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Ritmo do governo Bolsonaro para fechar lixões joga meta para 2063

Meta de eliminar todos os lixões até 2024 já consta da lei de 2020 que atualizou o marco legal do saneamento básico; o cronograma previsto na lei também está atrasado


Por Folhapress Publicado 02/05/2022
Ritmo do governo Bolsonaro para fechar lixões joga meta para 2063
Foto: Pixabay

Uma das principais promessas do governo de Jair Bolsonaro (PL) para a área ambiental, o fim dos lixões e aterros controlados no país tem andado em ritmo lento. Na toada atual, a meta de interromper o uso desses locais em 2024 vai atrasar quase 40 anos – o objetivo só seria alcançado em 2063.

Dados do panorama anual elaborado pela Abrelpe, associação que reúne empresas do setor de coleta de lixo, apontam que em 2018 havia 3.001 municípios sem aterros sanitários, destinando resíduos a lixões e aterros controlados. Em 2020, eram 2.868 municípios.

Isto significa que houve evolução em 133 municípios. Mantido este ritmo, seriam necessários mais 43 anos para zerar os lixões, o que jogaria a meta do governo para 2063.

O ritmo é mais lento do que o verificado de 2017 para 2018, quando o número de municípios com destinação inadequada caiu de 3.352 para 3.001. A atual gestão lançou, em abril de 2019, o programa Lixão Zero, capitaneado pelo então ministro Ricardo Salles, demitido em 2021.

O objetivo era, com uma iniciativa voltada para as cidades, contrapor-se ao fracasso da política ambiental do governo para os biomas brasileiros, Amazônia em especial, onde houve o maior desmatamento dos últimos 15 anos.

No último dia 13, em um evento no Palácio do Planalto, Bolsonaro e o atual ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, assinaram o decreto que institui o Plano Nacional de Resíduos Sólidos. Ele prevê o fim da destinação de resíduos a lixões e aterros controlados a partir de 2024, mas o ritmo do Lixão Zero, vitrine de Salles, Leite e Bolsonaro, mostra que isso só ocorreria em 2063.

Uma visita a um desses lixões mostra a dura realidade de quem vive ali. As dezenas de catadores que reviram todos os dias o lixão de Águas Lindas de Goiás, no entorno do Distrito Federal, torcem para estar no melhor lugar da fila por volta das 17h, quando aparece diariamente um caminhão com lixo recolhido em Brasília.

Com a crise, o arrefecimento da pandemia e a perda de renda nos dois anos que se passaram, há cada vez mais gente ali. A torcida é para estar à frente quando chega o caminhão com lixo que seria de Ceilândia, que tem material mais valioso que o de Águas Lindas, uma cidade pobre a 50 quilômetros do centro de Brasília.

“De Águas Lindas, vem só a ‘bagaça’, porque tem muito catador na rua, que recolhe o material antes de chegar aqui”, diz Márcio Jesus, 30, uma vida inteira no lixão. “Do DF, vem mais material, inclusive latinha. Mas a gente não dá preferência, é o que chegar.”

Jesus, pai de duas crianças, é de Feira de Santana (BA). Está em Águas Lindas desde os primeiros anos de vida. No lixão a céu aberto da cidade, “desde que se entende por gente”. “Minha mãe já me trazia aqui no carrinho de mão”, diz ele.

O vínculo quase eterno com o lixão, que se repete com dezenas de catadores que ali estão em condições subumanas de trabalho, é a evidência de um fracasso histórico. O Brasil não consegue eliminar os lixões e aterros controlados, outra forma inadequada para destinação de lixo.

O Ministério do Meio Ambiente usa números diferentes dos apresentados pela Abrelpe, considerados referência no setor, para defender que a redução dos lixões está andando em um ritmo mais rápido.

A pasta usa dados de uma entidade parceira do governo desde o início da gestão Salles, a Abetre, de empresas interessadas na concessão da gestão de resíduos. Segundo o ministério, 645 lixões já foram fechados, e faltariam 2.612.

“O encerramento dos lixões não pode ser calculado por meio de uma regra de três simples. Depende de um conjunto de medidas estruturantes para possibilitar a viabilidade técnica e econômica do encerramento”, afirmou o Ministério do Meio Ambiente, em nota. “Não estamos ainda em 2024 para se dizer que algo foi ou não alcançado.”

A Abetre atualiza os dados com maior frequência, e por isso a pasta usa os dados da associação, segundo a nota. “O Lixão Zero está em plena execução, cumprindo seus objetivos e com resultados expressivos. Foi criado para reverter o baixo resultado obtido nos oito anos que seguiram ao lançamento da Política Nacional de Resíduos Sólidos, em 2010, período que abrangeu três gestões no Executivo federal –essas sim, sem nenhum resultado expressivo no tema.”

Pelo menos seis cidades no entorno de Brasília seguem sem aterro sanitário. Águas Lindas, por exemplo, não tem nenhuma parceria em andamento com o governo federal para mudar essa realidade, segundo a prefeitura. “O município tem trabalhado para atender a legislação, mas tem enfrentado dificuldades locacionais e financeiras como a maioria”, disse a prefeitura em nota.

A meta de eliminar todos os lixões até 2024 já consta da lei de 2020 que atualizou o marco legal do saneamento básico. O cronograma previsto na lei também está atrasado. Uma saída proposta pelo governo Bolsonaro, mencionada no Plano Nacional de Resíduos Sólidos, é cobrar de 100% dos brasileiros, também até 2024, uma taxa de limpeza urbana. Dados de 2020 mostram que essa cobrança é feita por 29,2% dos municípios.

O primeiro rascunho do plano previa que os 100% de cobrança só seriam alcançados em 2040. A determinação também está expressa no novo marco do saneamento, conforme o ministério.
No lixão de Águas Lindas, catadores dividem espaço com urubus. O caminhão com lixo de Brasília descarrega muito resto de comida, recolhido de restaurantes. Esses restos também interessam a uma parcela dos catadores, para alimentar porcos.

Tanto Águas Lindas quanto o DF dizem que não há caminhões do governo do DF despejando resíduos ali. O lixo de Brasília vai para um aterro sanitário, diz o governo local. O que pode estar ocorrendo é um descarte por iniciativa de grandes geradores de resíduos, segundo o SLU (Serviço de Limpeza Urbana do DF), o que é crime ambiental.

Laura Tauane acaba de completar 18 anos. São 11 anos no lixão, primeiro com a mãe, agora com o marido. “É uma vida inteira. Queria fazer qualquer outra coisa que não fosse trabalhar aqui”, diz ela, mãe de três filhos. Aurineide dos Santos chegou ao lixão quando tinha 40 anos. Está com 54. Três de seus oito filhos a acompanham na coleta. Os dias mais disputados no lixão reúnem até 70 pessoas, diz.

O Ministério do Meio Ambiente disse apoiar os municípios no fim dos lixões. Sobre os do entorno de Brasília, afirmou que o assunto deveria ser tratado com as prefeituras. A prefeitura de Águas Lindas disse ter sancionado uma lei para gestão integrada de resíduos e afirmou atuar para identificar soluções alternativas de descarte.

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