É guerra, tem que jogar pesado com governadores, diz Bolsonaro a empresários
Crítico das ações de isolamento social, o presidente tem atacado principalmente Doria e o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC)
O presidente Jair Bolsonaro conclamou nesta quinta-feira (14) um grupo de empresários de peso a pressionar governadores pela reabertura do comércio. Ele disse que “é guerra” e que o setor empresarial precisa “jogar pesado” com os chefes de governo nos estados.
“Um homem está decidindo o futuro de São Paulo, decidindo o futuro da economia do Brasil”, afirmou Bolsonaro, referindo-se ao governador paulista, João Doria (PSDB), seu adversário político. “Os senhores, com todo o respeito, têm que chamar o governador e jogar pesado. Jogar pesado, porque a questão é séria, é guerra”, disse.
“Nós temos que mostrar a cara, botar a cara para apanhar. Porque nós devemos mostrar a consequência lá na frente. Lá na frente, eu tenho falado com o ministro Fernando [Azevedo], da Defesa… os problemas vão começar a acontecer. De caos, saque a supermercados, desobediência civil. Não adianta querer convocar as Forças Armadas porque não existe gente para tanta GLO [Garantia da Lei e da Ordem].”
Desde o início da pandemia, Bolsonaro tem minimizado o impacto do coronavírus e se colocado contra medidas de distanciamento social, atitude que culminou na demissão de seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e, na semana passada, por exemplo, em uma marcha com empresários ao STF.
Apesar de dizer lamentar as mortes, o presidente tem dado declarações às vezes em caráter irônico quando questionado sobre as perdas humanas. Como na ocasião em que afirmou não ser coveiro ou quando disse: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”.
A videoconferência desta quinta-feira foi organizada pelo presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Paulo Skaf, aliado político de Bolsonaro.
Crítico das ações de isolamento social, o presidente tem atacado principalmente Doria e o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC).
Nesta quinta, Doria disse que Bolsonaro deveria sair da “bolha de ódio” e acordar para a realidade. Em nota, afirmou que o presidente perdeu mais uma chance de “defender a saúde e a vida dos brasileiros”.
“O presidente Jair Bolsonaro despreza vidas. Ele prefere fazer comícios, andar de jet ski, treinar tiros e fazer churrasco. Enquanto isso, milhares de brasileiros estão morrendo todos os dias. Acorde para a realidade, presidente Bolsonaro. Saia da bolha de ódio e comece a ser um líder. Se for capaz”, disse Doria.
Até aqui, Bolsonaro tem colecionado derrotas em seu embate com prefeitos e governadores. Inicialmente prometeu canetadas e medidas provisórias, assinou decretos, mas acabou derrotado no Supremo ou viu suas medidas sempre ignoradas pela maioria dos gestores nos estados e municípios.
Nesta quinta, o presidente voltou a se queixar da determinação de diversos governadores, amparados por uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), de ignorar um decreto presidencial que ampliou o número de atividades consideradas essenciais. Para Bolsonaro, trata-se de um ato de “desobediência civil”.
“Nós devemos buscar cada vez mais rápido abrir o mercado. Como eu abri agora, por exemplo, o decreto colocando academias, salões de beleza e barbearia [como atividades essenciais]. Semana passada eu botei a construção civil e a questão industrial. Tem governador falando que não vai cumprir. Eles estão partindo para a desobediência civil.”
Em outro momento de fortes ataques aos chefes de Executivo nos estados, Bolsonaro afirmou que, ao que parece, existe no Brasil uma “questão política”, com o objetivo de “quebrar a economia para atingir o governo”.
A conclamação para que os empresários “joguem pesado” com Doria e os demais governadores ocorreu após comentário do chefe da Secom (Secretaria de Comunicação Social), Fabio Wajngarten, que pouco antes havia dito que, na próxima semana, São Paulo poderia entrar em regime de “lockdown”.
“É o Brasil que está em jogo. Se continuar o empobrecimento da população, daqui a pouco seremos iguais na miséria. E a miséria é o terreno fértil para aparecer aqueles falsos profetas, aquelas pessoas que podem levantar borduna e partir [para] fazer com que o Brasil se torne um regime semelhante à Venezuela. Não podemos admitir isso.”
Antes da fala de Bolsonaro, alguns empresários se pronunciaram na reunião e deram exemplos de setores que estão em atividade e, segundo eles, não registram problemas relevantes de saúde entre os funcionários.
Carlos Sanchez, presidente da farmacêutica EMS, disse que aproximadamente metade dos 9.000 funcionários da companhia está em home office, com poucos registros de coronavírus.
“Temos que levar isso aos governadores. A gente tem que agir mais em cima dos governadores. Mas para alguns lugares com pandemia avançada não é o momento [de abrir], tem que ser de maneira segura”, disse.
O presidente do Conselho de Administração da construtora Cyrela, Elie Horn, disse não saber se o setor de shoppings centers vai sobreviver à crise e pediu uma solução que envolva a união entre empresários, prefeitos, governadores, governo federal e Congresso.
O ponto foi reforçado pelo presidente da Via Varejo, Roberto Fulcherberguer. “Se não houver coordenação entre municípios, estados e governo federal, vai ser bastante difícil a gente seguir qualquer plano de abertura”, afirmou.
Anfitrião do encontro, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, disse que “trabalhar com cuidados não significa risco à vida” e criticou “decisões radicais” de isolamento nos estados.
Mais cedo, em frente ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro fez um apelo pela reabertura do comércio e disse que, caso contrário, “vamos morrer de fome”. O presidente afirmou que está pronto para conversar com os chefes de governo estaduais sobre o tema.
“Tem que reabrir, nós vamos morrer de fome. A fome mata, a fome mata! Então, [é] o apelo que eu faço aos governadores: revejam essa política, eu estou pronto para conversar. Vamos preservar vidas, vamos. Mas dessa forma, o preço lá na frente serão centenas a mais de vidas que vamos perder, por causa dessas medidas absurdas de fechar tudo”, declarou Bolsonaro, na saída do Palácio da Alvorada.
Na teleconferência com líderes empresariais, Bolsonaro voltou a falar da redução salarial de 25% para jornalistas durante a crise econômica causada pela pandemia do coronavírus. E pediu para empresários não anunciarem em jornais que, segundo ele, fazem uma cobertura desequilibrada e negativa do governo.
“Vocês que anunciam em jornais e televisões. Tem TV e jornal que vive esculhambando o Brasil. Por favor, não anunciem mais nessa televisão e nesse jornal. Vão para outras TVs e outros jornais, que tenham um jornalismo sério, que não fique levando o terror o tempo todo entre lares aqui no Brasil”, afirmou.
“Globo, Folha, Jornal do Commercio e Estadão reduziram 25% o salário do seu pessoal. Estão sentindo na pele agora, não adianta dar pancada no Jair Bolsonaro”, disse, destacando que não pode ser responsabilizado por tudo. Declaração semelhante foi dada por ele aos jornalistas pela manhã, no Palácio do Alvorada.
Algumas empresas jornalísticas já aderiram à medida provisória do governo que autoriza a suspensão de contratos ou redução de salários e jornadas de trabalhadores durante a crise provocada pelo coronavírus. Outras empresas da área estão em processo de negociação.
O número de trabalhadores formais que tiveram salários e jornadas reduzidos ou contratos suspensos após a crise do coronavírus ultrapassou 7 milhões na segunda-feira (11), segundo o Ministério da Economia. Pelo menos 600 mil empresas aderiram, de acordo com os últimos dados do governo.
Até agora, não houve movimentos para redução de salários do presidente Bolsonaro e de servidores do Executivo durante a crise.
A videoconferência de Bolsonaro, realizada pelo aplicativo Zoom e sem senha para acesso, teve um momento constrangedor. A certa altura, Bolsonaro interrompeu uma fala de Skaf para avisar que uma das pessoas assistindo a transmissão aparecia pelada em sua webcam. “Paulo, dá uma parada aí. Paulo, tem um colega do último quadrinho ali… saiu fora, saiu fora, ok”, disse o presidente.
Aos risos, o ministro Paulo Guedes (Economia) emendou: “Tem um cara tomando banho aí peladão, tem um peladão aí fazendo isolamento. Peladão em casa e tal, beleza”, disse o ministro.
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