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Aposentado constrói há 35 anos castelo no agreste do RN

O projeto nunca foi colocado numa folha de papel. Não há planta arquitetônica, cálculo de engenharia e nem qualquer planejamento de construção.


Por Folhapress Publicado 16/06/2019
SÍTIO NOVO, RN, Castelo erguido pelo sargento aposentado do Exército Zé dos Montes em Sítio Novo (RN). Zé dos Montes iniciou há 35 anos a construção do castelo. A obra está inacabada, com 150 torres de tamanhos variados, 13 labirintos e 4 andares. (Foto: Zanone Fraissat/Folhapress)

No meio do nada, no alto de uma rocha escondida na Serra da Tapuia, agreste do Rio Grande do Norte, um castelo com traços da arquitetura islâmica está sendo erguido há 35 anos.

A obra ainda inacabada, com 150 torres de tamanhos variados, 13 labirintos e quatro andares, é a missão de vida do sargento aposentado do Exército José Antônio Barreto, 87, o Zé dos Montes.

O projeto nunca foi colocado numa folha de papel. Não há planta arquitetônica, cálculo de engenharia e nem qualquer planejamento de construção.

“Só existe dentro da cabeça dele. Saiu tudo da imaginação. Ele sempre disse que não precisava de desenho. Nunca estudou nada sobre isso. Anotava apenas quanto tinha gasto de cimento e tijolo”, diz, com orgulho, o filho Joseildo Gomes de Oliveira Barreto, responsável hoje por administrar o local.

Por trás da construção que desperta a curiosidade de quem avista as torres furarem o céu, no meio de uma paisagem indescritível e um silêncio interrompido apenas pelo barulho dos bichos, há uma história mítica e religiosa.

Tudo começou quando seu Zé dos Montes era criança. Conta que, aos oito anos, no momento em que estava pegando lenha no meio do mato, no município de Pedro Avelino, no Rio Grande do Norte, teve uma visão.

Uma mulher havia aparecido na sua frente e dito que ele tinha que construir uma capela. Assustado, correu para casa, mas não contou nada aos pais.
“Ele diz que essa visão se repetiu por várias vezes e, sempre, no dia 13 de cada mês”, comenta Joseildo.

Antes de erguer a obra definitiva em Sítio Novo, tentou levantar as torres em outros 13 locais. “Mas só aqui, nesta serra, percebeu que era realmente o lugar ideal. Ele comprou o terreno com algumas economias e colocou a mão na massa.”

Em 1984, após algumas tentativas frustradas, começou a construção sozinho. Tijolo a tijolo. Com o dinheiro que juntava da aposentadoria, comprava pedras e cimento na região.
Depois, pela quantidade de serviço, precisou contratar alguns ajudantes. Por 11 anos seguidos, a obra não foi interrompida um mês sequer.

As torres ocupam 90% de uma rocha de 30 metros de altura. A construção está 400 metros acima do nível do mar.

Já com grande parte do castelo que carrega seu nome erguido, o aposentado, aos 65 anos, viajou para a Europa. Visitou Portugal, Espanha, França, Inglaterra e Alemanha. Queria saber se o seu empreendimento devia alguma coisa às construções do “estrangeiro”.

“Ele foi duas vezes. Sempre viajou sozinho, mas era acompanhado por um guia lá. Visitou alguns templos. Na primeira vez, iria passar um mês. Voltou 11 dias depois porque não gostou da comida”, conta o filho.

Dentro do castelo, que apresenta uma nave principal, há algumas imagens de Nossa Senhora.

Existem também réplicas de cal, feitas por ele, de construções famosas mundialmente, a exemplo da Sagrada Família, em Barcelona, na Espanha, projetada pelo arquiteto Antoni Gaudí.

No local, que serviu de moradia para ele e a família por uma década, não há energia elétrica e nem água encanada. Em um dos andares, há uma cama de cimento e três quartos sem nenhum móvel dentro.

O que mais tem é morcego. Estão por toda a parte. Pendurados na parede, assustam quando saem voando de repente.

Além de janelas de madeira, há algumas aberturas na rocha para entrada da luz do sol. O acesso pela parte da frente é feito por uma pequena trilha que corta o terreno de sete hectares.
Depois de sofrer dois acidentes vasculares cerebrais, Zé dos Montes vive dentro de um quarto, na casa do filho, no município de Sítio Novo, distante poucos quilômetros do castelo. Alegra-se quando colocam vídeos na internet de trens antigos, sua grande paixão desde a infância.

A última vez que esteve no castelo faz quatro meses. Com dificuldades de locomoção, não desceu do carro. Apenas contemplou a construção por alguns minutos e foi embora.
Há duas semanas, ganhou um bolo com o formato do castelo para comemorar os 87 anos de vida.

Chorou quando o filho mostrou pelo celular o incêndio na catedral de Notre-Dame, em Paris. “Ele se emocionou bastante porque já esteve lá”, disse. Não fala quase nada, mas o filho diz que o sonho dele é terminar o seu projeto de vida.

Faltam apenas revestir a parte de cima dos labirintos para que as pessoas possam caminhar pelo teto e fazer uma ponte que vai ligar a construção a uma pedra grande situada na lateral.
“Eu só sei porque ele me contou. Não temos uma planta para seguir”, comenta o filho.

Zé dos Montes tem a ideia de interligar os 13 labirintos, hoje independentes. Pelo caminho escuro de pedra, com altura de mais de dois metros, passa apenas uma pessoa por vez.
Alguns visitantes se perdem e são resgatados por Joseildo após alguns minutos gritando. “Eu deixo eles gritaram um pouco. Só depois chego lá e mostro a saída”, diverte-se.

Há apenas sete anos, o lugar foi aberto para visitação. “Ele não fez isso aqui para ser um ponto turístico. Nunca gostou disso. Nunca teve incentivo para nada”, diz o filho.

A Prefeitura de Sítio Novo fixou quatro placas indicativas na pequena cidade de pouco mais de cinco mil habitantes para orientar os visitantes chegarem ao local. “Mesmo assim, o nome na placa está errado. Colocaram Castelo Zé do Monte. É Zé dos Montes”, reclama Joseildo.

Ele relata que, há 20 anos, o pai, irritado com a curiosidade das pessoas, resolveu cobrar uma taxa para que o povo desistisse de ir até lá olhar a sua invenção.

“Dizia que, se cobrasse, ninguém iria lá e, assim, poderia trabalhar tranquilo. As pessoas pagavam e, quando saíam do castelo, ele devolvia o dinheiro”, lembra.

Hoje, para entrar no lugar é preciso pagar R$ 10. Não há dias certos e nem horários estabelecidos de visitação. É preciso marcar com antecedência. O filho administra um restaurante ao lado, que só funciona no fim de semana.

JOÃO VALADARES
SÍTIO NOVO, RN (FOLHAPRESS) 

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