Operações policiais já acabaram em massacres que marcaram o país; relembre
A quantidade de mortos em Jacarezinho chamou atenção de organismos internacionais, como a ONU, que pede uma investigação independente do massacre
A operação policial que acabou com 28 mortos -entre eles um policial- na comunidade do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, nesta quinta-feira (6), foi a mais letal registrada no estado. A quantidade de mortos chamou atenção de organismos internacionais, como a ONU, que pede uma investigação independente do massacre.
Antes disso, a ação policial com maior número de mortos da polícia do Rio de Janeiro ocorrera na Vila Operária em Duque de Caxias, quando 23 pessoas foram mortas, em janeiro de 1998.
De acordo com o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da UFF (Universidade Federal Fluminense), que possui uma base de dados iniciada em 1989, ao menos 23 operações policiais somaram mais de dez mortos na região metropolitana do Rio desde essa data.
“Esse número de mortes só se compara às chacinas de Vigário Geral [21 mortos, em 1993] e da Baixada [Fluminense em 2005, com 29 mortos], mas provocadas em ações não oficiais que contaram com a participação de policiais, como as investigações apontaram”, afirma o coordenador do grupo, Daniel Hirata.
“Essas ações acontecem e as polícias não prestam contas à sociedade. As unidades de operações especiais existem para reverter cenários de incerteza, risco e perigo e não para levar isso para as comunidades. Será que essa operação era tão urgente assim? Quem estava demandando a prisão de pessoas que aliciavam menores para roubar nos trens?”, questiona Jacqueline Muniz, professora do departamento de segurança pública da UFF.
Desde os anos 2000, o país presenciou ao menos 13 massacres ocorridos durante operações policiais oficiais. Relembre:
Rio de Janeiro (RJ) – fev.2021
Nove pessoas foram mortas em operação da Pm nas comunidades da Caixa d’Água, Morro do 18 , Morro do Urubu, Flechal, Barão, Bateau Mouche e Chacrinha. Na ocasião, a PM informou que “durante as incursões, as equipes foram atacadas por criminosos armados.”
A ação tinha como objetivo interromper confrontos entre quadrilhas que disputavam o controle armado dessas comunidades, com o objetivo de explorar atividades ilegais, segundo a PM. Seis pessoas foram presas e cinco fuzis apreendidos.
Alemão (RJ) – mai.2020
Uma operação das polícias Civil e Militar, com apoio do Bope, terminou com dez pessoas mortas no Complexo do Alemão, no Rio. Um policial militar ficou ferido na ação.
Entre os mortos, segundo a PM, estava um chefe do tráfico do morro Pavão-Pavãozinho que havia fugido da prisão em 2016. Ainda de acordo com a PM, criminosos armados atiraram e lançaram granadas contra as equipes do Bope.
A ação foi motivada, segundo a polícia, por informações a respeito do esconderijo de um líder de tráfico de drogas local e de uma casa usada para guardar fuzis. A polícia apreendeu oito fuzis, 85 granadas e drogas.
Paraisópolis (SP) – dez.19
Uma ação da PM para dispersar um baile funk na favela de Paraisópolis, em São Paulo, acabou com nove jovens mortos por pisoteamento e sete pessoas feridas. Segundo imagens e relatos, a multidão acabou encurralada em vielas. Jovens afirmaram que a ação foi uma “emboscada”.
A PM disse que a ocorrência começou com a perseguição de dois suspeitos em uma moto, que entraram no baile. A corporação afirmou que os policiais foram agredidos com pedradas e garrafadas e “houve necessidade do uso de munição química”, com quatro granadas de efeito moral e oito tiros de balas de borracha.
Policiais que participaram da ação chegaram a ser afastados, mas a Corregedoria da PM classificou a ação como legal e pediu arquivamento da investigação.
Já a Promotoria afirmou ter indícios suficientes para denúncia por homicídio doloso. Dois inquéritos estão em fase final de conclusão.
Manaus (AM) – out.19
A PM do Amazonas matou 17 pessoas durante ação contra o tráfico de drogas no bairro Crespo, em Manaus. Todos os corpos foram retirados da cena do crime antes da chegada da perícia. Nenhum policial se feriu.
Segundo a PM, membros de uma facção invadiram uma boca de fumo do grupo rival. Cerca de 60 homens da corporação foram ao local.
Os traficantes reagiram com tiros à abordagem, segundo a PM.
Em setembro de 2020, o Ministério Público do Amazonas apontou fortes indícios de que a PM tivesse assassinado as 17 pessoas e depois manipulado a cena.
Guararema (SP) – abr.2019
Onze pessoas foram mortas pela PM após explodirem duas agências bancárias, no centro de Guararema. Três suspeitos foram presos. Nenhuma quantia em dinheiro foi levada.
Os agentes souberam do plano após o Ministério Público interceptar ligações entre os criminosos. A data foi informada à Rota, que ficou de prontidão para agir.
O governador João Doria (PSDB) condecorou os policiais. Já um relatório da Ouvidoria da Polícia considera haver fortes indícios de que as mortes ocorreram com os suspeitos já rendidos.
Morro do Fallet (RJ) – fev.2019
PMs mataram 15 pessoas em operações nos morros do Fallet-Fogueteiro, Coroa e Prazeres, no centro do Rio.
A corporação afirmou que todos foram mortos em confronto –não há informação de agentes mortos ou feridos. Os moradores acusam os agentes de execução. Entre os mortos, estavam dois adolescentes.
O inquérito para apurar o caso chegou à conclusão de que os agentes não cometeram crime nem transgressão. Paralelamente, seguem as investigações da Polícia Civil e do Ministério Público estadual.
Várzea Paulista (SP) – set.2012
Um tiroteio entre policiais da Rota e suspeitos deixou nove mortos e cinco presos.
Segundo a SSP (Secretaria da Segurança Pública), a polícia recebeu uma denúncia anônima informando o local onde um homem suspeito de estupro seria julgado por um “tribunal do crime”. Dois pelotões da Rota foram enviados e os suspeitos tentaram fugir em dois carros.
Na perseguição, de acordo com a SSP, houve troca de tiros e quatro suspeitos morreram e três foram presos. Na chácara em que estaria ocorrendo o “tribunal”, ainda de acordo com a polícia, outros cinco suspeitos foram baleados e morreram.
Vila Isabel (RJ) – out.2009
Confronto entre PMs e traficantes deixou 12 mortos e oito feridos no morro dos Macacos, na Vila Isabel, no Rio. Na operação, um helicóptero da PM foi derrubado pelos criminosos, matando dois policiais e deixando outros três feridos. Um homem e um adolescente foram detidos.
Segundo a polícia, membros do Comando Vermelho tentaram invadir o morro, controlado pela ADA (Amigos dos Amigos), o que deu início a um tiroteio. A PM foi enviada, mas precisou derrubar as barricadas na entrada da favela para entrar.
O então secretário da Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, afirmou que “dez marginais” foram mortos em confronto.
Alemão (RJ) – jun.2007
Megaoperação das policiais Civil e Militar de da Força Nacional de Segurança no Complexo do Alemão terminou com 19 mortos e 13 pessoas feridas –entre elas, uma aluna atingida na escola e uma criança. Treze corpos foram recolhidos pela polícia, e outros seis foram deixados em frente à 22ª DP (Penha), em uma van. Dos 1.350 policiais que atuaram, um ficou ferido. Três homens e um adolescente foram detidos.
Segundo a SSP, a operação visava o cumprimento de mandados de prisão e apreensão de drogas e armas. Foram apreendidos cinco fuzis, 60 bananas de dinamite com detonadores, cinco pistolas, duas metralhadoras antiaéreas, cerca de 2.000 munições, 30 kg de cocaína, 115 kg de maconha, lança-perfume e uma balança de precisão.
Entidades de direitos humanos rechaçaram a ação. A Anistia Internacional classificou a megaoperação como “violenta e caótica”. Na ocasião, o secretário estadual de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, defendeu a ocupação como forma de combate à violência. Ele afirmou que a solução para o problema, no Rio, “é um remédio amargo”, mas que é preciso “optar e seguir em frente”.
O então presidente Luiz Ignácio Lula da Silva (PT) também defendeu a ação, afirmando que não se defende bandido com rosas.
Catumbi (RJ) – abril.2007
Operação no morro da Mineira, no centro, terminou com 13 mortos e sete feridos. Parte das vítimas chegou morta ao hospital municipal Souza Aguiar, a bordo do carro blindado da PM, o Caveirão. Nove suspeitos foram presos.
Policiais entraram na favela, que estava sob disputa do CV (Comando Vermelho) e ADA, após um tiroteio entre os criminosos interditar o túnel Santa Bárbara.
No total, foram apreendidos três fuzis, cinco pistolas e porções de drogas.
São Bernardo do Campo (SP) – jun.2006
A Polícia Civil matou 13 pessoas, supostamente ligadas ao PCC, em uma operação que tinha objetivo de evitar ataque da facção criminosa contra agentes penitenciários em São Bernardo do Campo. Cinco suspeitos foram presos e outros quatro fugiram.
A polícia afirmou ter surpreendido o grupo quando se preparavam para atacar os agentes. Dez suspeitos foram mortos no local. Três foram perseguidos e mortos no município vizinho, Diadema
Um dia antes, o então governador Cláudio Lembo (PFL) havia dito que o PCC ameaçava dar início a “muitos” ataques no estado.
A ação ocorreu um mês depois de 564 pessoas, entre civis e agentes de segurança, terem sido executados no estado, no episódio conhecido como crimes de maio.
Senador Camará (RJ) – jan.2003
Ação contra o tráfico de drogas deixou 14 mortos, entre eles um policial civil e um militar, na comunidade da Coreia, em Senador Camará. Segundo a polícia, outros dois suspeitos morreram de overdose enquanto eram levados para a delegacia.
Segundo o então secretário estadual de Segurança Pública, Josias Quintal, a “ação da polícia foi legal”.
Dois PMs foram presos acusados de pertencer à quadrilha. Outros cinco supostos criminosos também foram presos.
Castelinho (SP) – mar.2002
PMs mataram 12 supostos integrantes do PCC no pedágio da rodovia Senador José Ermírio de Moraes, conhecida como Castelinho, na região de Sorocaba.
A ação recebeu elogios do então secretário da Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, e do governador Geraldo Alckmin (PSDB).
A investigação apontou que os policiais deram um fim às fitas do circuito de segurança. A Promotoria chegou a indiciar 53 PMs sob acusação de homicídio triplamente qualificado. A Justiça, no entanto, entendeu que os agentes agiram no estrito cumprimento do dever e, por isso, decidiu não levá-los a júri.
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