Após denúncia do MPF, gerente de transportadora do interior paulista virou réu por trabalho escravo
Empresa aproveitou da vulnerabilidade de motoristas estrangeiros para submetê-los a abusos e condições precárias
A pedido do Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal instaurou uma ação penal contra o gerente da Transportadora Sider por manter 23 motoristas em condições análogas à escravidão. Os trabalhadores, todos estrangeiros, cumpriam jornadas exaustivas e sujeitavam-se a situações degradantes nas unidades da empresa, em Limeira e Jacareí (SP).
As ilegalidades foram praticadas pelo menos de abril de 2019 a março de 2021, levando uma contratante da transportadora, a Cervejarias Kaiser do Brasil (do grupo Heineken), à chamada “lista suja” de empregadores, divulgada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) neste mês.
Entre as vítimas, havia 22 venezuelanos e um haitiano. Os motoristas foram contratados pela Sider por meio da chamada Operação Acolhida, de apoio emergencial a estrangeiros que ingressaram no Brasil pela fronteira com Roraima devido à crise na Venezuela. A transportadora aproveitou-se do estado de extrema vulnerabilidade dos trabalhadores para submetê-los a condições precárias e abusivas.
Fiscais do MTE realizaram inspeções nas duas unidades da empresa em 2021 e puderam testemunhar as ilegalidades. Os agentes constataram que os motoristas trabalhavam praticamente todos os dias, sem usufruírem de folgas semanais remuneradas. Embora cláusulas pré-contratuais previssem expressamente a disponibilização de alojamentos, os caminhoneiros não tinham locais apropriados para o descanso e, sem ter para onde ir, faziam das boleias suas próprias residências.
Segundo o gerente da Sider, a transportadora pagava R$ 500 mensais para que os empregados pudessem se hospedar em hotéis uma vez por semana e descansar. Mas as investigações apontaram fortes indícios de que o valor correspondia, na verdade, a uma bonificação da empresa para a compra das folgas. Necessitados, os trabalhadores acabavam aceitando a oferta e abrindo mão dos dias de repouso, como demonstram documentos e dados de rastreamento das carretas.
No pátio da unidade de Jacareí, os fiscais encontraram uma situação alarmante. Instalações elétricas improvisadas e iluminação insuficiente colocavam a segurança dos trabalhadores em risco. O local dispunha de um banheiro com chuveiro para o uso de todos os trabalhadores, que formavam filas diárias para tomarem banho. Eles também eram obrigados a compartilhar um refeitório subdimensionado e a enfrentar a falta de água potável.
Segundo o MPF, atualmente, a configuração do trabalho escravo não depende da restrição de locomoção de empregados ou da execução de atividades forçadas. “A escravidão contemporânea caracteriza-se sobretudo quando o trabalhador é tratado como coisa, e não como ser humano. Assim, ao serem submetidas a jornadas exaustivas e a condições degradantes de trabalho, as vítimas foram reduzidas à condição análoga à de escravo”, pontuou o Ministério Público na denúncia que gerou a ação penal contra o gerente da Sider.
Informações: MPF
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