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Doria chega a 500 dias de governo ‘transformado’ em presidenciável na pandemia

Políticos da velha guarda que torciam o nariz para Doria, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, passaram a elogiar sua atuação na crise da Covid-19


Por Folhapress Publicado 15/05/2020
Foto: Governo de SP

No dia 28 de fevereiro, João Doria encerrou sua tradicional reunião semanal com o secretariado paulista apresentando David Uip. O tema da Covid-19 emergira de forma definitiva três dias antes, com o primeiro caso confirmado no país, na capital de São Paulo.

Naquela terça de Carnaval (25), o secretário Cleber Mata (Comunicação) sondara o médico Uip e o secretário de Saúde, José Henrique Germann, sobre a criação do Centro de Contingência do Coronavírus.

Ambos toparam, e Doria comprou a ideia e a divulgou na quarta (26). O médico, que viria a pegar a doença e hoje está afastado por outros problemas de saúde, foi anunciado como líder do centro na reunião.

Logo depois, Uip e Doria concederam uma entrevista coletiva. O que o governador tucano não sabia é que seria a primeira de 39 dedicadas ao tema até esta sexta-feira (15), o 500º dia de seu mandato.

O coronavírus redefiniu seu governo como uma trincheira contrária ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e suas políticas negacionistas sobre a doença, com o ônus e o bônus político potencial de tal condição.

A disputa tornou-se encarniçada, mesmo com governadores como o autodeclarado presidenciável Wilson Witzel (PSC-RJ) também escolhendo o lado da orientação médica e criticando Bolsonaro.

A briga teve direito a uma agressiva videoconferência, em 25 de março, na qual Bolsonaro perdeu o controle e acusou Doria de ter usado seu nome para ajudar a se eleger em 2018.

A pecha assusta aliados do tucano, ciosos da inconfiabilidade atribuída a Doria em pesquisas, herança da desavença com o padrinho político, o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB).

O voto BolsoDoria, criado para embalar o segundo turno daquele ano, é uma assombração persistente. O governador traçou uma rota de afastamento gradual do presidente em 2019, por meio de críticas pontuais, mas a pecha se mantinha.

A explicação de que seu passado antipetista radical impediria apoiar outro candidato foi sendo substituída pelo discurso de que se arrependeu do apoio.
A relação, que nunca fora assumida por Bolsonaro, estava azedada no segundo semestre, mas só a pandemia parece ter selado o rompimento em termos de imagem.

O resultado é aferido em pesquisas qualitativas e na inversão da curva de aprovação dos políticos, segundo levantamentos de partidos.
O tucano sempre trabalhou para ser um anti-Lula na política. Bolsonaro ocupou esse lugar em 2018, numa frequência de eleitorado não distante da de Doria. Usando o manto anti-Bolsonaro e antipetista, o governador terá de calibrar um discurso ainda não tentado com sucesso em pleitos.

A crise lhe deu instrumentos políticos. Quase todo gesto do presidente era espelhado por um negativo de Doria, como no caso da recusa em mostrar exames para o novo coronavírus. Os “e daí?” de Bolsonaro sobre mortos ganhavam tuítes de condolências às famílias.

Aos 500 dias de seu mandato, Doria ganhou uma densidade política nacional antes incipiente, melhorando sua interlocução com outros chefes estaduais e em Brasília.

Dois governadores nordestinos ouvidos o elogiam, algo pouco usual por serem de partidos de esquerda.

Isso é muito cálculo antibolsonarista, mas também reflexo da proximidade estimulada por Doria, que coordena informalmente cerca de 20 chefes estaduais numa frente que, na prática, se antagoniza ao Planalto.

A percepção de que o tucano poderia usar esse peso em seu favor em 2022, aliada ao temor de represálias federais, também teve efeitos: Romeu Zema (Novo), da pivotal Minas Gerais, se afastou do grupo.

Políticos da velha guarda que torciam o nariz para Doria, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, passaram a elogiar sua atuação na crise da Covid-19.

Mas, como diz um experiente operador partidário, o desenrolar da tragédia sanitária torna quaisquer prognósticos sobre planos presidenciais uma incógnita.
Primeiro, porque o problema transcende a vontade política. São Paulo tem mais de 4.000 mortos e a economia, motor do país, seriamente afetada pelos efeitos econômicos das quarentenas.

Há dúvidas constantes sobre o tom a adotar, ora mais esperançoso, ora mais sombrio -como aconteceu nesta semana, em preparação para o “lockdown” que muitos veem como inevitável ao menos na Grande São Paulo.

Ao assumir de forma mais radical o discurso de que a palavra final é dos médicos, apesar de buscar falar de economia sempre que pode, Doria também fica com o desgaste. Ele viu formar-se contra si um contingente de descontentes com os rigores brandos da quarentena paulista.

Encontra até aliados contrários à sua causa, como o prefeito de Ribeirão Preto, Duarte Nogueira (PSDB), que reclama da quarentena estendida inicialmente até 31 de maio.

Na capital, a relação com o prefeito Bruno Covas (PSDB), seu ex-vice, tem encontrado ruídos, como na decisão municipal de fazer um rodízio de carros radical sem consultar o estado antes.

Há ainda o efeito do bombardeio diário de Bolsonaro sobre a reabertura da economia, como a conclamação feita a empresários nesta quinta-feira (14) contra Doria.

Do ponto de vista administrativo, a crise veio para todos. São Paulo estava com uma situação estável de caixa, mas o trimestre de março a maio tirou cerca de R$ 10 bilhões só de arrecadação do ICMS, o principal imposto estadual.

Um pacote de cortes foi baixado, mas a incerteza que acompanha o desenrolar se apresenta neste quesito.

A propaganda de que São Paulo havia crescido 2,8% em 2019, ante 0,9% do país, se dilui no cenário da crise. O mesmo pode ser dito sobre os números positivos na segurança pública no ano passado.

Por outro lado, eventuais fracassos na entrega de obras, como a menina dos olhos de Doria, a despoluição do rio Pinheiros, poderão ser debitadas na conta do vírus.

Muito da gestão fica na mão do homem que controla o único tablet permitido nas reuniões de secretariado: o vice, Rodrigo Garcia (DEM), que avalia todos os programas estaduais em tempo real.

Aliados de Doria veem nisso uma qualidade de descentralização. Alckmin era conhecido por controlar centavos de liberação de verbas pessoalmente; hoje é o secretário Marco Vinholi (Desenvolvimento Regional) que toca os processos na ponta.

Já críticos e mesmo alguns auxiliares do governador fazem reservas ao método, alegando que ele pode mostrar descompromisso.

As articulações políticas, por sua vez, têm duas velocidades. Doria opera com desenvoltura nos altos estratos, mas é inapetente para a microgestão, o proverbial cafezinho que ele espezinhou em seu discurso de posse.

Todo esse cenário tende a sofrer mudanças com a evolução da pandemia, a começar pela estatura política de Doria, por ora mais presidenciável do que nunca.

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