Buenos Aires tenta voltar ao normal após morte de Maradona
Despedida do ex-jogador gerou tumulto na capital argentina
Quando o relógio passou da meia-noite e começou o dia 27 de novembro, Diego Armando, 33, tirou o carro da garagem e começou a trabalhar pelas ruas de Buenos Aires.
Para o passageiro que entra no seu veículo e vê o nome do motorista, a pergunta não demora a chegar. Nunca falha. “Você se chama Diego Armando por causa do Maradona?”.
O motorista quase sempre responde que não, para evitar muitas explicações. Mas essa não é a realidade. “A verdade é que meu pai me colocou esse nome por causa de Maradona. Ele tinha prometido que, se a Argentina vencesse a Copa do Mundo [de 1986], batizaria o primeiro filho em homenagem ao capitão da seleção”, explica.
Quem usava a braçadeira era o camisa 10. “Não saí de casa durante todo o dia. Só havia confusão e aglomerações no centro [de Buenos Aires]. Decidi que só começaria a trabalhar quando tudo acabasse. Gosto de futebol, mas não entendo esse fanatismo todo”, completa Diego Armando.
Desde 1976, quando Maradona estreou no profissional, 12.370 crianças foram registradas com o mesmo nome no país.
No início da madrugada, toda a movimentação relacionada ao velório de Maradona na Casa Rosada, sede do governo, estava próxima de acabar. Os policiais tiravam as barreiras colocadas para restringir a passagem do público em prédios importantes da Praça de Maio, como a Catedral Metropolitana e o Banco de la Nación.
“Agora já estamos terminando. Você tinha de ver como estava isso aqui há duas horas. Eu já esperava que teria muito trabalho. Preferia não ter de fazer isso. Não por causa da quantidade de lixo, mas porque queria muito que Diego estivesse vivo. O vazio que ele deixa nunca será preenchido”, diz, com vassoura em uma das mãos, Eduardo Correa, 46, empregado da limpeza pública da prefeitura da capital.
Enquanto ele varria, um caminhão de limpeza jogava água nas ruas em volta da praça, onde milhares de pessoas se concentraram por horas a fio desde quarta (25).
Correa dizia faltar ainda procurar por latas e vidros na praça, mas dois catadores vasculhavam o local para recolhê-las e vender durante o dia.
Fotos, cartazes, flâmulas e camisas colocadas em homenagem a Maradona nos portões da Casa Rosada foram deixados intactos. Do portão para dentro, oficiais estavam de vigia, mas conversavam de forma distraída. A reportagem da Folha tentou perguntá-los até quando as homenagens continuariam no local, mas um deles sinalizou que não poderia dar entrevista.
“Eu já esperava que veríamos comoção, mas também haveria baderna. Não foi a primeira vez. Foi uma pena, porque Diego não merecia isso. Nunca o encontrei em pessoa e quase não o vi jogar. Ele deu tantas alegrias ao povo argentino que o velório deveria ter continuado para que mais gente pudesse vê-lo. Mas estava muita bagunça”, comentou Osvaldo Daniel, 30, segurança noturno de um prédio na Reconquista, rua próxima à Praça de Maio.
“As coisas têm de voltar ao normal. É a vida”, concluiu.
Não para todos. Mesmo de madrugada, turistas tiravam fotos, assim como torcedores com as camisas da Argentina, do Boca Juniors, Newell’s Old Boys e Argentinos Juniors (times onde Diego atuou no país, além da seleção).
Sentado ao lado de sua bicicleta, com uma lata de cerveja na mão e um reprodutor de música próximo, estava Ezequiel Martini, 35.
Com olhar fixado em uma pintura do rosto do jogador feita no meio da praça, ele colocava para tocar músicas escolhidas. O som ecoava até os portões da Casa Rosada. Entre elas, “Y dale alegría a mi corazón”, de Fito Paez.
“Escute isso”, ele pede, enquanto a voz do cantor diz “dale alegría, alegría a mi corazón, que ayer no tuve un buen día, por favor. Y dale alegría, alegría a mi corazón. Que si me das alegría estoy mejor”. (Dê alegria, alegria ao meu coração, que ontem não tive um bom dia, por favor. E dê alegria, alegria ao meu coração. Que se me dá alegria, estou melhor).
Martini espera esse trecho acabar. “Me disseram que as pessoas poderiam não gostar da música, mas eu as estou tocando em homenagem a Diego”, afirma.
O DJ improvisado reconhece ter visto pouco de Maradona. Acompanhou apenas a fase final de sua carreira. Mas da mesma forma que ele, milhares de pessoas jovens demais para ver o auge do craque se comoveram com a morte do camisa 10.
Os olhos de Martini, que veste agasalho azul do Boca Juniors, se enchem de lágrimas.
“Nós, argentinos, somos vistos como arrogantes. Mas Diego nos tirou do chão. Quatro anos antes da Copa de 1986, garotos como ele estavam morrendo na guerra. Maradona nos deu tanto e nos últimos anos passou muito mal. Eu gosto de ver os gols, a picardia e a rebeldia que tinha em campo. Toda criança sonha jogar em sua seleção e ganhar a Copa do Mundo. Ele conseguiu. Nunca ninguém vai chegar perto dele”, discursa.
Com o passar dos minutos e ao se aproximar a primeira hora desta sexta, a Praça de Maio, a mais importante e conhecida da Argentina, começa a ficar deserta.
“Por enquanto, não vou embora. Vou ficar mais um pouco, beber as minhas cervejas e pensar em Diego”, completa Martini, que apenas esboça uma reação ao ouvir que a vida em Buenos Aires, aos poucos, volta ao normal. “É verdade. Mas não será agora.”
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