Há um mês em casa, estudantes vão das classes virtuais ao ócio total
No Rio de Janeiro, os alunos da rede municipal, que são 650 mil distribuídos em 1.541 escolas, fechadas desde o dia 16, podem acompanhar o conteúdo previsto para cada semana de aula pelo aplicativo SME Carioca 2020
Há quase um mês com escolas fechadas por causa da pandemia, alunos das redes pública e particular pelo país vivem diferentes realidades, que vão desde assistir aulas virtuais pela TV ou internet, com o esforço individual de professores em atualizar as turmas, até crianças totalmente paradas em casa, sem nenhum tipo de estudo.
No Rio de Janeiro, os alunos da rede municipal, que são 650 mil distribuídos em 1.541 escolas, fechadas desde o dia 16, podem acompanhar o conteúdo previsto para cada semana de aula pelo aplicativo SME Carioca 2020. A plataforma pode ser usada em celular ou computador.
Segundo a Secretaria de Educação, já foram 2,2 milhões de acessos. O uso é livre e, por isso, está sendo acessado também fora da cidade e em outros países. As atividades, no entanto, não são obrigatórias.
Já a rede estadual, que tem 700 mil alunos, fechou uma parceria com o Google para que alunos e professores tenham acesso ao Google Sala de Aula. Segundo a pasta, os estudantes que não tenham internet receberão o material impresso e chips de celular com dados de internet.
Desde o dia 30, alunos e professores estavam testando a plataforma, e as aulas começaram no dia 13. Também serão transmitidas aulas pela televisão, nos canais abertos Band e Alerj, e no fechado Futura.
No Rio Grande do Sul, sem aulas online, os alunos da rede estadual dependem das iniciativas individuais de cada professor. O governo de Eduardo Leite (PSDB) chama a medida de “aulas programadas”.
Apesar de possuir uma televisão pública, a TVE-RS, o Rio Grande do Sul não tem projeto para transmitir aulas pelo canal, como já fazem São Paulo e Amazonas. O governo gaúcho também não distribuiu os livros didáticos para as famílias realizarem atividades em casa.
Professores e alunos da rede estadual esbarram na dificuldade de acesso à internet e computadores adequados para realização das atividades. Muitos apenas têm celular que, com tela pequena, dificulta o processo de copiar os conteúdos no caderno.
Na área rural, as dificuldades são ainda maiores. Na rede municipal de educação de São Gabriel, a 300 km de Porto Alegre, na região da campanha, as famílias buscam as atividades enviadas pelos professores no ponto de ônibus onde as crianças costumavam embarcar para ir à escola. O transporte das atividades é feito por empresas de ônibus que atuam na cidade e no transporte escolar público.
“Uso de internet na nossa realidade é impossível. Não é democrático, não são todos que conseguem acompanhar. Por isso, mandamos as tarefas impressas e as famílias entregam ao motorista as tarefas feitas”, explica Eduardo Pastorio, professor de Geografia.
Em Minas Gerais, desde a suspensão das aulas, alunos ficaram sem acesso a atividades ou conteúdos para seguir estudando. Nesta semana, o estado começou o retorno gradual, de forma remota, mas atividades para estudos não presenciais ainda estão sendo desenvolvidas pela Secretaria de Educação. A previsão é que as aulas se iniciem no dia 4 de maio.
Rebeca de Oliveira, 16, aluna do segundo ano do ensino médio, na rede estadual, em Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte, quer tentar vestibular para medicina no ano que vem e ficou preocupada com a suspensão. “Tenho estudado em casa por conta própria, mas não é a mesma coisa”, diz ela.
As aulas ao vivo do curso pré-vestibular online que ela havia começado em fevereiro, para se preparar para o Enem e o vestibular, também foram suspensas com a pandemia. Caso o estado disponibilize aulas online, acesso à internet e computadores poderiam ser um problema para muitos colegas, diz ela. “Eu mesma não tenho [computador], tento estudar pelo celular da maneira que posso, mas tem muita coisa que não é possível fazer por ali”.
Enquanto isso, no Colégio Bernoulli, escola privada em BH, alunos estão tendo aulas ao vivo e videoaulas pela internet desde o início da suspensão. Alunos do ensino médio e pré-vestibular foram priorizados para não serem prejudicados na preparação para o Enem e provas para entrar nas universidades.
A escola, que costuma ocupar os primeiros lugares do Enem no país, possibilita também monitoria online, para esclarecer dúvidas, e suporte psicológico. Vai manter o calendário de simulados, realizando as provas pela internet.
“É um ambiente muito mais fácil de você se distrair, de procrastinar. É um ambiente novo, que eu não estava acostumado, mas, por enquanto, estou conseguindo tirar proveito”, conta Luiz Barcelos, 17, aluno do Bernoulli, que também busca uma vaga para medicina. “As aulas mantiveram a mesma qualidade, é mais a questão de não ter o mesmo contato com o professor, com outros alunos, que muda”.
No Espírito Santo, programas com atividades pedagógicas não presenciais começaram a ser transmitidos na TV aberta nesta quarta-feira (15), com previsão de chegar aos 240 mil alunos da rede estadual. Os programas foram cedidos pelo governo do Amazonas e terão exibições às segundas, quartas e sextas, com reprises, em três canais abertos da rede Sim, que transmite a Record News.
O estado também desenvolveu um aplicativo no qual estudantes e professores têm acesso à plataforma Google Sala de Aula e podem falar sobre conteúdos. “Nós estamos contratando as operadoras que atuam no Espírito Santo e irão transmitir os dados por esse aplicativo gratuitamente”, afirmou o governador Renato Casagrande (PSB).
Na Bahia, onde a suspensão das aulas foi prorrogada até 3 de maio, a secretaria de Educação ampliou a oferta de conteúdos didáticos e vídeos de aulas em seu site. A emissora pública TVE também passou a transmitir por duas horas diárias a programação Estude em Casa, desenvolvida pelo Canal Futura.
Também foram disponibilizadas sugestões de roteiros de estudos para os estudantes do Ensino Fundamental e Ensino Médio, com cronograma para a realização de exercícios.
Em dois colégios estaduais da zona rural do município de Boa Vista do Tupim, na Chapada Diamantina, foram criados grupos no aplicativo WhatsApp para o envio de videoaulas e de textos para os alunos. No aplicativo, os professores enviam cronogramas de estudos e tiram dúvidas dos estudantes.
A iniciativa, contudo, esbarra no cenário de pobreza da região, na qual parte dos alunos não possui computadores em casa nem acesso à internet. De acordo com coordenadora pedagógica Thaís Pinheiro, que atua nos dois colégios, estudam-se formas como imprimir as atividades e entregá-las na casa dos alunos sem internet.
Em uma escola estadual em Capim Grosso, salas de aula virtuais foram adotadas como alternativa para manter os estudantes ativos. Além de seguirem um plano de estudo e de exercícios, também são propostas atividades lúdicas como um desafio de leitura, no qual os alunos são estimulados a lerem, no mínimo, 20 páginas por dia de um livro de sua preferência.
No Paraná, o governo Ratinho Jr. (PSD) contratou por R$ 2,7 milhões a RIC, afiliada da Record no estado, para transmitir as aulas para alunos da rede estadual de ensino. Segundo a Secretaria de Educação, a emissora apresentou o menor preço e atendeu a todos os requisitos da licitação, que exigia três canais, sinal digital e programação de segunda a segunda-feira.
A transmissão não foi possível pela TV estatal Paraná Turismo, pois ela dispõe de sinal digital apenas em Curitiba, com possibilidade de fracionamento em apenas um multicanal. Já a SBT – Rede Massa, que pertence à família do governador, e a Rede Globo – RPC não apresentaram ofertas. O estado suspendeu as aulas presenciais no dia 20 de março.
A APP-Sindicato, que representa os professores, aponta, no entanto, que a emissora contratada não possui sinal em 114 dos 399 municípios do Paraná. A alternativa dada aos estudantes é acompanhar as aulas pelo Youtube ou por um aplicativo criado pelo governo.
Para Galileu de Souza, 16, a qualidade do material oferecido deixa a desejar. “A gente mal consegue ler o que está escrito porque a gravação é muito ruim e o aplicativo nem funciona, abre e já fecha”, conta o estudante do 3º ano do ensino médio.
Galileu mora na área rural do município de Pitanga, região central do estado. Sem o sinal da TV, ele também relata dificuldades na conexão de internet. Preocupados com o vestibular, o estudante e outros colegas estão recorrendo a outros vídeos disponibilizados na rede. “Estou tentando correr atrás de conteúdo que venha a cair [no vestibular], já que há uma defasagem gigante no que eu poderia aprender”.
O ajudante de pedreiro José Carlos Teles também mora na área rural de Pitanga e vê o filho Leonardo com dificuldades para acessar o conteúdo das aulas. Para ele, o governo tem aproveitado a situação de crise para implantar o ensino à distância nas escolas. “Pra mim, é uma jogada do governo para terceirizar a educação, querem fingir que a ferramenta funciona”.
Mãe de uma aluna que está no 2º ano do ensino médio no Colégio Estadual do Paraná, em Curitiba, Zeni Pereira coletou 55 assinaturas de pais contrários ao sistema virtual de ensino. “Minha filha entende que passaria de ano, mas sem saber a matéria. Preferimos que ela repita o ano do que passe sem saber e sofrer no próximo ano [com o vestibular]”.
Pereira reclama que não houve consulta do governo do estado aos pais de alunos e que a medida contraria deliberação do conselho estadual de educação. Em conjunto com outros pais, ela também organiza um pedido de suspensão das aulas junto ao Ministério Público. Procurada, a Secretaria de Educação não respondeu às críticas apontadas pelos usuários do sistema.
Também há adaptações nas cidades paulistas, como Santos, onde as aulas estão suspensas desde o dia 20 de março. A Secretaria Municipal de Educação lançou, cinco dias depois, uma plataforma no portal da prefeitura que disponibiliza atividades educativas, desenvolvidas por profissionais da rede municipal para contribuir com a rotina diária de crianças, adolescentes, famílias e professores.
Maria Helena Marques, chefe do departamento pedagógico da Secretaria de Educação de Santos, explicou que se trata de uma possibilidade de educação remota, não um ensino à distância, pois não tem como se garantir que 100% dos alunos consigam acessar. No momento, os estudantes estão em recesso, adiantado de julho e dezembro.
Do dia 24 até o dia 3 de abril, quando foi anunciado o recesso, dos 17.041 acessos ao portal da prefeitura de Santos, 16.785 pessoas, ou 98,5%, foram para a página destinada ao ensino remoto. Porém, desde o dia 6, início das férias oficiais, o acesso caiu de 2.000 visitas diárias para cerca de 600, entre os alunos do ensino fundamental 2, com mais de 5.000 crianças matriculadas nesse segmento.
“A gente não tinha o hábito disso em casa. Mas é importante para as crianças entenderem o que está acontecendo e não se sentirem tão distantes da rotina escolar. Digo para a minha filha que depois a professora vai perguntar, depois os outros amigos estão ouvindo a mesma história, cada um na sua casa”, disse Vanessa Aires, 40, que é mãe de Mariana, 5.
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