Recordista mundial da maratona, queniana participa da São Silvestre
Brigid Kosgei, de 25 anos, em outubro deste ano quebrou a marca até então sustentada por Paula Radcliffe desde 2003
A Corrida Internacional de São Silvestre nesta terça-feira (31) contará com uma presença ilustre na sua 95ª edição. O pelotão de elite terá entre seus nomes a recordista mundial da maratona, a queniana Brigid Kosgei, 25, que em outubro deste ano quebrou a marca até então sustentada por Paula Radcliffe desde 2003. Ela concluiu os 42,195 km em 2h14min04seg.
O trajeto de 15 km e o calor típico de um 31 de dezembro paulistano não devem ser grandes desafios para ela, que treina a 3.000 metros de altitude no Quênia. A recordista, que prefere provas mais frias, corre a distância da São Silvestre em treinos todos os dias no fim de tarde (que podem inclusive chegar a 20 km). Pela manhã, ela percorre normalmente 20 km, o que dá um volume semanal de cerca de 200 km.
Isso quando está treinando para provas. Após a marca histórica conquistada em Chicago, em que ela baixou em 1min21seg o recorde da britânica Radcliffe e em 4min16seg seu até então melhor tempo, ela disse ter diminuído o ritmo. “Relaxei um pouco, depois de Chicago”, afirmou a queniana. “Voltei aos poucos depois de descansar.”
Seu próximo alvo é a Olimpíada de Tóquio, onde quer representar o seu país. Isso após uma temporada em que esteve sob os holofotes – tanto que estima já ter passado por 54 testes de doping este ano. Kosgei disse, porém, que se não for escolhida fará alguma maratona.
Para se classificar para a maratona olímpica, os atletas precisam alcançar o índice estabelecido pela associação de atletismo – 2h11min30seg para os homens e 2h29min30seg para as mulheres. No Quênia, os mais de cem corredores qualificados passam ainda por diversas provas para que a federação do país selecione os três representantes. Os critérios para a escolha final, no entanto, não são claros.
Até outubro deste ano, mesmo os jornalistas do Quênia conheciam pouco sobre a história de Kosgei -algo que não é de se estranhar em um país onde a corrida está para os quenianos assim como o futebol está para os brasileiros. A vitória em Chicago e a marca que obteve alterou esse cenário.
A mudança, porém, não mexeu com a personalidade da recordista. Tímida, demonstra um desconforto em frente às câmeras. Com cerca de 1,60m de altura, não é de dar longas respostas, sempre com o tom de voz comedido.
Seu lugar de conforto é no asfalto. Kosgei começou no esporte como muitos de seus compatriotas. Morando a 10 km da escola no condado de Elgeyo-Marakwet, a 418 km da capital Nairóbi, muitas vezes ela precisava correr para não perder o horário da primeira aula. No caminho, via atletas em seus treinos e almejava se tornar um deles.
Adolescente, competia em distâncias medianas e, ainda que nunca tivesse sido selecionada para representar o Quênia nas competições internacionais, o seu talento chamava a atenção, segundo o seu treinador da época, Robert Ngisirei.
“Era possível dizer que ela era uma atleta muito talentosa mesmo durante os treinos, extremamente disciplinada e competitiva, não gostava de ser ofuscada no treinamento”, disse Ngisirei à BBC.
Sua carreira estava sendo construída até que Kosgei teve de abandonar os estudos aos 17 anos. Sua mãe, que precisava cuidar de sete filhos sozinha, não tinha como pagar a mensalidade da escola. “Eu não podia ficar triste”, disse durante entrevista coletiva no fim de novembro, dias antes da premiação Atletas do Ano, conferida pela World Athletics. “Na época, eu só aceitei o que havia acontecido e foquei outras coisas.”
Em 2012, passou a se dedicar exclusivamente à corrida, treinando com namorado Mathew Kosgei, que viria a ser seu marido. Isso até o ano seguinte, quando engravidou de gêmeos.
A queniana fez uma pausa do asfalto e esperou os filhos terem quase dois anos para se dedicar novamente à corrida. Retornou em 2015, quando registrou sua primeira marca em competições oficiais, já em uma maratona.
No Porto, ela concluiu os 42,195 km da prova em 2h47min59seg, um tempo longe dos mais fortes da época entre as mulheres, mas o suficiente para que ela terminasse em primeiro lugar.
No ano seguinte, ela teve uma temporada vitoriosa. Das quatro provas que participou, chegou em segundo lugar apenas na Maratona de Lisboa. Nenhuma das competições, no entanto, faziam parte do circuito conhecido, e Kosgei não chamou muito a atenção.
Com uma carreira composta por maratonas, meia maratonas e provas ocasionais de 5 km, 10 km, 15 km e 20 km, em nenhum ano a queniana teve um desempenho tão glorioso quanto em 2019. Foram sete competições, e em todas ela ficou no ponto mais alto do pódio.
Para isso, a dedicação ao esporte foi quase exclusiva. Os filhos ficaram sob os cuidados do marido, um suporte importante.
“Meu marido me disse para não me preocupar, ele cuidaria das crianças, e que eu deveria focar minha carreira e rapidamente elas se acostumaram a me ver apenas nos fins de semana, quando eu voltava para casa”, disse Kosgei à BBC.
Ela afirmou ainda que, apesar da idade, eles entendem que ela está fazendo um bom trabalho enquanto se prepara no centro de treinamento a 6 km de sua casa. Mas nenhum dos dois, no entanto, deseja seguir os passos da mãe. “Eles dizem para mim: ‘Eu não quero correr'”, disse a atleta, com um sorriso no rosto, em entrevista no fim de novembro.
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