Trans abraçada por Drauzio na TV foi condenada por estupro e morte de criança
Uma das filhas do médico disse em rede social que passou a receber ameaças físicas, que serão denunciadas
Suzy Oliveira, detenta transexual abraçada pelo médico Drauzio Varella na edição de 1º de março do Fantástico, da TV Globo, cumpre pena em Guarulhos (SP) por estuprar e matar uma criança com menos de 14 anos, usando meio cruel e recurso que impossibilite a defesa da vítima, segundo informou a Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo (SAP).
A secretaria não divulga o nome de registro da detenta, mas indica os artigos do Código Penal que levaram à condenação. A reportagem mostrava a situação de pessoas transexuais no sistema penitenciário, e Suzy foi uma das entrevistadas.
“Há quanto tempo você está sem receber nenhuma visita na cadeia?”, pergunta Drauzio, que conduziu a reportagem e é voluntário no sistema penitenciário desde 1989. “Oito anos, sete anos”, responde a detenta. Ele diz: “Solidão, né, minha filha”, e dá um abraço na entrevistada.
A cena provocou uma mobilização de internautas para que Suzy recebesse cartas, num movimento incentivado inclusive pelo governo paulista, que divulgou o endereço da unidade em que ela está, a Penitenciária José Parada Neto. A partir daí ela recebeu centenas delas, livros, bíblias, chocolate e maquiagens, entre outras coisas.
A produção não informava, entretanto, por qual motivo as entrevistadas haviam sido condenadas, o que provocou especulações ao longo dos dias seguintes dada a extensão de sua pena e o fato de ela não poder progredir para regime semiaberto.
Neste fim de semana, quando sites e contas em redes sociais passaram a divulgar o motivo da condenação, depois confirmado pela SAP, o médico e a emissora se tornaram alvos de críticas e ataques nas redes sociais, capitaneados por personalidades conservadoras e bolsonaristas, mas disseminados também em outros grupos.
Uma das filhas do médico disse em rede social que passou a receber ameaças físicas, que serão denunciadas.
No fim da tarde desta segunda-feira (9), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) se manifestou sobre o caso, declarando que “enquanto a Globo tratava um criminoso como vítima, omitia os crimes por ele praticados”. O presidente enalteceu “a internet livre” por disseminar a razão do crime e lamentou o veto à prisão perpétua na Constituição.
Mais cedo, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, chamara a TV globo de “lixo” “a serviço do mal”, e o procurador da República Ailton Benedito escrevera que “está claro que um dos objetivos da ‘reportagem’ era ocultar a verdade sobre os crimes das transexuais, para obter apoio da sociedade enganada para a causa político-ideológica da Globo.”
Houve reações do lado da esquerda, como da deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que afirmou que a condenação ao abraço de Drauzio veio de pessoas quem votaram em “um homem que elogia torturadores”.
A maior parte das críticas, no entanto, não ocorreu pelo abraço dado pelo médico, mas pela omissão na reportagem do crime que levou à condenação, o que teria gerado simpatia pela personagem e levado centenas de pessoas a enviarem cartas afáveis a ela.
No fim do domingo (8), Drauzio publicou nota em suas redes sociais em que disse que não perguntou os crimes cometidos pelas entrevistadas e afirmou ser médico, não juiz.
“Há mais de 30 anos, frequento presídios, onde trato da saúde de detentos e detentas. Em todos os lugares em que pratico a Medicina, seja no meu consultório ou nas penitenciárias, não pergunto sobre o que meus pacientes possam ter feito de errado. Sigo essa conduta para que meu julgamento pessoal não me impeça de cumprir o juramento que fiz ao me tornar médico. No meu trabalho na televisão, sigo os mesmos princípios. No caso da reportagem veiculada pelo Fantástico na semana passada (1/3), não perguntei nada a respeito dos delitos cometidos pelas entrevistas. Sou médico, não juiz.”
Na mesma noite, o “Fantástico” voltou ao tema em nota lida pelos apresentadores na qual responde que não informou o motivo que levou as detentas à prisão porque “este não era o objetivo da reportagem”. A produção abordava as condições de vida das detentas, mas não questionava o sistema judicial nem advogava contra as razões da prisão.
O texto institucional afirma, também, que o “Fantástico” apoia integralmente a nota de Drauzio.
A própria Suzy, por meio de sua advogada, divulgou uma carta na qual apresenta-se também pelo nome Rafael Tadeu e diz não ter sido indagada sobre o motivo de sua condenação. ” Eu sei que errei e muito. [Em] Nenhum momento tentei passar como inocente e desde aquele dia me arrependi verdadeiramente, e hoje estou aqui pagando por tudo que cometi.”
Drauzio afirmou que não vai se pronunciar sobre o caso além do que já declarou na nota.
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