Varejistas avisam Bolsonaro de que vão demitir se as lojas não forem reabertas
Atualmente, o comércio emprega 23,5% dos trabalhadores com carteira assinada. São 9,1 milhões de pessoas
Grandes empresas do varejo, um dos setores mais afetados pela onda do coronavírus, têm avisado ao presidente Jair Bolsonaro que vão demitir, em média, até um terço de seus funcionários caso a pressão para reabrir as lojas não surta efeito até meados de abril.
Atualmente, o comércio emprega 23,5% dos trabalhadores com carteira assinada. São 9,1 milhões de pessoas. As principais redes respondem por cerca de 20% desses postos –1,8 milhão de trabalhadores.
As demissões englobariam, portanto, cerca de 600 mil empregados, segundo executivos que participaram das discussões no setor. Para ter uma dimensão da destruição de vagas, em todo o ano passado foram criados 644 mil postos formais de trabalho no país, segundo o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados).
Embora oficialmente admitam estar empenhados em preservar empregos e seguir as recomendações de confinamento definidas pelas autoridades de saúde, empresários têm mantido contato com Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes (Economia) para convencê-los a implementar um modelo similar ao da Coreia do Sul.
O país asiático liberou parte da população para o trabalho depois da realização maciça de testes para garantir que não haveria uma nova fase de contaminação.
Liderados por Flávio Rocha, dono da Riachuelo, e Luiza Trajano, da Magazine Luiza, os grandes comerciantes estão preocupados com os efeitos de um isolamento mais prolongado na cadeia produtiva.
“Uma empresa do porte da nossa tem estrutura de capital e caixa para atravessar este momento sem precisar demitir”, disse à Folha Rocha, dono da Riachuelo.
“Estamos empenhados em seguir as orientações, mas aguardamos uma retomada o mais breve possível.”
Segundo o empresário, sua rede enfrenta uma redução de mais de 90% nas vendas.
“Demitir será o último recurso”, afirmou.
Rocha defende que o país adote o modelo implantado por Andrew Cuomo, no estado americano de Nova York. O governador decidiu fazer testes maciços na população para encerrar o isolamento.
No entanto, os empresários brasileiros a favor da reabertura do comércio, ainda que parcialmente, não apresentaram propostas de como arcar com os custos dos testes para a população.
Não se sabe se o governo federal terá recursos para, ao menos, fazer testes na população economicamente ativa, algo que, para o empresariado, poderia ser mais vantajoso do que arcar com os custos de uma recessão.
Reservadamente, assessores de Bolsonaro afirmam que a pressão do empresariado pelo fim parcial do isolamento cresceu na semana passada depois que Mato Grosso, Rondônia e Santa Catarina decidiram liberar parcialmente o comércio e os serviços. No entanto, muitas decisões foram contestadas por prefeitos, que mantiveram locais fechados.
“Estamos vivendo um pandemônio”, disse Marcelo Silva, presidente do IDV (Instituto para o Desenvolvimento do Varejo), que reúne as grandes cadeias.
“Há locais a que os distribuidores já não conseguem chegar por restrições de circulação, e isso afeta o abastecimento de supermercados e farmácias que estão funcionando.”
O dirigente considera ser necessário “sincronizar as medidas” para evitar exacerbação.
Silva disse que as demissões no setor já começaram entre as pequenas e médias. “Por enquanto, a recomendação do instituto para seus associados é negociar ao máximo antecipação de férias, redução de jornada, e home office para evitar uma recessão.”
O IDV representa os 30 mil maiores lojistas do país e 200 centros de distribuição. Essas empresas empregam cerca de 750 mil funcionários diretamente em todo o país.
Pessoas próximas a Guedes afirmam que essa situação também foi levada a ele pelo empresário Abilio Diniz, fundador do Pão de Açúcar e hoje principal acionista da rede de supermercados Carrefour.
Questionado pela Folha, Abilio disse ter ligado a Guedes para falar sobre economia. “Conversamos sobre a necessidade de colocar muito dinheiro na retomada”, disse.
O setor encaminhou ao ministro uma série de demandas para conseguir sobreviver à crise. “Boa parte foi acolhida pelo governo com a medida provisória que flexibilizou as regras trabalhistas”, disse Silva, do IDV. “Mas o que realmente vai fazer a diferença são as medidas tributárias.”
As redes do varejo pedem postergação de todos os tributos federais e estaduais por quatro meses meses, ressarcindo os cofres públicos em parcelas até o fim deste ano.
“Não adianta o governo injetar liquidez na praça, dando linhas de crédito, tudo mais, e, na outra ponta, continuar com o aspirador de pó gigante dos tributos dragando os recursos. Isso não resolve”, afirmou Rocha.
Apesar do pleito, Guedes resiste à postergação do pagamento de tributos.
Diante do agravamento da crise, que levou o FMI (Fundo Monetário Internacional) a rever para baixo as projeções de crescimento da economia mundial, Guedes se fechou à proposta, segundo assessores.
No começo da onda do coronavírus, a Secretaria de Política Econômica do ministério chegou a rever o ritmo de crescimento do PIB de 2,5%, neste ano, para 2,1%.
Logo depois, Guedes fez uma previsão mais sóbria, em torno de 1% de crescimento. E, finalmente, o ministério anunciou uma taxa de 0,02%, mais alinhada com a projeção de crescimento zero feita pelo Banco Central.
Técnicos da equipe econômica não descartam uma nova recessão no segundo semestre.
Linhas de crédito disponíveis na praça, que foram reforçadas com medidas de liquidez (como trocas de títulos) adotada pelo BC nas últimas semanas, serão a saída.
Mesmo com excesso de recursos no sistema bancário, as instituições não querem correr riscos e estão elevando suas taxas, especialmente nas operações de curto prazo (capital de giro). Ou seja: o crédito irá fundamentalmente para as empresas de grande porte, justamente as que são capazes de suportar condições econômicas mais hostis.
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