Médicos entram em ‘guerra de WhatsApp’ por epidemia de novo coronavírus no Brasil
O áudio, segundo Jatene, foi enviado apenas a seus colegas, mas vazou
Médicos de São Paulo entraram em uma “guerra de WhatsApp” sobre as projeções de disseminação do novo coronavírus no Brasil e como tratar as informações sobre o assunto.
As diferentes narrativas começaram a partir de um áudio no qual o cardiologista Fábio Jatene, diretor do serviço de cirurgia torácica do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas, apresenta um cenário dramático para a disseminação do coronavírus no país.
Na gravação, que viralizou na manhã desta quinta-feira (12) e cuja veracidade foi confirmada pelo cardiologista à reportagem, ele relata uma reunião que teve com alguns dos mais renomados médicos de São Paulo. O áudio, segundo Jatene, foi enviado apenas a seus colegas, mas vazou e foi disseminado por aplicativos de mensagem.
Jatene afirma no áudio que os médicos na reunião estimaram que em quatro meses haverá 45 mil pessoas com coronavírus só na Grande São Paulo. A previsão é que 11 mil delas vão necessitar de UTIs (que não existem nessa quantidade).
Segundo a reportagem apurou, por ora as autoridades médicas do governo de São Paulo estimam que serão necessários cerca de 5.000 leitos de UTI, embora a amplitude da estimativa vá de 2.500 a 9.000 leitos, apenas na Grande São Paulo.
Ainda não há elementos no Brasil para estimar o número de casos que necessitem de acompanhamento intensivo.
Nesta quinta, o governo do estado informou ter contratado mil leitos de UTI para casos de coronavírus.
Segundo essas estimativas preliminares citadas por Jatene, o pico do número de novos casos ocorreria daqui a um mês.
No estado de São Paulo, o número de casos poderia ir de 80 mil a 100 mil. No entanto, segundo pessoas envolvidas nos preparativos para enfrentar a doença no governo do estado, pouco se sabe sobre as características da epidemia em São Paulo ou no Brasil.
Será preciso levar em conta, por exemplo, as medidas de contenção (no caso, paralisação de atividades que envolvam aglomerações e transporte de massa) e a adaptação do vírus ao clima (se será mais ou menos perigoso em ambiente com temperaturas mais elevadas).
O Hospital das Clínicas de SP já teria reservado 75 leitos de UTI destinados a pacientes do coronavírus. Participaram da reunião científica, entre outros médicos, Davi Uip (infectologista), Esper Cavalheiro (neurologista) e Marcelo Amato (intensivista, especializado em UTIs).
Segundo o relato de Jatene, Uip disse que os casos devem explodir no país a partir de agora e os mais vulneráveis que devem ter foco máximo de atenção são os idosos. A taxa de mortalidade entre eles chega a 18%, enquanto entre os jovens é de 0,2%.
Segundo os médicos, o cenário é de muita preocupação. Eles preveem também que em quatro meses o pico da doença deverá passar.
Nos próximos 15 dias será mais claro como a doença vai afetar o Brasil, se o país seguirá o modelo da França ou da Itália. Ambos tinham cerca de 12 casos confirmados em 21 de fevereiro. Em 10 de março, a Itália tinha mais de 10 mil, e a França, cerca de 1.700. O Brasil, por ora, está no ritmo da França.
Outro que teve um áudio particular vazado foi Marcos Knobel, cardiologista e vice-presidente do Hospital Israelita Albert Einstein. A veracidade da mensagem foi confirmada pela reportagem.
O médico do Einstein, na mesma linha de Jatene, demonstra preocupação com o impacto que o novo coronavírus pode ter sobre atividades cotidianas das pessoas. Ele afirma que diversas escolas têm entrado em contato para pedir aconselhamento sobre suspender as aulas ou não e que possivelmente muitas fecharão já a partir da próxima semana para conter a disseminação do vírus.
Por outro lado, há médico que afirme, também por áudio de WhatsApp, que os números apresentados no áudio são exagerados e alarmistas demais. Um deles é Anthony Wong, toxicologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP). Segundo ele, “45 mil é um número absurdo”. A mensagem também foi confirmada pela reportagem com o próprio médico.
Dados atualizados sobre o coronavírus mostram que, com exceção da China (com mais de 80 mil doentes, mais da metade deles já recuperados), nenhum outro país alcançou tais níveis.
A Itália, o segundo país com mais casos, tem pouco mais de 12 mil casos, seguido pelo Irã, com cerca de 10 mil. Itália, Alemanha e França, que somados têm população próxima à brasileira e estão entre os países europeus com mais casos, há 16.154 infectados.
O toxicologista do HC diz que, pelo Brasil se localizar no Hemisfério Sul e estar no verão, o contágio deve ser menor do que nos países do Norte, onde as temperaturas estão mais baixas. Ele cita a Indonésia como exemplo, que tem tido uma evolução controlada nos casos.
Segundo Wong, para a maior parte da população a covid-19 será como uma gripe, sem grande severidade ou risco de morte.
“Todo mundo está preocupado, pensando que o filho vai morrer e a pessoa que realmente está em risco, aquela com mais idade, pode ser negligenciada. É isso que está me preocoupando”, disse Wong à reportagem.
Mais um áudio, confirmado pela reportagem e que era para ser particular, também se preocupa com o alarmismo da mensagem de Jatene. A infectologista Cristhieni Rodrigues, do Incor-HCFMUSP, em sua mensagem, diz que estava presente na reunião da qual Jatene fala e que os dados que ele cita estão fora de contexto.
A especialista afirma que, realmente, teremos vários casos, mas que a maioria será um resfriado comum, inclusive mais leve do que o H1N1. Ela diz, porém, que deve-se ficar em alerta com a população idosa e com outros com problemas cardíacos e pulmonares.
A infectologista pede calma e diz que deve-se esperar as orientações das autoridades, como para casos de suspensão de aulas, e de quem realmente estuda o assunto. Segundo ela, para quadros leves de resfriado o melhor é ficar em casa.
Tanto a mensagem de Wong quanto a de Rodrigues ressaltam que a população não deve entrar em pânico, algo prejudicial para situação, por poder provocar corridas desnecessárias por suprimentos e sobrecarga no sistema de saúde.
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