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Serra vira réu por caixa dois de R$ 5 milhões dias antes da prescrição do crime

Serra é acusado de receber doações não declaradas à Justiça durante a campanha eleitoral ao Senado em 2014 por meio de uma "estrutura financeira e societária"


Por Estadão Conteúdo Publicado 05/11/2020
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O juiz eleitoral Marco Antonio Martin Vargas, da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, recebeu denúncia do Ministério Público Eleitoral e colocou o senador José Serra (PSDB-SP) no banco dos réus por suposto caixa dois de R$ 5 milhões. A peça foi enviada pela Promotoria e aceita pela Justiça horas depois do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), devolver o caso para a primeira instância nas vésperas da prescrição do crime, que ocorreria nesta quarta-feira, 4.

Serra é acusado de receber doações não declaradas à Justiça durante a campanha eleitoral ao Senado em 2014 por meio de uma “estrutura financeira e societária” montada pelo fundador da Qualicorp, José Seripieri Filho, que também foi denunciado e se tornou réu. Ambos foram alvos da Operação Paralelo 23, deflagrada pela Polícia Federal no final de julho. Segundo a PF, Serra teria recebido R$ 5 milhões em três parcelas – duas de R$ 1 milhão e outra de R$ 3 milhões.

Na decisão, o juiz Martin Vargas afirma que os indícios trazidos pela Promotoria Eleitoral são suficientes para o recebimento da denúncia pelos crimes de falsidade ideológica eleitoral, corrupção e lavagem de dinheiro. As acusações se baseiam na delação do empresário Elon Gomes de Almeida, que relatou que os repasses foram ocultados por meio de notas fiscais de serviços que não foram realizados. Os documentos foram entregues à Promotoria Eleitoral.

“O conjunto indiciário amealhado aos autos reúne declarações e documentos de corroboração indicativos do recebimento de doações não declaradas ao Tribunal Superior Eleitoral, em favor da campanha eleitoral do acusado José Chirico Serra, ao cargo de Senador da República, em 2014, as quais teriam sido operacionalizadas pela adoção de manobras e estratagemas próprios ao delito de lavagem de dinheiro, atinentes a simulação de diversos negócios jurídicos supostamente entabulados para ocultar e dissimular a origem ilícita dos valores envolvidos”, anotou o juiz Martin Vargas.

“A aparente convergência de elementos fáticos reforça a convicção em torno da existência de indícios mínimos de viabilidade da acusação, no que concerne a criação, em tese, de uma complexa dinâmica societária de omissão de dados à Justiça Eleitoral e de lavagem de capitais, visando a obtenção de vantagem ilícita futura, supostamente erigida para dissimular fins ilícitos de grupos políticos e empresariais, condutas que perfazem as coordenadas típicas dos delitos de falsidade ideológica eleitoral, corrupção passiva e lavagem de dinheiro”, continuou o magistrado.

Os autos do processo foram postos sob sigilo para “evitar interferências indevidas no processo eleitoral municipal de 2020”. O sigilo deverá ser levantado a partir do dia 28 de novembro, data do segundo turno das eleições. Outros dois empresários, Arthur Azevedo Filho e Mino Mattos Mazzamati, também se tornaram réus no processo.

A defesa do tucano ainda não se manifestou sobre o caso.

O inquérito contra Serra estava travado desde setembro após o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, puxar o caso para a Corte por vislumbrar suposta violação à prerrogativa de foro privilegiado do tucano. O ministro devolveu os autos nesta terça-feira, 3, véspera da prescrição, que, em tese, ocorreria no final da noite de quarta.

No início de setembro, a Procuradoria-Geral da República (PGR) defendeu que o caso fosse devolvido à Justiça Eleitoral com urgência pelo risco de prescrição. A subprocuradora Lindôra Araújo enviou manifestação a Gilmar Mendes apontando que as investigações contra Serra não envolvem o atual mandato e não violam a prerrogativa de foro privilegiado.

“Os fatos apurados remontam o ano de 2014 e quaisquer elementos probatórios relacionados a eventos posteriores não interessam à presente investigação e não foram capazes de apontar a prática de crimes durante e relacionados ao mandato do senador José Serra”, afirmou Lindôra.

Quando puxou o caso para o Supremo, Gilmar Mendes afirmou que “eventual ocorrência da prescrição não possui qualquer relação com a atuação dessa Corte ou com motivos relacionados à morosidade do Poder Judiciário”.

“É importante reforçar esse ponto, para que se rejeite, desde já, qualquer crítica ao STF enquanto órgão responsável pela ocorrência desse causa extintiva da punibilidade”, pontuou o ministro.

Segundo Gilmar Mendes, a investigação começou após a delação de Elon Gomes de Almeida, que só ocorreu em 2017, e os autos só foram encaminhados à Procuradoria Regional Eleitoral em maio de 2018, após o entendimento do STF de que a Justiça Eleitoral deve julgar crimes de corrupção conexos com eleitorais. O inquérito policial contra Serra só foi aberto no ano passado.

“Portanto, nesse período de três anos entre o processamento da notícia de fato e o presente julgamento, entre 2017 a 2020, o procedimento tramitou praticamente sob a responsabilidade das instâncias inferiores, somente tendo sido objeto de conhecimento e apreciação por esta Corte no último mês”, afirmou.

Após a decisão de Gilmar Mendes, a defesa de José Serra afirmou que o inquérito que volta à Justiça Eleitoral “é vazio e não pode ter outro destino que não o arquivo”. “José Serra continua acreditando no discernimento da Justiça e aguarda com serenidade o reconhecimento das demais ilegalidades e das inverdades das acusações que lhe foram feitas”, afirmam os criminalistas Flávia Rahal e Sepúlveda Pertence.

COM A PALAVRA, OS ADVOGADOS FLÁVIA RAHAL E SEPÚLVEDA PERTENCE, QUE DEFENDEM JOSÉ SERRA

Quando os autos do inquérito retornaram para a primeira instância, a defesa de José Serra se manifestou com a seguinte nota:

“O Supremo Tribunal Federal e o próprio Ministério Público Federal reconheceram a nulidade da absurda busca e apreensão ordenada pela Justiça Eleitoral nos endereços de José Serra, com a determinação de desentranhamento de tudo aquilo que foi originado a partir das medidas invasivas e ilegais determinadas contra o senador.

A própria PGR afirmou, em sua manifestação, que “tampouco há indícios acerca da prática de crimes durante e relacionados ao mandato de Senador da República”. Com isso, houve o arquivamento de toda a parte do inquérito posterior a 2014, comprovando o objetivo que sempre se teve com essa investigação: desmoralizar a imagem e reputação do senador.

O inquérito que remanesce e que hoje volta à Justiça Eleitoral de Primeira Instância é vazio e não pode ter outro destino que não o arquivo.

José Serra continua acreditando no discernimento da Justiça e aguarda com serenidade o reconhecimento das demais ilegalidades e das inverdades das acusações que lhe foram feitas.”

Flávia Rahal e Sepúlveda Pertence

Advogados de Defesa de José Serra

COM A PALAVRA O CRIMINALISTA CELSO VILARDI, DEFENSOR DE JOSÉ SERIPIERI JÚNIOR

O Ministério Público Eleitoral apresentou uma denúncia repleta de ilegalidades. Permanece ainda o ambiente de excessos, apesar das correções já feitas pelo Supremo Tribunal Federal. Ao apurarem uma doação eleitoral, os denunciantes conseguiram transmutar essa ação em crime típico de funcionário público, mas atribuído a uma pessoa de atividade privada, o que é vedado pela lei. E, ao que parece, levou a contradições inerentes à própria delação colhida anteriormente, que pode ter sido ou esquecida ou confundida. Difícil saber pela peça do MPE.

Diante de tão frágil alegação e do pouco nexo probatório, a denúncia deve ter vida breve nos tribunais.

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