Biden já aparou atritos com Brasil, mas relação com Bolsonaro tende a ser tensa
Quando era vice de Barack Obama, Biden foi crucial na construção de um diálogo entre os dois países
Uma vitória do democrata Joe Biden na eleição presidencial dos EUA pode mudar a relação dos americanos com o Brasil. Quando era vice de Barack Obama, Biden foi crucial na construção de um diálogo entre os dois países, mas o apoio de Jair Bolsonaro (sem partido) a Donald Trump e a pressão internacional contra a política ambiental brasileira tendem a afastar a Casa Branca de Biden do Palácio do Planalto.
A admiração de Bolsonaro por Trump sempre foi explícita. O brasileiro quebrou o padrão da diplomacia brasileira ao declarar, nos jardins da Casa Branca, que torce pela reeleição do republicano – o que é visto com preocupação nos EUA.
“A eventual presidência de Biden tem potencial de impulsionar as relações com o Brasil”, afirma Thomas Shannon, embaixador americano no Brasil em parte do governo Obama. “Mas Bolsonaro abraçou Trump e se comprometeu com ele, quase em nível pessoal, o que limita a capacidade do Brasil de construir um relacionamento bipartidário em Washington.”
Na quinta-feira (16), Bolsonaro voltou a dizer que torce pela reeleição de Trump, mas afirmou que o interesse na relação não depende do partido no poder. “Se eles (democratas) não quiserem, paciência, né? O Brasil vai ter de se virar por aqui”, disse.
Entre ex-assessores e diplomatas que trabalharam com Biden, é consenso que o democrata conhece o Brasil, sabe dos entraves na relação e tem disposição para aprofundar a parceria. Mas, para isso, Bolsonaro precisará fazer sinais. “O potencial de tensão é muito claro”, afirma Michael Camilleri, diretor do centro Rule of Law, do Diálogo Interamericano.
Segundo ele, a política externa de Biden deve se orientar por três eixos: liderar a resposta global à pandemia, avançar a agenda ambiental e aumentar a pressão sobre governos autoritários. Bolsonaro tem sido pressionado pela comunidade internacional e pela esquerda americana em todas as três frentes.
“Mas Biden tem estilo construtivo, conhece o Brasil e valoriza a parceria. Dependerá de como Bolsonaro agirá”, afirma Camilleri, ex-assessor de América Latina de Obama no Departamento de Estado e no Conselho de Segurança Nacional, onde trabalhou com Biden.
Quando Dilma Rousseff (PT) desmarcou a viagem que faria a Washington, em 2013, em meio a denúncias de que fora espionada pela Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA), a Casa Branca escalou Biden para resolver o problema. Em 2014, o democrata foi à Arena das Dunas, em Natal, para assistir a estreia da seleção americana na Copa, e depois esteve em Brasília, no primeiro dia de 2015, para a posse de Dilma no segundo mandato.
Segundo interlocutores dos dois governos, Biden telefonava mensalmente para Dilma e era o único vice-presidente com quem ela aceitava conversar. O democrata esteve envolvido na disputa pela venda de caças supersônicos ao Brasil. “Quais são os problemas?”, perguntava Biden nas reuniões com o governo brasileiro, querendo saber dos empecilhos para a Boeing na disputa.
O americano anotava em um caderno as questões levantadas pelos brasileiros e telefonava depois com parte dos problemas resolvidos. No fim, os EUA ficaram frustrados com o desfecho da disputa, quando o Brasil comprou os caças da sueca Gripen.
Mesmo assim, a boa relação rendeu resultados em 2015, quando Dilma afirmou, em Washington, que o sucesso da visita deveria ser creditado a Biden, “por sua determinação e disposição de dialogar”. A petista chegou a chamar o americano de “amigo” e a defini-lo como um “homem charmoso”.
As pesquisas nos EUA mostram Biden com mais de dez pontos porcentuais à frente de Trump. Com isso, até o conservador John Bolton, que foi conselheiro de Segurança Nacional de Trump, afirmou que Bolsonaro precisa abrir “linhas de comunicação” com os democratas, em entrevista ao Estadão.
Shannon, porém, teme que o Brasil possa chegar atrasado. “O mundo estará ocupado em janeiro. O tempo do presidente eleito estará voltado para a resposta à pandemia, para a economia, para a relação com China e Rússia, para salvar o acordo nuclear com o Irã e para os europeus”, diz.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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