Cerimônias fúnebres têm aspecto psicológico importante para quem fica
O luto é um processo comum a muitas pessoas, mas ainda traz algumas discordâncias
“Sabe quando você não processa mesmo?” É assim que a bancária Giovanna Otoni, 23, descreve os primeiros momentos após a notícia de uma grande perda. A morte de um de seus melhores amigos, que lidava com depressão e uso abusivo de álcool e medicamentos, foi um marco para ela. “Tudo mudou depois que ele se foi.” O luto é um processo comum a muitas pessoas, mas ainda traz algumas discordâncias. A ausência dos atuais jogadores da seleção brasileira no velório de Pelé foi assunto bastante comentado nas primeiras semanas de 2023, dividindo opiniões.
O caso levantou discussões mais gerais sobre o papel de ritos fúnebres e as demonstrações de respeito e sentimentos. Para quem estuda o tema, é difícil definir comportamentos certos e errados. “A gente entra em processo de luto quando existe um vínculo com a pessoa ou com a situação que realmente traz modificações importantes na vida”, explica Maria Júlia Kovács, professora do Instituto de Psicologia da USP e coordenadora do Laboratório de Estudos sobre Morte.
Esse processo psíquico envolve duas questões: lidar com os sentimentos provocados pela perda e readequar o dia a dia diante dessa ausência. “No primeiro dia, nem sabia o que ia acontecer, mas simplesmente não consegui trabalhar”, conta Giovanna. Kovács destaca que o mais importante é que a pessoa tenha um acolhimento e legitimação do seu sofrimento. Dificilmente as atividades diárias serão retomadas com facilidade, e não há um tempo adequado para que isso ocorra. Mas, gradualmente, a pessoa aprende a viver com essa ausência.
A especialista explica que ocorre uma ruptura do vínculo presencial, mas não do vínculo com a pessoa querida. Então não se pode dizer que o luto acaba, o que ocorre é uma adequação à nova situação. Giovanna resume: “Você nunca para de sentir, mas ele vai se ressignificando”. Segundo Kovács, prevaleceu por algum tempo a teoria de que a pessoa teria que passar por certas etapas do luto. “Hoje essa visão está sendo revista. Procura-se ver o que é mais importante para a pessoa nesse momento, de forma que ela possa viver a situação e ao mesmo tempo ter espaço para lidar com os sentimentos”, diz. Não há uma maneira correta de lidar com a perda.
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Para Betryz Aulicino, 25, poder acompanhar os momentos finais da avó e do padrinho fez diferença. “Eu acho que o meu luto acabou sendo diferente de alguma forma, porque pude vivenciar a despedida enquanto estava cuidando deles”, relata. Os dois passaram algumas semanas em condições de saúde terminais. Esse tipo de situação, especialmente se acompanhada de cuidados paliativos, pode adiantar alguns sentimentos de aceitação, pois as pessoas que presenciam começam a processar a perda gradualmente.
Para a publicitária Catharina Correa, 22, a morte súbita do avô foi mais difícil justamente por ser inesperada. Ela lamenta não ter podido conviver mais com ele, e conta que, como viviam em cidades diferentes e “tudo ocorreu muito rápido”, a notícia a abalou de maneira que não imaginava. “Nos dias seguintes, parecia que eu estava perdida”, diz. É nesse momento difícil de processar que costumam estar inclusas as tradições de despedida, alvo principal de muitas das discussões nas redes nas últimas semanas.
Kovács diz que, apesar de representarem homenagens aos mortos, os ritos fúnebres são de grande importância para quem fica. “Têm uma importância psicológica grande porque são eventos que ajudam nessa construção do significado”, explica a especialista. Apesar de muitos ritos terem um elemento cultural importante, Kovács destaca que muitas pessoas também têm seus rituais individuais. “Tem que fazer sentido para o enlutado, ou para aquela família enlutada. Se ele [o ritual] não faz sentido, então ele não tem função”.
Para Catharina, a cerimônia do velório, apesar de íntima, foi importante para sentir o apoio dos familiares. Porém, ela destaca que o mais importante em seu processo foi a missa que a família organizou na segunda semana após a morte, mesmo não sendo religiosa. “Ajudou a dar uma finalização”, explica.
Beatryz também compartilha o sentimento de acolhimento, em relação ao velório da avó. Ela conta que se emocionou ao ver a quantidade de pessoas que compareceram. “Foi bom ver que não era só eu que sentia todo esse amor por ela”, diz. A analista de marketing destaca o papel das cerimônias para processar as ausências. “É uma coisa simbólica, mas ajuda bastante”, afirma. “Teria sido horrível não poder me despedir.”
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