Durante pandemia, encontros online pedem bom wifi e look da cintura para cima
Enquanto se encontrar fisicamente não está no horizonte, casais têm achado formas de diversificar as horas de conversa para manter os dates virtuais interessantes
Depois de alguns desencontros de horário, Clara Manhães, 22, conseguiu marcar de assistir a um show da banda carioca Biltre com um flerte do Instagram.
Fossem outros tempos, ambos voltariam do trabalho para se arrumar e poderiam se encontrar em um bar antes da apresentação. Em meio à pandemia de coronavírus, foi o caso de escolher um look só da cintura para cima e testar se a conexão do wifi estava boa. Era um date online.
Enquanto medidas de isolamento tentam evitar a disseminação do vírus, quem quer se relacionar e não vive no mesmo espaço físico recorre ao uso de recursos tecnológicos.
“Pessoas que mantêm relacionamentos à distância podem compensar a falta do presencial utilizando-se dos recursos digitais, como conversas online, troca de fotos íntimas e vídeos ao vivo”, afirma Katty Zúñiga, psicóloga e pesquisadora do laboratório de estudos de psicologia e tecnologias da informação e comunicação (Janus- Leptic), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Também há uma gama de brinquedos eróticos de alta tecnologia que podem ser controlados à distância, lembra a especialista.
Se nos encontros presenciais os envolvidos se preocupam em estar bem vestidos, brinca Clara Manhães, os virtuais trazem outras complicações.
Durante o show online, ela conta que os áudios da live ficaram sem sincronia. A solução foi manter o som alto só de um lado da chamada. Também precisaram migrar para o WhatsApp depois de ficarem na mão com uma conexão que insistia em cair na ligação de vídeo pelo Instagram.
“Você tem que se esforçar um pouco mais [virtualmente]. Não tem interação externa, um garçom chamando, alguém te vendendo algo na rua. Quando você está no seu próprio quarto, precisa criar coisas para o assunto render”, diz a estudante do curso de defesa e gestão estratégica internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
No caso deles, valeu falar de signo, livros favoritos e sobre sair depois da quarentena -o coronavírus ficou fora do papo.
Enquanto se encontrar fisicamente não está no horizonte, casais têm achado formas de diversificar as horas de conversa para manter os dates virtuais interessantes.
O brasiliense João Gabriel Jubé, 21, já teve dois encontros com a mesma pessoa.
Na primeira vez, propôs um “webcafé”, como ele mesmo nomeou, com um dos matches do Tinder. Os dois conversaram pelo Google Hangouts, plataforma de conversa com vídeo. Cada um apareceu em frente à câmera com suas canecas no fim da tarde.
“É engraçado porque, nesse tipo de situação, você nem sabe por onde começar. A gente começou falando sobre web cam e como isso foi um produto de luxo uma época das nossas vidas”, diz Jubé, lembrando quando usava o MSN Messenger.
Na segunda vez que fizeram a chamada de vídeo, resolveram assistir ao filme Scarface (1983) e continuam fazendo planos para se encontrar após o isolamento.
Os encontros virtuais não têm caminhado só para bate-papo e filmes compartilhados. Sexo online e troca de fotos e gravações íntimas também fazem parte da interação durante a quarentena.
Antes da pandemia, Pedro, 23, que preferiu preservar sua identidade, nunca tinha se relacionado sexualmente online. No quinto dia de isolamento social, recebeu uma mensagem de um contato desconhecido do Instagram, com uma proposta. No primeiro momento, ignorou. Depois, desconfiou. No fim, topou.
Teria acontecido se não estivesse obrigado a ficar em casa? “Não”, responde categoricamente sobre ter feito sexo virtual a três com um casal que sequer conhecia.
“Não sei se vai acontecer outras vezes, apesar de continuar mantendo um certo contato. A impressão que fica é que foi uma aventura, uma loucura de quarentena. Também tem muito medo envolvido, de não saber quem são as outras pessoas, suas intenções, da exposição”, diz.
Katty Zúñiga sugere que os cuidados básicos que devem ser tomados em interações onlines são os mesmos que se deve ter ao conhecer uma pessoa.
“Converse, conheça, pergunte, mas tenha claras todas as premissas de privacidade. Logo de cara, não precisa dar seu nome com sobrenome, endereço, nem falar onde estuda ou trabalha porque você não conhece o outro”, diz a psicóloga.
“Pense também no seu próprio limite. O quanto você quer expor a sua intimidade para alguém que acabou de conhecer, dando umas poucas tecladas.”
Isso não significa, no entanto, que não há afeto nesse tipo de laço. “Você pode ter uma relação muito mais próxima afetivamente no ambiente virtual do que com quem está do seu lado, na mesma casa”, afirma Carla Calderoni, professora de psicologia da PUC-SP.
Ela explica que o que muda quando nos aproximamos sem contato físico é que exploramos apenas dois dos nossos cinco sentidos: a visão e a audição. Paladar, tato e olfato ficam de fora.
“Posso estar tomando a minha cerveja aqui e você aí, mas cada um toma a sua, não posso provar da sua. Posso até descrever o sentimento, o gosto”, diz.
Ela projeta que, caso a relação perdure até o fim do período de isolamento, o encontro físico trará à tona, de uma vez, os outros três sentidos.
“Vai que não gosto do cheiro da pessoa? Tem estudos que mostram o quanto a gente escolhe um parceiro pelo cheiro, por exemplo. Não podemos esquecer que somos animais e animais são físicos. Tem toque, pegada, sabe? Nesse final de quarentena, tudo isso vai estar em jogo”, conclui.
“No contato sexual físico, acho que o papel da fantasia é menor porque os outros sentidos entram em cena. Nessa brincadeira virtual, as coisas são muito definidas pela visão e, às vezes, pela audição”, diz Pedro.
Ele conta que, depois do episódio, foi chamado outras vezes para participar virtualmente de orgias com mais participantes. Até a publicação desta reportagem, havia recusado.
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