Com plano de imunização alterado, comorbidades podem ficar para trás
O grupo com comorbidades é o maior entre os prioritários, soma quase 17,8 milhões no país, dos quais 4,8 milhões estão no estado de São Paulo
Com a decisão de estados e municípios de priorizarem professores e forças de segurança na vacinação contra a covid-19, grupos de pessoas com comorbidades podem ficar para trás na fila da imunização. Pela ordem do plano nacional de vacinação, doenças que elevam o risco de agravamento da covid-19, como diabetes, hipertensão, obesidade, cardiopatias, doenças pulmonares e renais, estariam na terceira fase da vacinação, à frente dos professores e de forças de segurança, por exemplo.
O grupo com comorbidades é o maior entre os prioritários, soma quase 17,8 milhões no país, dos quais 4,8 milhões estão no estado de São Paulo. Dada a quantidade de pessoas, já se discute um escalonamento entre elas, pelo grau de gravidade, idade ou de vulnerabilidade, por exemplo. Segundo Jurandi Frutuoso, secretário-executivo do Conass (conselhos nacional de secretários da Saúde), por se tratar de um grupo numeroso, é provável que o escalonamento se dê por idade, mas a logística ainda está sendo discutida.
Para a cardiologista Lília Nidro Maia, diretora da Sogesp (Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo), pacientes com diabetes, obesidade e síndrome metabólica deveriam ser priorizados. “Esse tipo de pessoa, com múltiplas comorbidades, deveria passar na frente porque têm mais riscos. Se você for priorizar só os hipertensos, por exemplo, seriam 60% da população adulta brasileira.” Maia explica que a diabetes aumenta o risco de a pessoa infectada desenvolver a forma grave da covid. Já obesidade, segundo ela, é um dos principais de fatores de risco para os pacientes mais jovens.
“Às vezes, a gente vê a notícia: morreu com 24 anos, morreu com 30 anos. Quando vai ver, é obeso.”
Os pacientes renais crônicos também são outro grupo que deveria ter prioridade na imunização, segundo os especialistas. Além da saúde fragilizada, esses doentes precisam se deslocar três vezes por semana até as clínicas de hemodiálise, o que os deixam mais expostos à infecção. Segundo dados da Sociedade Brasileira de Nefrologia, são mais de 140 mil recebendo diálise em cerca de 810 clínicas espalhadas pelo país.
A nefrologista Ana Beatriz Barra, diretora médica da Fresenius Medical Care, diz que, seja pela covid seja pela desassistência provocada pela pandemia, a taxa de mortalidade desses pacientes está em 25%, seis pontos percentuais acima da média histórica. Ela afirma que esses pacientes têm outras comorbidades, como diabetes e hipertensão, o que os tornam ainda mais vulneráveis à covid. A maioria (73%) tem menos de 64 anos e não foi contemplada pela vacinação pelo critério de idade.
E tem o fato de não poderem ficar em casa, em isolamento social. “Boa parte precisa pegar transporte público e enfrentar uma, duas, três horas de viagem para chegar à clínica. E eles estão se infectando e morrendo. Precisam ser vacinados com urgência”, diz Gilson Silva, diretor da Abrasrenal, entidade representativa dos pacientes. Segundo ele, vários pacientes renais já morreram após contrair a covid. Outros, recém-transplantados, perderam os órgãos e tiveram que voltar para a máquina de diálise. A entidade ainda computa os números.
Para chegar à clínica de diálise na Vila Mariana (zona sul de São Paulo), Carolina dos Santos, 21, leva uma hora e pega ônibus, trem e duas linha de metrô. Mora em Ermelino Matarazzo (zona leste). “A condução tá sempre superlotada. É uma insegurança, mesmo eu tomando todos os cuidados. Peguei covid, me curei. Mas e se eu pegar de novo?”, indaga, dizendo que já perdeu colegas da diálise vítimas da covid. Os enfermeiros da clínica onde se trata ainda não foram vacinados.
Pacientes com câncer também pedem prioridade na vacinação. Um estudo brasileiro que acompanhou 198 doentes oncológicos que tiveram covid mostrou que 33 deles morreram, uma taxa de mortalidade de 16,7%, seis vezes mais do que o índice global de mortalidade pelo coronavírus, de 2,4%. “São pacientes que tendem a se complicar mais se adquirirem a covid, uma vez que já estão lutando contra o câncer. Precisam ser priorizados na vacinação”, diz o oncologista Bruno Ferrari, fundador e presidente do conselho de administração da Oncoclínicas.
Segundo ele, esses pacientes muitas vezes estão em tratamento oncológico, usando drogas imunossupressoras, que não podem ser interrompidas. “É um paciente que tem que sair, ir para clínica, e corre mais riscos de ser infectado.” A Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica encaminhou ofício ao Ministério da Saúde solicitando prioridade a esses pacientes. A estimativa é que 1,5 milhão de brasileiros estejam em tratamento oncológico.
Para o médico Rodrigo Olmos, professor de clínica médica da USP e médico do Hospital Universitário, dentro das comorbidades existem diferenças de risco para a covid e deveria haver uma classificação do impacto delas em cada município. Para ele, como as comorbidades mais comuns, como diabetes e hipertensão, afetam boa parte da população adulta, um escalonamento por vulnerabilidade social seria uma boa saída. “Talvez o risco de uma pessoa que tenha nível socioeconômico bom seja menor do que outra que more na periferia, que vive em situação de vulnerabilidade social.”
Para a epidemiologista Carla Domingues, que esteve à frente do PNI (Programa Nacional de Imunizações) por oito anos, a alteração da ordem dos grupos prioritários é ruim não só pelo fato de atrasar a vacinação de quem tem mais riscos de adoecimento e morte pela covid como também prejudica o monitoramento do impacto da vacinação nos diferentes grupos. “Cada hora tem um estado, uma cidade, fazendo uma política diferente. Muitas categorias que trabalham com o público deveriam ter prioridade, mas não temos vacina. O nosso foco tem que ser proteger os grupos mais expostos, os que estão morrendo mais.”
Na sua opinião, professores que estão em home office e forças de segurança que ocupam cargos administrativos não deveriam estar entre os prioritários. Em nota, o Ministério da Saúde diz que a antecipação de parte do grupo prioritário das forças de segurança foi discutida na Comissão de Intergestores Tripartite e pactuada com o Conass e o Conasems (conselhos de secretários da Saúde).
Ressaltou ainda que o plano nacional de vacinação está sujeito a alterações e que a orientação aos estados, municípios e Distrito Federal é para que gestores de saúde locais sigam a ordem de prioridades estabelecida.
Jurandi Frutuoso, do Conass, afirma que uma quantidade mínima de vacina foi destinada às forças de segurança que estão na linha de frente da pandemia, como os socorristas, pilotos de avião e motoristas de ambulância que estão transportando doentes com covid.
Ele diz que a decisão foi tomada porque em abril haverá mais oferta de vacinas. As remessas, segundo ele, giram em torno de 25,4 milhões de doses, que serão usadas para iniciar novos grupos, os 5 milhões de 65 a 69 anos e os 9,3 milhões de 60 a 64 anos. “Vacinando esse grupo, inicia-se o grupo das comorbidades”, diz ele. A previsão é que isso ocorra ainda neste mês, se o ritmo de vacinação girar em torno de 700 mil doses/dia.
Para os pacientes com idades entre 18 e 59 anos e que apresentem uma ou mais das comorbidades listadas no plano nacional de vacinação, será necessário comprovar a condição na hora da imunização (com exames, receitas ou relatório médico, por exemplo).
Comorbidades que dão direito à vacina
Diabetes melitus;
Pneumopatias crônicas graves, como doença pulmonar obstrutiva crônica, fibrose cística, fibroses pulmonares, pneumoconioses, displasia broncopulmonar e asma grave;
Hipertensão arterial;
Insuficiência cardíaca;
Hipertensão pulmonar;
Cardiopatia hipertensiva;
Síndromes coronarianas crônicas, como cardiopatia isquêmica;
Valvopatias;
Miocardiopatias e pericardiopatias;
Doenças da aorta, dos grandes vasos e fístulas arteriovenosas, como aneurismas e hematomas da aorta;
Arritmias cardíacas;
Cardiopatias congênitas no adulto;
Portadores de próteses valvares e dispositivos cardíacos implantados (como marcapassos e cardiodesfibriladores)
Doença cerebrovascular;
Doença renal crônica;
Imunossuprimidos, como indivíduos transplantados, que usam imunossupressores ou com imunodeficiências primárias;
Anemia falciforme;
Obesidade mórbida;
Síndrome de Down
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