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‘Nosso medo é a Justiça não ser feita’: o drama dos familiares de vítimas de feminicídio em Limeira

Familiares e amigos de vítimas de feminicídio em Limeira relatam medo que passaram e receio de que a Justiça solte envolvidos no crime


Por Redação Educadora Publicado 24/04/2022

“Ela tinha muito medo de morrer. Tanto que quando a gente ia sair, eu tinha que dar a volta na casa dela para ver se ele não estava por perto. O medo que ela tinha de ele fazer alguma coisa comigo e com a mãe dela era maior, porque se ele me visse junto com ela, ia ser as duas”. A fala da gerente de departamento pessoal Domitilla Regina Ribeiro de Souza é uma marca dos últimos dias de vida da melhor amiga, a vendedora Priscila Munhoz, morta a tiros aos 26 anos pelo ex-namorado.

O crime aconteceu no final da tarde do dia 22 de outubro de 2013, na loja onde Priscila trabalhava, no Centro de Limeira. O ex-companheiro dela entrou no estabelecimento com um revólver, atirou na jovem e, em seguida, disparou contra si mesmo. Os dois chegaram a ser socorridos, mas Priscila morreu a caminho do hospital. O agressor morreu momentos depois.

As agressões sofridas por Priscila duraram seis anos e iam de ameaças verbais até ataques físicos. Segundo Domitilla, O início do namoro foi tranquilo, mas ele se tornou uma pessoa agressiva depois de sofre um acidente de trânsito, no qual uma das vítimas morreu. Depois disso, ele começou a usar drogas. A amiga diz que ela já tinha uma medida protetiva e já havia registrado boletim de ocorrência. Mas nada adiantava. “Ele bateu nela na minha frente porque não aceitava a nossa amizade. Ele dizia que eu ia levar ela para outro caminho. Uma vez a tia dela a convidou para passar o Natal com a família, mas o namorado não aceitou. Depois das festas, ela me contou que tinha passado a noite toda com uma faca no pescoço. Tudo isso porque ela havia sido convidada para passar o Natal com a família”, contou a amiga ao programa Bastidores, da Educadora, na última terça-feira (19).

O relacionamento acabou quando ele foi internado em uma clínica de reabilitação. Domitilla relata, também, que ele ameaçou Priscila no momento em que foi deixado na clínica. Ele ficou internado por seis meses. O crime aconteceu assim que ele saiu da clínica. “Uma vez estávamos andando de carro e passamos em frente ao cemitério. Ela olhou pra mim e disse ‘olha, eu vou ficar aqui’. E eu respondi, disse para ela parar de falar besteira. Então ela me perguntou se eu ia sentir saudade dela, e eu disse que não, porque ela não ia morrer, e ela disse que se eu não sentisse a falta dela, ela iria vir puxar o meu pé. Isso foi num domingo. Na outra terça-feira, ela foi assassinada”, contou.

'Nosso medo é a Justiça não ser feita': o drama dos familiares de vítimas de feminicídio em Limeira
Foto: Roberto Gardinalli

REGISTROS DE FEMINICÍDIO

O sistema de registros da Polícia Civil do Estado de São Paulo só possui dados relacionados a casos de feminicídio a partir do ano de 2019. Segundo os registros, entre janeiro de 2019 e abril de 2022, oito casos de feminicídio foram registrados – um em 2019, quatro em 2020, dois em 2021 e um em 2022. A dona de casa Rosângela Basílio foi morta a tiros pelo ex-marido em 2020.

De acordo com relatos dos familiares, o ex-marido de Rosângela constantemente a ameaçava, até que passou a ameaçar o filho dela, que tinha 12 anos na época. Segundo o boletim de ocorrências, o homem foi até a casa em que ela morava com o garoto e atirou primeiro contra ele. O menino foi atingido no braço e de raspão na barriga. Então, ela entrou na frente do filho para protegê-lo, momento em que o ex-marido atirou contra o peito dela e, em seguida, na cabeça. Ela morreu na hora. Minutos depois do crime, o homem se entregou à polícia. Ele já havia sido preso por matar uma pessoa na cidade de Brotas, interior de São Paulo.

“Ele começou a ameaçar a vida do meu sobrinho. E ele sabia que ela ia dar a vida por ele. No dia, ele não foi para matar ela. Ele foi para matar o o meu sobrinho”, diz o pedreiro Paulo Basílio, irmão de Rosângela. “Sinceramente, esse é, de fato, um caso de feminicídio, em que o homem mata a mulher simplesmente por ela ser mulher”, finaliza. Rosângela tinha medida protetiva contra o assassino.

'Nosso medo é a Justiça não ser feita': o drama dos familiares de vítimas de feminicídio em Limeira
Foto: Roberto Gardinalli

MEDIDAS

Dois anos depois o assassinato de Priscila Munhoz, em 2015, a Câmara de Limeira aprovou uma lei que trouxe para a cidade o dispositivo conhecido como “botão do pânico”. De autoria da então vereadora Erika Tank (PL), a lei levou o nome de Priscila Munhoz. Segundo o texto, tem direito ao botão mulheres vítimas de violência doméstica que possuem medida protetiva contra o agressor. Em caso de acionamento, a Guarda Civil Municipal é acionada para atender à ocorrência. Limeira foi a primeira cidade do interior de São Paulo a adotar o botão do pânico.

“Por mais difícil que seja, em caso de violência, as mulheres devem alertar os familiares sobre o que está acontecendo. É difícil porque, além das ameaças, é um relacionamento em que o sentimento esteve presente, e às vezes as vítimas querem blindar seus familiares disso”, disse a vice-prefeita Erika Tank (PL), em entrevista ao programa Bastidores. “Além disso, tem que fazer a denúncia. Nós temos disponível na nossa cidade o botão do pânico, a casa de apoio à vítima de violência e à família, a Rede Elza Tank, a Patrulha Maria da Penha. Mas, apesar de tudo, os casos continuam acontecendo. Precisamos, mesmo, de uma mudança na nossa cultura. Se a gente for olhar a nossa história, só a diferença de tempo até a mulher começar a votar, são 400 anos. Toda essa trajetória ainda faz com que o homem se sinta dono. E esse é o principal problema. O homem não pode achar que pode decidir sobre a vida da mulher”, finalizou a vice-prefeita.

Mesmo com os dispositivos legais, os familiares e amigos das vítimas ainda têm medo do que pode acontecer. Paulo, irmão de Rosângela diz que o medo é de que a Justiça não seja feita, e que o algoz de sua irmã seja solto novamente. “O grande pesadelo que a família vive todos os dias é o de que a Justiça não seja feita. Ele já mostrou que ele é um risco à sociedade. Ele acredita na versão de que ele agiu sob forte emoção, e o nosso medo é o de que o júri popular olhe para essa versão e acredite e solte ele”, diz.

Domitilla relata que tinha medo de ela e Priscila serem mortas juntas pelo ex-namorado da amiga. Para ela, apesar das medidas que visam proteger as mulheres, ainda há muito o que ser feito. “Muita gente fala do botão do pânico, o que foi ótimo. Mas ao mesmo tempo, a gente percebe que só funciona para quem tem medo de ser preso, porque se o homem estiver na esquina e você aciona o botão, ele pode por a arma na sua cabeça na hora”, desabafa.

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