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‘Estamos perdendo o controle da cadeia’, diz agente penitenciário de SP sobre tensão do coronavírus

No CDP de Caraguatatuba, segundo o agente, houve briga generalizada por desentendimento dos presos nos dias 4 e 29 de março


Por Folhapress Publicado 17/04/2020
Arte Educadora

R. F., 39, é responsável por um dos oito pavilhões do CDP (Centro de Detenção Provisória) de Caraguatatuba, no litoral paulista. Por lá, ele diz sentir uma escalada na tensão diária. Em um mês, viu acontecer duas brigas generalizadas e três princípios de motins – transgressões que eram raras antes da pandemia de coronavírus.

Cada pavilhão tem oito celas, que deveriam abrigar 12 presos, só que chegam a ter 26 -mais que o dobro. No total, são 1.300 presos, quando a capacidade é para 847. A unidade não tem enfermaria, que está interditada. A cada 15 dias, recebe itens de higiene, mas, segundo o agente, não duram uma semana. O presídio também deveria ter cerca de 30 agentes, mas tem 14.

“As duas coisas vão acontecer: a doença se espalhar entre os presos e a rebelião. A gente só não sabe quando, mas chamamos de vírus da rebelião. Quando tiver um, dois, três detentos morrendo por falta de assistência..”, diz ele, que trabalha no sistema penitenciário desde 2011 e pediu para não ser identificado, com medo de represálias.

Antes, R. F. passou pela antiga Febem, hoje Fundação Casa, que custodia adolescentes infratores. Lá, enfrentou as mega rebeliões do início dos anos 2000. “Estamos vendo a história se repetir. A gente está perdendo o controle da cadeia.”
Hoje, não há nenhum preso com confirmação da Covid-19, mas 48 detentos estão isolados com suspeita, aguardando resultados de testes.

No CDP de Caraguatatuba, segundo o agente, houve briga generalizada por desentendimento dos presos nos dias 4 e 29 de março.

Também ocorreram dois princípios de motins no dia 16 de março, quando houve rebeliões e fugas em ao menos quatro unidades do estado, após a Justiça determinar o cancelamento da saidinha temporária de cerca de 30 mil detentos.
“A sorte foi que os presos ficaram sabendo [da decisão judicial] depois de 18h, quando as celas já tinham sido trancadas. Aí foi possível conter”, diz.

Quando começaram a ser bloqueadas as visitas da familiares, outra iminência de rebelião. “Eles gritavam, ameaçavam quebrar tudo, se recusavam a entrar para a cela.”

É que, além do fim das saidinhas e da paralisação de vários trâmites judiciais, sem as visitas, os presos deixam de receber os itens que o Estado não fornece ou fornece de forma insuficiente -de higiene a alimentação. Além de cigarro e drogas ilícitas, que entram no sistema apesar da fiscalização.

O jumbo -como é chamada a bolsa que leva itens para dentro das prisões nas visitas- agora só pode ser entregue pelos Correios. Mas familiares relataram à reportagem que, em alguns casos, o material tem sido devolvido.

Segundo o agente, cartas enviadas para ou pelos presos também não têm sido entregues.

Por outro lado, o entra e sai diminuiu, com menos atendimento de advogado, oficiais de Justiça e idas ao médico. Os novos detentos têm ficado em uma ala isolada de quarentena. O que preocupa o agente é que eles não receberam orientação para identificar os presos com sintomas do novo coronavírus.

“A Covid-19 eu vou trazer para casa, [com] a rebelião pode ser que eu não volte para casa”, diz R. F., que trabalha em escala de 12h por 36h e ganha R$ 3.400 mensais.

Agora, a falta de insumos básicos para trabalhar também tem pesado mais, conta. “A gente sente o déficit funcional e de recursos. Não temos ferramentas para apagar tantos incêndios.”

A mesa que têm, diz, foi improvisada com sucata de ferragem. “Se eu não levo uma caneta, não faço registro das ocorrências”, afirma. Também não há álcool em gel, máscara, nem mesmo papel higiênico, sempre segundo o agente.

Falta ainda medicamentos básicos para os presos. “Parece bobagem, mas, se você tem uma dor de dente, você vai na farmácia e compra um remédio. Mas ali ele está preso e não tem o medicamento. Isso vira um problema, potencializado pela superlotação, pela alimentação cada vez mais escassa e pelo medo do coronavírus”, diz. “Sem recurso técnico, tem que fazer uso da força.”

OUTRO LADO

Em nota, a SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) de São Paulo, sob gestão de João Doria (PSDB), afirma que vem tomando medidas no combate à Covid-19 dentro das penitenciárias, como o reforço da limpeza das unidades e da distribuição de material de higiene aos presos, como álcool em gel, sabonete e papel higiênico.

Além disso, houve a suspensão de atividades coletivas, e a pasta diz estar fazendo busca ativa para casos similares à doença e monitoramento dos grupos de risco. Também tem restringido a entrada de qualquer pessoa fora do grupo de funcionários.

A entrega do jumbo está ocorrendo normalmente, segundo a secretaria. As razões para a falha podem ser: encomendas fora das especificações, endereço divergente do declarado no cadastro, remetente não listado no rol de visitantes, remetente excluído ou suspenso do rol de visitas.

Os servidores com suspeita da doença estão sendo afastados. Até o momento, 56 foram mandados para o isolamento em casa. Um servidor foi confirmado com a Covid-19.

Os presos que entram no sistema prisional têm passado por quarentena e há agora horários alternados no uso do refeitório e manutenção da distância recomendada entre as pessoas, ainda segundo a SAP.

“Todos os custodiados que apresentem sintomas de quaisquer enfermidades que possam se assemelhar à Covid-19 têm acompanhamento das equipes de saúde, são isolados preventivamente e mantidos em quarentena”, diz a secretaria.

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