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TCC da Uerj sobre funk e empoderamento feminino vira alvo de bolsonaristas

Entre os críticos, estão o filho do presidente Jair Bolsonaro e deputado federal, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o presidente da Fundação Palmares, Sergio Carmago, e o guru bolsonarista Olavo de Carvalho


Por Folhapress Publicado 16/04/2021
Foto: Divulgação/Uerj

“Cai de boca no meu bucetão.” Os versos cantados pela funkeira Mc Rebecca intitulam o TCC de Tamiris Coutinho, 30, que fez uma “análise do funk como potência do empoderamento feminino” para se formar relações públicas na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Ela recebeu nota dez da banca julgadora e nesta semana disponibilizou o trabalho de 66 páginas em suas redes sociais. Não demorou para virar alvo de bolsonaristas, que usaram a pesquisa para criticar as universidades públicas brasileiras.

Entre os críticos, estão o filho do presidente Jair Bolsonaro e deputado federal, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o presidente da Fundação Palmares, Sergio Carmago, e o guru bolsonarista Olavo de Carvalho. Para Tamiris, a música escrita por Ludmilla e lançada em 2018 é um “hino da libertação sexual da mulher” e os trechos fomentam também o papel da liderança feminina, a sororidade, a presença da mulher no mercado de trabalho e o empreendedorismo.

Já para o presidente da Fundação Palmares, as letras do funk “reduzem mulheres a cadelas submissas”. “Mas para a estudante de humanas da Uerj isso é positivo (empoderamento). E bancada por dinheiro público, produz TCC que legitima a putaria e o crime”, escreveu, em rede social. Ainda segundo Sergio Camargo, tudo que o funk tem a oferecer é “degradação moral, intelectual e comportamental”, afirmou em rede social. “Isso explica o grande interesse dos acadêmicos marxistas em legitimá-lo como ‘expressão cultural'”.

Olavo de Carvalho compartilhou a postagem de Tamiris e escreveu: “Em homenagem a este brilhante trabalho universitário, publicarei em breve a minha tese acadêmica: cai de cu no meu pintão”. Nos comentários, pessoas usaram o trabalho para criticar as instituições de ensino públicas. “Olha o nível dos trabalhos acadêmicos hoje”, comentou um perfil. “É o estabelecimento do comunismo nas universidades brasileiras”, disse outro.

“É a esquerda em universidades comandadas pelo PSOL”, afirmou o terceiro. “Quanto foi gasto para essa criatura fazer tal TCC? Retrato do ensino superior no Brasil”, disse mais um. O blog bolsonarista Senso Incomum, que é seguido no Twitter pelo presidente e por seus filhos Flávio, Eduardo e Carlos Bolsonaro, publicou um texto em que relaciona o trabalho de Tamiris com a disseminação de “ideias frankfurtianas”.

“O esquerdismo radical preparado pela Escola de Frankfurt no século passado vem dando, neste século, frutos mais do que esperados. Se até meados dos anos 2000 ainda havia algum pudor em se elevar os instintos mais rasteiros, 2021 nos prova que esse embaraço se desfez”, diz a publicação.

A cantora Mc Rebecca, ao contrário, elogiou: “Olha o tema incrível do TCC da Tamiris. Fiquei muito feliz quando eu vi”. O hit também já foi single de paródia eleitoral com “Vota 13 nessa eleição”. Nas mensagens privadas, no entanto, os ataques foram ainda mais agressivos, conta Tamiris. “Disseram que eu sou uma vergonha pras mulheres, um lixo humano, que eu devia me suicidar e vários comentários de cunho sexual, como que ‘queriam cair de boca no meu bucetão'”, diz.

Mas o objetivo, de debater o assunto, foi atingido. Segundo Tamiris, o TCC é parte de um movimento de aproximar a academia da realidade, do que está acontecendo na sociedade. “Eu sinto que fiz o que tinha que fazer. [O trabalho] chocou, mas isso reflete justamente a união do preconceito com o funk e o machismo”, diz ela.

A ideia de escrever sobre o ritmo surgiu após um evento realizado pela turma da estudante, chamado Liberta, DJ!, que reuniu nomes do funk, como os DJs Marlboro e Iasmin Turbininha na faculdade. Já a música “Cai de Boca” foi a que direcionou a pesquisa para o recorte de gênero e as letras cantadas por mulheres, a partir dos conceitos de empoderamento feminino, elaborado e discutido por autoras como Nelly Stromquist e Cecília Sardenberg.

“Não recebi nenhuma crítica dos professores. Não é à toa que a Uerj é conhecida como democrática, plural e inclusiva. Nada fazia mais sentido para o título do que a música que foi motivação da pesquisa. Não sabia que as pessoas iam ficar tão chocadas”, diz Tamiris, que agora quer escrever um livro e formar um coletivo de pesquisadores do ritmo, chamado Funk no Poder.

Em nota, a Faculdade de Comunicação Social (FCS) da Uerj fez uma defesa da liberdade de expressão e de pesquisa. “A prática de pesquisa e ensino realizada na FCS se apoia em valores laicos e reflete a diversidade e a pluralidade cultural da sociedade brasileira. Desse modo, repudiamos qualquer iniciativa de cerceamento à liberdade de expressão e de pesquisa que venha a questionar o direito de nossos alunos e professores de refletir sobre os fenômenos culturais de nosso tempo”, escreveu a faculdade.

“Prezamos o relevante e corajoso trabalho acadêmico que vem sendo realizado na Uerj e em outras universidades públicas. O corpo docente e discente da FCS se posiciona claramente pela defesa da autonomia universitária e rejeita qualquer atitude de censura ou condenação moral disfarçada de crítica ou ironia”, finaliza a nota.

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