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Vans escolares são usadas para transportar mortos por covid até cemitérios de SP

Diante do salto no número de sepultamentos na cidade, a prefeitura liberou a contratação de carros particulares para o serviço. São 50 vagas para quem tem van, minivan ou furgão, além de quatro veículos de passeio, segundo informou a prefeitura.


Por Folhapress Publicado 30/03/2021
Vans escolares são usadas para transportar mortos por covid até cemitérios de SP
Diante do salto no número de sepultamentos na cidade, a prefeitura liberou a contratação de carros particulares para o serviço. São 50 vagas para quem tem van, minivan ou furgão, além de quatro veículos de passeio, segundo informou a prefeitura – Foto: Reprodução

Vans escolares que antes transportavam crianças agora vão carregar corpos de pessoas que morreram de Covid-19 até os cemitérios da capital paulista. Diante do salto no número de sepultamentos na cidade, a prefeitura liberou a contratação de carros particulares para o serviço.

São 50 vagas para quem tem van, minivan ou furgão, além de quatro veículos de passeio, segundo informou a prefeitura. Muitos dos interessados são transportadores escolares autônomos, que estão praticamente há um ano sem renda em razão da suspensão das aulas presenciais nas escolas públicas e privadas.

Para a locação dos veículos, a gestão Bruno Covas (PSDB) contratou emergencialmente a Era Técnica Engenharia Construções e Serviços pelo período de 30 dias, ao custo de R$ 1.752.547,10. A empresa fez a oferta de trabalho aos condutores escolares.

O chamado para o trabalho foi feito pelo presidente do Sindicato dos Transportadores Escolares, Wesley Florêncio, por meio de áudio enviado a grupos de WhatsApp com membros da categoria.

Na mensagem, Florêncio diz ter um serviço “delicado” a oferecer aos transportadores, que seria levar corpos de vítimas da Covid dos hospitais até os cemitérios municipais. Ele ainda afirma ser “constrangedor” fazer este tipo de proposta, mas diz que é o trabalho que o serviço público está necessitando neste momento.

À Folha, Florêncio afirmou que o sindicato não intermediou a contratação dos condutores, mas apenas ofereceu o trabalho, pois sabe que a categoria passa por uma situação de “calamidade”.

“Sei que muitos me criticaram pela proposta, mas nós somos 15 mil transportadores na cidade e pelo menos mil já tiveram de devolver as vans para o banco, pois não aguentaram pagar o financiamento. A volta às aulas com 35% da capacidade das escolas não nos ajudou, pois quem levava 12, 15 crianças, passou a levar cinco. Não dá para pagar nem a gasolina”, diz.

Os interessados participaram de reunião na empresa, na última sexta-feira (26), onde foi explicado como será o trabalho. Compareceram cerca de 150 donos de vans, o triplo das vagas ofertadas, sendo ao menos a metade de transportadores escolares.

“Financeiramente, a proposta era até boa, mas vi que não tenho condições psicológicas de transportar caixões. Eu arrumei outro trabalho que paga bem menos, mas entendo a situação de quem aceitou”, diz Sandra Ribeiro, que trabalha há 20 anos com transporte escolar, e participou da reunião.

A Folha falou com três transportadores escolares que aceitaram o trabalho, mas pediram para não ter o nome divulgado, pois temem não conseguir de volta os clientes quando as aulas forem retomadas.

A empresa ofereceu o valor de R$ 28 por hora, com o mínimo de 12 horas de trabalho diárias, por 30 dias seguidos, sem folga, o que totaliza pouco mais de R$ 10 mil de remuneração. O combustível e os demais gastos com o veículo ficam a cargo do proprietário.

Os motoristas vão trabalhar nas regiões em que moram, fazendo o traslado dos corpos entre hospitais e cemitérios. Os que vão trabalhar na região em que os sepultamentos estão sendo feitos até as 22h —como nos cemitério da Vila Formosa, São Pedro (ambos na zona leste), São Luiz (zona sul) e Vila Nova Cachoeirinha (zona norte)— já foram avisados que poderão ter a jornada diária estendida.

Segundo informado na reunião, os corpos serão em caixões lacrados. Os motoristas, com auxílio de um ajudante, terão de colocar e retirar os esquifes do veículo. Os auxiliares receberão, por mês, R$ 1.300 por seis horas diárias de trabalho e serão registrados pela empresa Era Técnica.

Com a contratação, segundo a prefeitura, a frota do Serviço Funerário, que hoje conta com 45 veículos, mais do que dobra. A medida foi tomada diante da disparada do número de sepultamentos na cidade. Nos últimos cinco meses, houve um acréscimo de 45,3% nos enterros —saindo de 5.595 em outubro para 8.128 até 27 de março.

Durante essa semana, os condutores e auxiliares estão passando por treinamento. Nesta segunda (29), eles já receberam os uniformes da empresa e os kits com equipamentos de proteção, compostos por aventais, luvas, máscaras, face shield —tudo descartável, que deve ser trocado a cada viagem.

Os veículos também passarão por adaptação. Eles terão as faixas de identificação externa retiradas, bem como os assentos internos de passageiros. Os vidros receberão película escura.

Como as modificações serão feitas pelos proprietários, ficou combinado que, ao final da prestação do serviço, a empresa fará a higienização completa dos carros e pagará R$ 500 aos condutores para que recoloquem as faixas de identificação nas vans.

“Eu sei que corro risco de pegar Covid, mas tenho duas prestações atrasadas da minha van no valor de R$ 2.900 cada uma e a de março já vai vencer. É a chance de eu pagar pelo menos duas e não perder meu carro”, diz um dos transportadores que aceitou o trabalho.

A Prefeitura de São Paulo informou, por meio de nota, que “tem realizado esforços para dar agilidade ao serviço nesse período de pandemia com o objetivo de reduzir o sofrimento dos familiares”.

A gestão Covas ainda destacou que o contrato foi realizado de forma “transparente e em consonância com a legislação vigente” e que não há contratação de veículos escolares que prestam serviço para a rede municipal de educação. As vans iniciariam os trabalhos nesta segunda, de acordo com a nota.

A Folha tentou contato com a Era Técnica por e-mail e telefone nesta segunda, mas não recebeu retorno até a publicação desta reportagem.

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