Barragem da Vale se rompeu por liquefação e não teve ação humana como gatilho, diz relatório
O relatório foi divulgado nesta quinta-feira (12) e, segundo seus autores, não pode apurar responsabilidades, apenas causas técnicas
A barragem da mineradora Vale que se rompeu em janeiro em Brumadinho (MG) e deixou 270 pessoas mortas colapsou por liquefação (quando um material rígido se comporta como fluido), e o rompimento teve dois gatilhos: um efeito de deformação natural (chamado “fluência”) e uma perda de sucção que deixou os materiais menos resistentes, de acordo com estudo contratado pela empresa.
A conclusão está no Relatório do Painel de Especialistas Sobre as Causas Técnicas da Barragem 1 do Córrego do Feijão, assinado por Peter K. Robertson, doutor da Universidade de British Columbia (Canadá), e Lucas de Melo, David J. Williams e G. Ward Wilson.
O relatório foi divulgado nesta quinta-feira (12) e, segundo seus autores, não pode apurar responsabilidades, mas apenas as causas técnicas para que causaram o colapso da estrutura.
“Com base nos documentos analisados, está claro que os consultores [da Vale] sabiam do alto nível de água e do risco disso”, mas estavam tomando as ações necessárias “com base nas evidências que eles tinham”, afirmou Robertson.
A barragem se rompeu em 25 de janeiro, em menos de 10 segundos, e despejou 9,7 milhões de metros cúbicos de rejeitos em menos de 5 minutos, o equivalente a 75% do conteúdo da estrutura.
Os materiais retidos na barragem apresentavam comportamento frágil, diz o relatório, fazendo com que perdessem resistência. “Fica claro que o rompimento foi resultado de liquefação estática dos materiais.”
Liquefação também é apontado como o motivo do rompimento da barragem de Mariana, em 2015, da mineradora Samarco –que tem a Vale como uma de suas donas–, quando 19 pessoas foram mortas.
A falta de recursos de drenagem significativos, segundo o estudo, e a presença de rejeitos menos permeáveis resultaram em um nível de água alto. Embora a empresa tenha parado de depositar rejeitos desde 2016, esse nível não reduziu significativamente, sobretudo no pé da estrutura.
De acordo com o Painel, uma “descoberta significativa” foi que os rejeitos dispostos ali tinham teor de ferro superior a 50%, considerado muito alto. Isso deixou os rejeitos pesados e “predominantemente fofos, saturados e contráteis” (capazes de sofrerem contração). Esse material poderia perder resistência facilmente, segundo o relatório, e passar por cimentação.
Testes em laboratório mostraram que amostras fofas de rejeitos, quando submetidas a cargas constantes, acumulam deformações –fenômeno conhecido por “creep” ou “fluência”. A cimentação “torna os rejeitos rígidos e potencialmente com comportamento frágil”, diz o estudo.
Essas características todas, quando combinadas, resultam em um material que pode perder resistência significativa e rapidamente.
Partes significativas da barragem tinha alto tensão, por três motivos: a inclinação da estrutura, o alto peso do rejeito e o alto nível da água.
“A combinação de uma barragem íngreme construída a montante [alteada sobre ela própria], alto nível de água, rejeitos finos fracos dentro da barragem e a natureza frágil dos rejeitos gerou as condições para o rompimento.”
Forte precipitação no período chuvoso, de outubro de 2018 em diante, fez com que a estrutura perdesse sucção, tornando os materiais menos resistentes.
“As simulações mostraram que o ‘creep’, quando combinado com a perda de sucção discutida acima, seria suficiente para desencadear o rompimento global da barragem”, diz o relatório.
O estudo diz que a barragem como foi construída tinha características que impediam a drenagem ao pé da estrutura.
O estudo descartou gatilhos humanos ou sísmicos para o rompimento.
Não houve tremor de terra naquele dia, segundo o relatório. Houve detonações em minas a céu aberto na área, mas nenhuma que fosse registrada pelo sismógrafo (medidor) mais próximo à barragem antes do rompimento –houve uma naquele dia, mas minutos após a estrutura se romper, segundo Robertson.
Entre outubro de 2018 e o fim de janeiro, quando a barragem se rompeu, a Vale fez nove furos de sondagem na estrutura, para instalar inclinômetros e piezômetros (medidores de pressão). Segundo o Painel, a barragem não mostrou sinais de instabilidade durante essas perfurações. No momento do rompimento, trabalhadores perfuravam a estruturam com uma sonda, mas simulações computacionais indicaram que isso não teria capacidade para desencadear o rompimento.
O estudo diz que não houve deformações ou alterações significativas na barragem antes do rompimento.
Imagens de satélite indicam deformações pequenas de menos de 36 milímetros na face da barragem no ano anterior ao rompimento, e entre 12 e 30 milímetros na parte inferior da estrutura, mas que não seriam, sozinhas, indicativo percursos de um colapso, de acordo com o relatório.
Segundo o relatório, o rompimento “foi um evento único” pela quantidade de imagens de vídeo em alta resolução, que dão detalhes sobre o mecanismo do colapso.
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