Vaticano admite que João Paulo 2º sabia de alegações de abuso sexual ao promover arcebispo
Ex-cardeal e arcebispo de Washington Theodore McCarrick foi expulso da Igreja Católica a pedido do papa Francisco, em 2019, após evidências de que ele abusou sexualmente de menores
Um relatório divulgado pelo Vaticano nesta terça-feira (10) sobre o ex-cardeal e arcebispo de Washington Theodore McCarrick revela que o americano progrediu em posições de prestígio dentro da Igreja Católica apesar de ter sido alvo de repetidas acusações de má conduta sexual.
O documento foi construído ao longo de dois anos a pedido do papa Francisco, que expulsou McCarrick em 2019 depois de uma investigação apontar que ele cometeu abuso de poder e crimes sexuais contra menores e adultos. O cardeal tornou-se o primeiro a ser expulso da Igreja Católica por esses motivos.
“Durante entrevistas extensas, muitas vezes emocionais, as pessoas descreveram uma série de comportamentos, incluindo abuso sexual ou agressão, atividade sexual indesejada, contato físico íntimo e compartilhamento de camas sem contato físico”, diz a introdução do texto.
Com depoimentos de 90 testemunhas, além de dezenas de cartas e transcrições do Vaticano e da Igreja Católica dos EUA, o relatório aponta que não havia “evidências credíveis” de que Mccarrick abusou sexualmente de menores nos anos 1970, quando ele ainda era padre –e que tais acusações só vieram à tona em 2017.
Entretanto, segundo o documento, a cúpula da Igreja Católica americana passou a saber da existência de inúmeros rumores sobre McCarrick assediar seminaristas a partir da década de 1980, após ele se tornar bispo. O relatório considera que as investigações dessas alegações tiveram uma “natureza limitada”.
Em 1999, um cardeal desaconselhou o então papa João Paulo 2º, cujo pontificado durou de 1978 até 2005, a promover McCarrick ao posto de arcebispo por conta dos rumores. O papa, então, solicitou que uma investigação fosse feita pelo embaixador do Vaticano nos Estados Unidos.
Ao fim das apurações, foi determinado que McCarrick “dividiu a cama com homens mais jovens”, mas não houve confirmação de que ocorreram atos sexuais. O então bispo negou as acusações, e segundo o relatório, sua resposta convenceu o papa.
Sendo assim, em novembro de 2000, João Paulo 2º nomeou McCarrick como arcebispo de Washington, umas das posições mais prestigiosas dentro da Igreja Católica dos EUA e que o consagrou como um dos cardeais de maior projeção internacional do país, além de se tornar um prolífico arrecadador de fundos para a Santa Sé.
McCarrick ocupou o posto até 2006, quando o papa Bento 16 pediu que ele saísse do cargo, após novas alegações de abuso sexual terem surgido de uma vítima identificada como “Padre 1”.
O relatório afirma que uma investigação canônica chegou a ser cogitada à época, para “determinar a verdade” e possivelmente fazer o cardeal de exemplo, porém a ideia foi rejeitada por Bento 16, que provavelmente considerou que não havia “alegações consistentes de abuso sexual infantil” e “indicações de má condutas recentes”, diz o texto.
Em vez disso, McCarrick foi orientado a “manter um perfil discreto e minimizar as viagens para o bem da Igreja”, mas continuou representando a instituição em compromissos públicos. Por fim, o documento ainda revela que em 2013, o recém-eleito papa Francisco preferiu não tomar novas medidas relacionadas às acusações sobre o cardeal.
“Acreditando que as alegações já tinham sido revistas e rejeitadas pelo papa João Paulo 2º, e bem ciente de que McCarrick estava ativo durante o papado de Bento 16, o papa Francisco não viu a necessidade de alterar a abordagem que tinha sido adoptada em anos anteriores”, afirma o relatório.
A postura do pontífice mudou em 2017, quando veio à tona a acusação de que o ex-arcebispo havia abusado sexualmente de um menor em 1970, iniciando as investigações que culminaram em sua expulsão, dois anos depois.
McCarrick diz não ter nenhuma lembrança de ter cometido abuso sexual infantil e nega as acusações de má conduta sexual contra adultos. Aos 90 anos, ele vive de forma reclusa no estado do Kansas, nos Estados Unidos. Ao ser expulso, punição mais severa que um prelado pode sofrer, ele perdeu todos os direitos e prerrogativas de um sacerdote.
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