Solange Couto diz que bordão de Dona Jura, personagem de ‘O Clone’, surgiu em conversa com Deus
Novela que completa 20 anos em 2021, estreia no Vale a Pena Ver de Novo nesta segunda-feira (4)
Foi dirigindo sozinha depois de sair dos estúdios da Globo no Rio, onde estava para saber mais sobre a personagem Dona Jura que faria em “O Clone” (2001-2002), que a atriz Solange Couto, 65, criou um dos bordões mais conhecidos da TV brasileira: “Não é brinquedo não!”.
Na verdade, ela faz questão de afirmar que a invenção não foi só sua. “Foi Deus que me deu de presente [o bordão].” Explica: “Eu sou uma pessoa querida e respeitada na minha profissão, mas eu queria uma notoriedade maior, uma coisa diferente, que chamasse mais a atenção”.
Assim, “conversando com Deus no carro”, veio a expressão na sua cabeça no exato momento em que a luz do sol estava passando por entre as nuvens –para ela, um sinal inegável da influência divina. “Foi um verdadeiro milagre”.
De fato, se é notoriedade o que a atriz queria, ela conseguiu. “Só que eu não esperava que ia ser desse tamanho”, diz aos risos.
“Eu vivo a Jura há 20 anos, porque desde que ela saiu do ar até o momento em que estou falando com você, não tem um único dia que alguém não me chame de Dona Jura ou não diga ‘Né brinquedo não’. Desde o comandante do avião até o varredor da rua, em todo o lugar, dos mais elegantes aos mais simples, nunca passa em branco.”
Incomoda? “Absolutamente”, responde Couto já consciente que a repercussão da personagem vai crescer novamente com a volta de “O Clone” às tardes da Globo, a partir desta segunda (4). “Se eu ouvia umas dez vezes por dia, vou passar a ouvir umas 50”, diverte-se.
Dona Jura foi uma das grandes surpresas da trama assinada por Gloria Perez, que é considerada uma das mais bem-sucedidas da Globo e teve outros destaques como a própria história principal que envolvia o amor proibido entre a jovem muçulmana Jade (Giovanna Antonelli) e Lucas (Murilo Benício).
Temas delicados também foram abordados na novela como a clonagem humana –o cientista Albieri (Juca de Oliveira) cria Léo (Murilo Benício), um clone do irmão gêmeo morto de Lucas –e a dependência química na pele da personagem Mel, interpretada por Débora Falabella.
Outro núcleo bem-sucedido foi o que abordou a cultura muçulmana e rendeu bordões conhecidos do público até hoje como “Inshalá” (proferido por Khadija, interpretada por Carla Diaz criança), “Maktub” e “Você vai arder no mármore do inferno”.
Mas era o Bar da Dona Jura, localizado em São Cristóvão, no subúrbio carioca, o local mais prestigiado da novela que recebeu convidados ilustres como o rei do futebol Pelé, os cantores Martinho da Vila e Alcione, a apresentadora Ana Maria Braga e Louro José, entre muitos outros.
Até a cantora Sandy, no auge do sucesso ao lado do irmão Junior, fez questão de dar uma espiada no point de encontro. “Ela não foi gravar, mas ficou do outro lado da rua, assistindo a gravação. E eu brinquei muito com ela”, recorda a atriz.
Couto relembra que muitas celebridades a pediam para participar da trama. “Teve gente brigando comigo, porque queria ir e achava que eu tinha poder de convidar.” A atriz afirma que um dos momentos mais emocionantes foi quando recebeu na novela Osvaldo Sargentelli (1924-2002), que tinha pedido para visitar o bar da Dona Jura –Couto foi uma das “mulatas do Sargentelli”, grupo de dançarinas que se apresentava em espetáculos de samba em casas noturnas do país e do exterior, realizados entre as décadas de 1960 e 1980.
Durante a gravação, o sambista passou mal e sofreu um infarto. Levado a um hospital, Sargentelli morreu no dia seguinte. “Ele passou mal de mãos dada comigo”, relembra ela.
“Tive momentos de absurda emoção durante ‘O Clone’. A maioria muito feliz, muito alegre, e tive esse momento com o Sargentelli.”
REAÇÃO DE GLORIA PEREZ
Depois de perceber que o bordão “não é brinquedo não!” poderia ser utilizado por Dona Jura em diversas ocasiões –seja “para elogiar, para brigar, para dizer que estava com medo”– Solange Couto afirma que, na primeira oportunidade que teve, falou da sua ideia para a autora Gloria Perez.
A reação da escritora, porém, foi enigmática. “Depois que eu falei, ela parou, olhou para a minha cara e saiu tomando café. Eu queria morrer, porque eu pensei: pronto, perdi o trabalho”, conta. Mas para a sua surpresa quando chegou o roteiro da novela, a primeira frase que a Dona Jura falava era exatamente o bordão. A autora tinha comprado a ideia.
“A Jura eu digo que não é personagem, ela é entidade. Ela falava o que queria, agia como queria, e a Gloria deixava”, diz a atriz, que conta ter se inspirado em mulheres reais que conheceu ao longo da vida.
Na visão dela é por gerar essa forte identificação com o público que a personagem fez tanto sucesso. “Tem uma Dona Jura a cada metro quadrado no Rio, em especial no subúrbio. É essa mulher que precisa tomar as rédeas da vida, precisa ser daquela forma ainda que depois vá para baixo do chuveiro chorar sem que ninguém veja. Quando sai, ela seca as lágrimas e tem que se fazer de forte de novo.”
A atriz reforça que não tem muitos pontos em comum com a personagem, embora muitas pessoas façam essa confusão. “Eu não sou uma pessoa que vive gritando nem coloco o dedo em riste na cara dos outros. Eu tenho um papo reto? Tenho. Sou uma pessoa que sou bem sincera? Sou. Mas não tenho a capacidade de ser 50% do que a Dona Jura é”, diz.
Solange Couto tem até dúvidas se conseguiria voltar a interpretá-la. “Eu não sei se eu conseguiria ter de volta aquele tom dela, mas eu iria tentar. Se a Gloria me desse essa bola, claro que eu iria tentar”, conclui rindo.
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