Brasil pode ter ao menos 292 bicheiros e 33 cassinos após aprovação da lei dos jogos
Pela regra, serão três cassinos em estados com mais de 25 milhões de habitantes, o que faz apenas São Paulo ter a possibilidade desse número de casas de jogos
O projeto de lei sobre regras para jogos de azar aprovado pela Câmara dos Deputados cria as condições para que ao menos 292 bicheiros, 33 cassinos e 1.420 bingos sejam licenciados e passem a operar no Brasil.
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Em todos os casos, a definição da quantidade de licenças de operação a serem disponibilizadas tem como principal elemento a população do estado ou municípios onde as casas de jogo serão instaladas.
O número de cassinos, entretanto, poderá aumentar mais por causa da liberação de navios com a estrutura para jogos e instalação em hotéis. O texto ainda será analisado pelo Senado e para virar lei depende de sanção do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Pela regra aprovada nesta quinta-feira (24), serão três cassinos em estados com mais de 25 milhões de habitantes, o que faz apenas São Paulo ter a possibilidade desse número de casas de jogos.
Para os estados com mais de 15 milhões e até 25 milhões, Rio de Janeiro e Minas Gerais, haverá licença para dois e, nos outros estados e Distrito Federal, com população de até 15 milhões, será concedida uma licença.
A regra só não vale para Pará e Amazonas, que terão uma licença a mais do que a única que poderiam por que a regra decidiu levar em conta a extensão territorial dos estados e não só a população.
No caso dos bingos, a regra prevê um estabelecimento a cada 150 mil habitantes. A capital de São Paulo, por exemplo, poderia ter 82 estabelecimentos licenciados e, no Rio de Janeiro, seriam outros 45.
Tanto os cassinos como os bingos já foram legalizados no Brasil. A atuação dos cassinos foi proibida em 1946 pelo presidente Eurico Gaspar Dutra e resultou no fechamento de conhecidas casas de jogos como a do Hotel Copacana Palace, no Rio, o Palace na cidade mineira de Poços de Caldas e o cassino de Petrópolis.
Os bingos tiveram a operação encerrada em 2004 por meio de uma medida provisória do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O jogo do bicho é a única modalidade cuja liberação foi aprovada pela Câmara que já existe atualmente no Brasil, mas que ao contrário das outras duas nunca foi legalizada.
Classificado como uma contravenção, a jogatina que se vale do sorteio de dezenas, centenas e milhares relacionadas a 25 animais tem sua origem no final do século 19 e foi criada pelo barão João Batista Viana Drummond, no Rio de Janeiro.
Com o passar do tempo, o modelo de aposta se espalhou por todo o país, embora tenha no Rio de Janeiro seus operadores mais conhecidos.
Somente no estado, com base nas regras aprovadas, serão disponibilizadas 24 licenças para operadoras do jogo, atualmente conhecidos como bicheiros.
No Rio de Janeiro, a operação do jogo ganhou projeção nacional por ter em seus territórios os maiores banqueiros do bicho conhecidos: Castor de Andrade, Capitão Guimarães, Aniz Abrahão David, Antônio Kalil, o Turcão, entre outros.
Para Michel Misse, sociólogo e professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro, dificulta a legalização o fato de o jogo do bicho já existir, não possuir um local fixo, mas sim apontadores que coletam apostas em centenas de pontos espalhados nas cidades e, ao menos no Rio de Janeiro, ser dominado por grandes operadores que hoje também estão ligados a outras práticas criminosas.
“É muito mais inteligente legalizar para controlar, do que deixar clandestino. Essa é minha posição. Mas em relação ao jogo de bicho, é um caso a parte, diferente do bingo e do cassino. Ele não tem sede, você tem os pontos de apostas, mas o que está por trás não se vê”, explica Misse.
Segundo o professor, a fiscalização teria de ser muito efetiva em um cenário, ele cita como exemplo o Rio, em que há cooptação de policiais há anos pelo jogo do bicho.
“A polícia sempre se beneficiou muito disso, sem persegui-lo e negociando propinas. O jogo teve papel muito importante na produção de uma polícia corrupta no Rio, de um número grande de policiais corruptos”, explica.
Misse também lembra que os grandes bicheiros já têm uma estrutura montada e em operação e que, atualmente, têm relações com crimes como tráfico de drogas e a milícia. Nesse cenário, argumenta, será um desafio incluir no mercado legalizado os grupos que atuam na clandestinidade.
“Acho que eles [bicheiros] não gostam muito de pagar impostos, então não deve ser uma atividade muito atraente para eles. Eles têm o jogo deles, têm toda estrutura montada, não precisam de legalização para existir. Pode ser que em outros estados seja mais interessante, mas aqui no Rio não sei”, diz.
Hoje, no Rio, segundo Misse, são cerca de dez grandes bicheiros que dominam cada um seus territórios onde operam a jogatina e, também, máquinas caça-níqueis.
O professor lembra que boa parte desses operadores atuais enfrenta disputas por áreas entre si e, também, briga com familiares e antigos aliados por causa da herança deixada pelos grandes banqueiros do bicho da segunda metade do século 20.
Um exemplo é a família de Castor de Andrade, o famoso bicheiro carioca morto em 1997.
Um dia antes de a Câmara votar a liberação do jogo do bicho, o STF (Supremo Tribunal Federal) trancou a ação penal em que Rogério Andrade respondia pelo assassinato de Fernando Iggnácio.
Os dois travavam uma guerra pelos pontos de bicho e máquinas caça-níqueis deixados por Castor. Andrade é sobrinho, e Iggnácio, genro do bicheiro.
Pelo formato proposto no projeto aprovado na Câmara, caberá ao Ministério da Economia criar as condições para a liberação das licenças e fiscalizar a atuação dos operadores de jogos de azar.
Para o advogado Cláudio Timm, a legalização trará mais transparência ao setor de jogos de azar que existe, mas hoje atua fora da lei. “No geral, esses requisitos descritos para as empresas se constituírem como operadoras de jogos de apostas no Brasil tendem a dar mais transparência e segurança para as atividades dessas operadoras, garantindo maior controle pelo órgão supervisor e mais confiabilidade para os apostadores”, afirma.
O também advogado Fellipe Dias defende a regulamentação como forma desincentivar a ilegalidade. “É difícil afirmar como será a prática em todos as unidades da Federação, porque temos um país com muita diversidade de estrutura da própria administração pública, a depender do local, estado e município. Contudo, certamente haverá um desincentivo às práticas ilegais, que sofrerão sanções caso sejam identificadas”, diz.
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