Bolsonaro defende mudar o teto de gastos, mas Guedes e Maia são contra
"Vou ter que cortar a luz de todos os quartéis do Brasil, por exemplo, se nada for feito", afirmou presidente
Apesar de Jair Bolsonaro ser a favor de uma mudança no teto de gastos, a equipe econômica manteve nesta quarta-feira (4) o discurso de que não trabalha para alterar a norma constitucional. Em vez disso, a diretriz no Ministério da Economia é reformar as despesas obrigatórias.
O presidente passou a defender uma mudança na norma por ver nos próximos anos a possibilidade de não haver recursos para o funcionamento do governo. “A tendência é o governo ficar sem recursos para pagar despesas de manutenção da máquina pública”, disse o porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros.
“O governo não irá exigir mais impostos da sociedade para conseguir equilibrar as contas públicas, então é preciso mudar a dinâmica das despesas obrigatórias. Se isso não for feito, a partir de 2021, o teto dos gastos já será um problema”, disse Barros. Segundo ele, a equipe econômica ainda estuda “a melhor forma de solucionar” o problema em parceria com parlamentares.
Pela manhã, Bolsonaro já havia afirmado que o crescimento das obrigatórias pode eliminar as discricionárias (onde estão os investimentos, por exemplo) em dois ou três anos. “Vou ter que cortar a luz de todos os quartéis do Brasil, por exemplo, se nada for feito.”
Criada em 2016, a emenda constitucional do teto de gastos estabelece que as despesas totais da União não podem crescer além da inflação, mesmo que a receita cresça.
A norma visa barrar a expansão da dívida pública. Desde a implementação, o governo se vê obrigado a reduzir as despesas discricionárias pois as obrigatórias continuam subindo.
O próprio Bolsonaro votou a favor da norma em 2016. O porta-voz foi questionado sobre a mudança de posicionamento. “As pessoas evoluem à medida que percebem as modificações da conjuntura.”
Mesmo assim, integrantes do Ministério da Economia afirmaram que a pasta não trabalha para alterar o teto.
O teto é visto pela equipe como um instrumento importante para limitar despesas, inclusive obrigatórias, e, em consequência, o crescimento da dívida pública. Se a norma constitucional é descumprida, ficam automaticamente barrados concursos, contratações e reajustes reais de remunerações. Também seria impedida a criação de medida que aumente a despesa obrigatória acima da inflação.
Em vez de alterar as regras, a estratégia do ministro Paulo Guedes atualmente é reformar as obrigatórias. Isso seria feito de forma estrutural por meio de PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que eliminaria as obrigatórias do Orçamento da União. Esse vai ser um dos principais projetos do ministério no segundo semestre, além da reforma tributária.
Mesmo assim, a equipe econômica vê possibilidades de fazer mudanças mais imediatas para mostrar flexibilização e não ser surpreendida por tentativas de mudanças mais fortes vindas, por exemplo, do Congresso.
Uma delas seria retirar do cálculo do teto alguns tipos de despesa. Está nessa lista, por exemplo, o Censo de 2020 (estimado em R$ 3 bilhões).
Um dos itens mais prejudicados com o aumento das obrigatórias são os investimentos. Em 2020, a rubrica está prevista em R$ 19 bilhões -o menor patamar da história (em 2014, antes da criação do teto, eram R$ 102 bilhões). Para 2021, a equipe econômica estima um cenário ainda mais achatado nas discricionárias.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou discordar do governo sobre a conveniência de alterar o teto de gastos federal.
Segundo o deputado, a visão externada pelo porta-voz da Presidência, de que a alteração no teto é pensada para que não haja aumento de impostos, está equivocada.
Caso o governo queira ampliar o teto de gastos, aí sim terá que aumentar impostos para ter receita suficiente para cobrir o consequente aumento de despesas, disse. Segundo Maia, uma solução seria o governo debater as propostas de desvinculação de gastos federais defendidas por Guedes.
O economista Marcos Mendes, colunista da Folha e que integrou o Ministério da Fazenda de Henrique Meirelles (gestão que implementou o teto), defende que a norma é necessária para manter a dívida pública sob controle.
“Se for tomada a decisão de deixar a despesa crescer acima do teto, haverá a necessidade de aumentar a carga tributária. Do contrário, a dívida pública sairá do controle, com graves consequências sobre o crescimento e a inflação.”
Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI, órgão do Senado), lembra que o teto prevê o acionamento de gatilhos para limitar despesas em caso de descumprimento (como impedir concursos). Isso, em sua visão seria importante para conter despesas como as de pessoal.
“Seria muito ruim flexibilizar ou abandonar o teto neste momento”, diz.
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