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Hospitais já usam dexametasona para tratar doente grave de covid-19

Estudo da Universidade de Oxford apontou que a droga reduz a mortalidade de pacientes internados


Por Folhapress Publicado 19/06/2020
Foto: Reprodução

Hospitais brasileiros já utilizam a dexametasona e outros corticoides dentro do arsenal de terapias farmacológicas para o doente grave de covid-19 e devem ampliar o uso a partir dos resultados de estudo da Universidade de Oxford apontando que a droga reduz a mortalidade de pacientes internados.

O uso off label (fora da bula, sob responsabilidade do médico) da medicação foi sugerido por uma diretriz de três sociedades médicas (de medicina intensiva, de infectologia e de pneumologia) no início da pandemia no Brasil, quando ainda não havia evidências contrárias ou favoráveis a ela.

No documento consta que o remédio não deve ser usado na fase inicial da doença. Entre o sétimo e o décimo dia da infecção, poderia ser utilizado em casos selecionados de pacientes internados para controle da inflamação causada pela covid-19.

Segundo a médica Suzana Margareth Lobo, presidente da Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira), o novo estudo traz mais segurança ao estabelecer doses recomendadas da dexametasona para doentes em suporte de oxigênio e em ventilação mecânica.

“Muitos intensivistas já vinham usando em doentes com síndromes respiratórias agudas graves. A gente usava em doses mais altas. Agora pode entrar em paciente em ventilação mecânica, mas não apenas nos muito graves. Provavelmente será usada em maior escala.”

O médico Luciano Cesar Pontes de Azevedo, superintendente de ensino do Hospital Sírio-Libanês e coordenador do estudo sobre o uso da dexametasona na covid-19 no Brasil, diz que o fato de a droga estar sendo muito utilizada durante a pandemia acabou atrasando o recrutamento de pacientes para a pesquisa.

“Muitos pacientes chegavam já fazendo uso há três, quatro dias e a gente não conseguia incluir no estudo [para a inclusão, eles precisam ser ‘virgens’ da terapia]”, afirma. Segundo ele, nas últimas semanas foi possível perceber que os hospitais diminuíram o interesse pelo uso da hidroxicloroquina, cujos estudos não encontraram evidência de eficácia, e passaram a utilizar mais os corticoides e os anticoagulantes.

“São os dois tratamentos off label da Covid mais utilizados no momento. Porém evidências mesmo só começam a ser geradas agora, a partir do Recovery [nome do estudo britânico].” De acordo com o infectologista Esper Kallás, professor da USP, no Hospital das Clínicas o uso de corticoides já é sugerido em casos mais graves.

“O estudo confirma o que nós já havíamos percebido: para aqueles casos mais graves, com comprometimento pulmonar mais extenso, com insuficiência respiratória, um pouco de corticoide ajuda.” O hospital tem usado também outros corticoides, como a metilprednisolona e a hidrocortisona. “Na pneumologia há preferência pela metilprednisolona porque ela penetra melhor nos pulmões. Nas inflamações do cérebro, a preferência é pela dexametasona. O uso de corticoide tem que ser personalizado, não pode ser usado de forma indiscriminada”, diz Kallás.

No mercado mundial há 60 anos, a dexametasona já não tem mais patente e é de baixo custo. Em maio, foram vendidas no Brasil 1,7 milhão de caixas da medicação, fabricadas por 27 farmacêuticas. A caixa com dez comprimidos custa em torno de R$ 7. O remédio é usado em tratamentos de diversas doenças inflamatórias e respiratórias, reumatismos, alergias, entre outros.

A preocupação dos médicos é que pelo fato de ser uma droga barata e de fácil acesso haja uma corrida às farmácias a exemplo do que se viu com a cloroquina e a hidroxicloroquina. O medicamento não é indicado para casos leves de Covid-19, conforme já advertiu a OMS (Organização Mundial da Saúde).

“O estudo é bastante claro nas indicações. É para paciente hospitalizado, internado, que precisa de oxigênio ou ventilação. Não é para casos leves e muito menos para prevenção. O corticoide pode aumentar a replicação viral nas fases iniciais da doença”, afirma Lobo.

A médica explica que a droga pode causar efeitos adversos, como aumento da glicemia e da pressão arterial, o que pode descompensar os pacientes diabéticos e hipertensos, além de hemorragias digestivas. “Pacientes descompensados têm uma pior resposta à doença.”

O estudo britânico apontou uma diminuição do risco de morte em 35% em pacientes em ventilação mecânica e em 20% naqueles que dependiam de oxigênio. “Os resultados são muito bem-vindos, mas não representam cura.” Para Lobo, será preciso medir o impacto real da terapia na prática clínica. “Pode ser até menor do que o demonstrado no estudo [que foi controlado] porque muitos médicos aqui já vinham utilizando a medicação.”

Kallás tem a mesma percepção: “O efeito é bom, mas não é essa maravilha toda. Reduziu a mortalidade em até 35%. E, na doença mais precoce, em vez de ajudar, pode atrapalhar.” Segundo ele, isso reforça um conceito básico na infectologia. “Quando a infecção está na fase muito inicial, o sistema imune tem que estar funcionando bem para eliminar o vírus. Se der corticoide, você diminui um pouco essa capacidade do organismo de combater [a infecção].”

Como a covid-19 é uma doença bifásica, ou seja, tem a fase virêmica no início e a inflamatória depois, o corticoide só está indicado para a fase mais tardia da infecção. Kallás se diz preocupado com a forma entusiasmada com que os resultados do estudo foram divulgados pelo governo britânico e repercutidos pela imprensa internacional. “Daqui a pouco começa a diminuir o estoque e acaba a dexametasona nas farmácias.”

Para o biomédico Renato Sabattini, professor na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, é preciso que as pessoas entendam que a cura de pacientes graves com Covid-19 é resultante de um conjunto enorme de medidas terapêuticas, aplicadas por profissionais e recursos intensivistas por longo tempo.

“Corticosteroides, como a dexametasona, funcionam, podem ajudar no tratamento da tempestade hiperinflamatória de várias doenças, mas de forma nenhuma são milagrosos. Muita gente vai continuar morrendo mesmo tratada.”

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