1977 e 1981, a equipe se tornou tricampeã continental. No cenário doméstico, levantou seis ligas sob o comando de Paisley.

Da equipe titular que enfrentou o Flamengo, seis estariam na Copa do Mundo do ano seguinte com as suas respectivas seleções -três ingleses e três escoceses.

A partida contra os brasileiros e, principalmente, a viagem para o Japão eram vistos como inconvenientes para o calendário do clube, que tinha como prioridade as conquistas do Campeonato Inglês e a Copa da Europa. “Antes do jogo, Paisley disse: ‘vamos ao Japão, fazemos o que marcaram para nós e voltamos para Liverpool o mais rapidamente possível'”, lembra Thompson, que vestiu a camisa do Liverpool em 477 partidas e foi campeão 22 vezes (sete ligas e três Copas da Europa).

No voo, o ambiente era de férias, com direito a bebidas alcoólicas. “A viagem foi uma piada”, conta o ex-atacante David Johnson. “Hoje, para fazer o mesmo trajeto você viaja praticamente em um hotel móvel. Quando fomos, ficamos sentados por 24 horas. E o que te resta fazer nessas circunstâncias? Beber muita cerveja e jogar baralho durante todo o trajeto.”

O clima de descompromisso permaneceu após o desembarque no Japão. Com dificuldade para dormir devido ao fuso horário de nove horas, os jogadores ingleses se divertiram e não descansaram. Nos arranha-céus de Tóquio, foram jogar golfe.

Durante a derrota, o técnico fez apenas uma substituição no time. Terry McDermott deixou o campo no início do segundo tempo, substituído por Johnson.

McDermott diz ter chegado ao Japão sem muito conhecimento do adversário. “Nós não subestimamos o ‘Flamenco'”, diz, trocando o “g” pelo “c”, “até porque não sabíamos muito sobre eles. Eu nunca tinha ouvido falar do nosso rival, só conhecia o Santos. O nosso principal cuidado era não ter ninguém machucado.”

Se havia pouca informação antes da final, os ingleses nunca mais esqueceram alguns dos aprendizados sobre os cariocas no Japão. “Só conhecíamos um fato sobre o Flamengo: Zico. Ele tinha muita técnica e ótima qualidade nas cobranças de falta. Mas não sabíamos quase nada sobre os outros jogadores”, afirma Phil Thompson. “Depois de 90 minutos, eu aprendi ainda mais sobre o Zico, mas também soube quem era o Nunes. Ele foi impressionante.”

Maior artilheiro da história do Liverpool, com 346 gols em 660 apresentações, Ian Rush foi preservado do confronto com os brasileiros. “Eu até poderia ter jogado, mas o Bob Paisley não queria que eu me desgastasse na viagem até o Japão. Eu disse que já estava recuperado e pronto depois de uma lesão, mas ele queria que eu focasse na rodada seguinte do Inglês”, diz Rush.

Na época da final, o Liverpool estava na 12ª colocação do Inglês. Na segunda metade da temporada, se recuperou e conquistou o título. Levou também a taça da Copa da Liga. “O grupo estava muito mais interessado em voltar para a Inglaterra e jogar os torneios locais, então o resultado contra o Flamengo pouco importava para nós”, diz Rush.

Para os flamenguistas, no entanto, o triunfo é considerado por muitos a maior conquista do clube. Foi, na época, o primeiro Mundial de um time brasileiro desde o Santos de Pelé, vencedor na década de 1960. O título virou cântico, hit dos rubro-negros nas arquibancadas durante a conquista da Libertadores de 2019. Uma adaptação com a melodia da música “Primeiros erros”, de Kiko Zambianchi, exalta a vitória contra os ingleses.

Os versos “em dezembro de 81/ Botou os ingleses na roda/ 3 a 0 no Liverpool/ Ficou marcado na história” foram recebidos de maneira simpática pelos ex-jogadores do Liverpool.

Thompson reagiu com uma risada cordial ao ser informado sobre a letra da música. “Os primeiros 20 minutos não foram um passeio, mas depois a vitória foi totalmente merecida”. “Não encaramos o jogo do jeito que deveríamos e foi isso que aconteceu mesmo”, acrescenta McDermott. “É, eu só lembro de Zico-Nunes-gol”, brinca Johnson.

FICHA TÉCNICA:

Local: Estádio Nacional, em Tóquio (JAP)
Árbitro: Rúbio Vazques – México
Público: 62.000 pessoas
Gols: Nunes 13’/1ºT, Adílio 34’/1ºT e Nunes 41’/1ºT.

FLAMENGO: Raul; Leandro, Marinho, Mozer e Júnior; Andrade, Adílio e Zico; Tita, Nunes e Lico. Técnico: Paulo César Carpegiani.

LIVERPOOL: Grobbelaar; Phil Neal, Phil Thompson, Alan Hansen e Mark Lawrenson; Sammy Lee, Graeme Souness, Terry McDermott (Johnson 6’/2ºT) e Ray Kennedy; Kenny Dalglish e Craig Johnson. Técnico: Bob Paisley.

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