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Transtorno pós-parto: por que ocorre e como combater

Mesmo hoje, mais de cem anos depois do fim daquele conflito, TEPT ainda é predominantemente associado a guerras e a algo geralmente vivido por homens.


Por Ana Paula Rosa Publicado 26/07/2019

São 3h da madrugada. Meu travesseiro está encharcado com suor frio, meu corpo está tenso e tremendo depois de acordar do mesmo pesadelo que me assombra todas as noites. Eu sei que estou segura na cama – isso é um fato. Minha vida não está mais sob risco, mas eu não consigo parar de pensar na terrível cena que passou novamente na minha cabeça enquanto eu dormia, então, continuo alerta, atenta a qualquer ruído no escuro.

Essa é uma das formas que eu vivencio o TEPT, ou transtorno de estresse pós-traumático. O TEPT é um transtorno de ansiedade causado por acontecimentos muito estressantes, assustadores ou perturbadores, que são frequentemente revividos em flashbacks e pesadelos. Os sintomas eram conhecidos como “shellshock” (trauma de guerra), e ficaram mais conhecidos depois da volta dos soldados das trincheiras da Primeira Guerra Mundial, depois de testemunhar horrores inimagináveis. Mesmo hoje, mais de cem anos depois do fim daquele conflito, TEPT ainda é predominantemente associado a guerras e a algo geralmente vivido por homens.

Milhões de mulheres no mundo todo, porém, sofrem de TEPT, não apenas depois de lutar em uma guerra – mas também depois do esforço para dar à luz, como aconteceu comigo. E os sintomas tendem a ser semelhantes, independentemente do trauma por que elas passaram.

“Mulheres com algum trauma podem sentir medo, sensação de impotência ou um horror em relação a suas experiências e enfrentar recorrentes lembranças desagradáveis, flashbacks, pensamentos ruins ou pesadelos relacionados ao parto. Elas podem sentir-se atormentadas, ansiosas ou em pânico, quando expostas a coisas que as lembrem do acontecimento, e evitar qualquer coisa que as lembrem do episódio, o que pode incluir falar sobre o assunto”, diz Patrick O’Brien, um especialista em saúde mental materna do University College Hospital e porta-voz do Royal College de Obstetras e Ginecologistas do Reino Unido.

Apesar desses efeitos potencialmente desestabilizadores, o TEPT pós-natal só foi reconhecido nos anos 1990, quando a Associação Americana de Psiquiatria mudou sua descrição do que constitui um acontecimento traumático. Originalmente, a associação considerava TEPT apenas “algo fora do campo da experiência humana comum”, mas depois mudou a definição para incluir um acontecimento em que a pessoa “testemunhou ou enfrentou uma ameaça física grave ou ferimento contra ela mesma ou outros e em que a pessoa reagiu com sentimentos de medo, impotência ou horror”.

Isso significava que, antes da mudança, dar à luz um bebê era considerado algo corriqueiro demais para ser altamente traumático – apesar dos ferimentos com reflexos para a vida toda, e às vezes até mortes, que mulheres podem enfrentar em consequência de pôr crianças no mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 803 mulheres morrem diariamente, em todo o mundo, em decorrência de complicações de gravidez e parto.

Há poucos números oficiais sobre quantas mulheres sofrem de TEPT pós-natal – e, devido à falta de reconhecimento dessa condição em mães, é difícil dizer se é um problema realmente comum. Alguns estudos estimam que 4% dos nascimentos levam a essa condição. Um estudo de 2003 concluiu que cerca de um terço das mães que sofrem um “parto traumático” – definido como aquele que envolve complicações, o uso de instrumentos para ajudar o parto ou risco de vida – acabam com TEPT.

Com o nascimento de 130 milhões de bebês a cada ano, isso significa que um número assustador de mulheres pode estar tentando lidar com o transtorno, com pouco ou nenhum reconhecimento. E o TEPT pós-natal pode não ser um problema apenas para mães. Estudos encontraram evidências de que pais também podem ter o problema, depois de testemunharem suas parceiras passarem por um parto traumático.

O fato é que quem passa por uma experiência dessas pode sentir um impacto longo em suas vidas. E os sintomas manifestam-se de muitas formas diferentes.

“Eu frequentemente revejo as imagens do parto na minha cabeça”, diz Leonnie Downes, uma mãe de Lancashire, no Reino Unido, que foi diagnosticada com TEPT, depois de achar que fosse morrer ao desenvolver sepse durante o trabalho de parto. “Eu me sentia constantemente ameaçada, uma sensação de insegurança constante.”

Lucy Webber, outra mulher que teve TEPT depois de dar à luz, em 2016, diz que passou a ter comportamentos obsessivos e ficou extremamente angustiada. “Eu não consigo tirar o meu bebê de vista ou deixar que qualquer outra pessoa o toque”, diz ela. “Eu tenho pensamentos sobre coisas ruins acontecendo com todas as pessoas que eu amo.”

Nem todas as mulheres que enfrentam partos difíceis desenvolvem TEPT. De acordo com Elizabeth Ford, da faculdade Queen Mary, parte da Universidade de Londres, e Susan Ayers, da Universidade de Sussex, o problema está bastante ligado à percepção de cada mulher sobre o que ela vivenciou.

“Mulheres que sentem falta de controle durante o parto ou que recebem pouco cuidado e apoio têm maiores riscos de desenvolver TEPT”, escrevem as pesquisadoras. As histórias de mulheres que desenvolveram TEPT depois de dar à luz parecem refletir isso.

Stephanie (nome fictício para proteger sua identidade) diz que recebeu pouco cuidado durante o parto e que as parteiras não demonstraram empatia nem compaixão. Num parto particularmente difícil, ela teve de ser fisicamente segurada pela equipe do hospital, enquanto dava à luz seu filho. “Ele nasceu completamente azul, foi levado para ser ressuscitado, e não me deram nenhuma informação sobre seu estado durante horas.”

Mas existe ajuda disponível para mulheres que sofrem de TEPT pós-natal, contanto que elas tenham acesso a ela. O tratamento geralmente funciona com medicação ou terapia cognitivo-comportamental (TCC) – uma terapia verbal que visa a mudar comportamentos e formas de pensar.

Outro tratamento possível é a Dessensibilização e Reprocessamento por Meio dos Movimentos Oculares (EMDR, na sigla em inglês). O EMDR às vezes envolve tapping (conhecido também como terapia EFT e que envolve dar palmadas em pontos específicos do corpo) ou o uso de música para ajudar o cérebro da paciente a lembrar que ela está no presente e não presa em algum momento do seu flashback. Estudos também mostraram que meditação transcendental pode ajudar veteranos de guerra com TEPT.

“Trauma ligado ao parto não é algo tão difícil de tratar, mas é muito difícil para mulheres e seus parceiros terem acesso ao apoio apropriado”, diz Svanberg, alertando que muitas mulheres recebem um diagnóstico errado de depressão pós-parto – uma condição debilitadora diferente, que pode ocorrer após o nascimento de uma criança, mas que apresenta outro conjunto de sintomas.

 

Fonte: BBC Brasil

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