Processos na Justiça contra planos de saúde batem recorde em SP
Entre as principais causas dos processos estão a cobertura de tratamentos e procedimentos e os reajustes nas mensalidades
As decisões judiciais sobre planos de saúde bateram recorde em São Paulo no último ano. Se em 2011 o TJ-SP (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo) julgou 4.793 ações, em 2021 esse total chegou a 16.286, segundo estudo realizado na Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo). Apenas de janeiro a abril deste ano, foram 4.550 casos, metade deles na capital.
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“O estado de São Paulo é um bom termômetro porque 40% das pessoas têm plano de saúde e esse número sobe para 50% na capital, então as ações aqui acabam servindo de sentinela. Elas são a ponta do iceberg, mas nos permitem compreender os problemas que os usuários estão enfrentando, as lacunas na regulamentação”, diz o professor Mário Scheffer, coordenador da pesquisa.
Foram analisados somente processos com decisão em segunda instância. “É uma decisão mais definitiva, então podemos cravar um pouco o comportamento do Judiciário”, afirma Scheffer.
No estudo, além de observarem o fluxo nos últimos anos, os pesquisadores fazem um recorte dos motivos, resultados e principais argumentos utilizados pelas operadoras de planos de saúde nas ações ajuizadas na Comarca de São Paulo em 2018 e 2019.
Entre as principais causas dos processos estão a cobertura de tratamentos e procedimentos e os reajustes nas mensalidades. Entre as demandas negadas está a terapia ABA (análise do comportamento aplicada) para crianças com autismo (187 ações).
“O ABA sempre foi negado por não estar no rol da ANS [Agência Nacional de Saúde]. Aí ingressávamos judicialmente porque o entendimento do Judiciário era que o rol era exemplificativo. Se tinha orientação médica e evidência para isso, então o plano deveria cobrir”, afirma a advogada Vanessa Ziotti, diretora jurídica do Instituto Lagarta Vira Pupa e mãe de trigêmeos com TEA (Transtorno do Espectro Autista).
Ziotti diz que, após o início da tramitação do projeto de lei aprovado na última segunda (29) no Senado e mesmo com a publicação de uma resolução da ANS que prevê o tratamento ABA, os planos continuam negando essa opção. Para ela, falta fiscalização.
“Não ganhamos nenhum direito novo com o PL 2033/22. Ele não diz que amanhã você vai procurar a operadora e conseguir um tratamento que nunca foi experimentado. Apenas retornamos ao que havia antes da decisão do STJ [Superior Tribunal de Justiça]”.
A advogada relata que, horas após a decisão, crianças que necessitam de tratamentos como fisioterapia intensiva e home care para redução do tempo vivido em hospital perderam essa cobertura.
“Também notamos um movimento do próprio Judiciário para incorporar a decisão do STJ nas decisões proferidas em liminares, já exigindo a série de requisitos cumulativa para conceder a cobertura.”
Scheffer não observou essa movimentação durante o debate sobre o caráter do rol. Segundo avaliação inicial do grupo de pesquisa, o que ocorreu foi uma maior preocupação dos juízes em fundamentar as decisões.
“Não houve tempo de haver uma inversão da jurisprudência”, avalia o professor, ressaltando que as sentenças são majoritariamente favoráveis aos usuários (81,2% versus 18,8% considerando os dados de 2018 e 2019).
Os dois, contudo, concordam que o projeto de lei aprovado é necessário. “A aprovação no Senado foi uma decisão acertada. O texto diz que só o que tem evidência, o que foi recomendado por comissão ou órgão de incorporação de tecnologia pode ser aceito, está bem definido”, argumenta o professor.
O projeto de lei afirma que a operadora deve oferecer tratamento desde que “exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico” ou que “existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, um órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais”.
Eles também avaliam que o debate suscitado sobre o rol de procedimentos é positivo e deve continuar na audiência pública convocada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso para os dias 26 e 27 de setembro.
“Um dos argumentos que devem ser explicados pelas operadoras de saúde é a alegação de que sem o rol taxativo elas vão quebrar. Não é bem assim. Os planos de saúde continuam crescendo, nunca houve tantas fusões e aquisições no setor, o faturamento está preservado”, comenta Scheffer.
Ziotti complementa afirmando que os aumentos dos planos de saúde –em maio, a ANS autorizou reajuste anual de 15,5% para planos individuais e familiares– permitem às operadoras arcar com os procedimentos fora do rol.
“Haverá pressão das operadoras para que o presidente vete. O lobby e o financiamento eleitoral sempre têm um peso nas decisões, mas a tramitação na Câmara e no Senado mostrou um caminho inverso. Foi uma tramitação bem rápida e uma vitória que precisa ser creditada ao movimento de mães e pais de pacientes”, finaliza o professor.
Na avaliação do presidente da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), Renato Freire Casarotti, causa preocupação no projeto a inclusão de que “basta comprovação de eficácia por evidência científica” para a cobertura do que é considerado exceção.
“Não somos frontalmente contrários às exceções, mas os critérios ficaram muito abertos”. Segundo ele, a entidade analisa se levará à discussão ao STF. “Vamos avaliar as alternativas à disposição como qualquer um no estado democrático de direito avalia. Não desconsideramos essa possibilidade”.
Procurada, a ANS afirmou ter se posicionado contra o projeto aprovado no Senado, pois, a seu ver, a garantia de coberturas não previstas no rol deixa de levar em consideração critérios avaliados durante o processo de incorporação de tecnologias em saúde. Entre eles, a agência cita segurança, eficácia, acurácia, efetividade, custo-efetividade e impacto orçamentário.
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