Após eleições, Trump passou muito tempo no Twitter, jogou golfe e pouco governou
Dos mais de 600 tuítes que disparou entre 4 de novembro, um dia após o pleito vencido pelo democrata Joe Biden, e quinta (26), a gigantesca maioria das mensagens buscava dinamitar a lisura eleitoral
Desde que perdeu a eleição, Donald Trump passou horas no Twitter tentando convencer o mundo de que venceu. Também jogou golfe e perdoou o peru Corn de ser devorado no Dia de Ação de Graças, seguindo uma antiga tradição na Casa Branca de conceder nesse feriado clemência a um exemplar da ave.
Dos mais de 600 tuítes que disparou entre 4 de novembro, um dia após o pleito vencido pelo democrata Joe Biden, e quinta (26), a gigantesca maioria das mensagens buscava dinamitar a lisura eleitoral. Como este que compartilhou no dia 21: a entrevista do One America News Network, canal a cabo da extrema direita americana, com o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos.
Investigado pelo Supremo Tribunal Federal no inquérito das fake news, o brasileiro, que desde julho mora nos Estados Unidos, embolou Venezuela, George Soros e contagem eletrônica de votos para alegar, sem evidências, que a eleição americana foi fraudada.
Trump, por outro lado, teve nesses dias finais como presidente, que coincidem com o repique de um vírus que já matou mais de 270 mil americanos, poucos compromissos oficiais.
A agenda divulgada pela Casa Branca incluiu, além de salvar a pele do peru, almoçar duas vezes com seu vice, conversar com seus secretários do Estado e do Tesouro, participar de uma cerimônia com veteranos de guerra e discursar, por telefone, num comitê estadual da Pensilvânia.
Um dia antes, o estado formalizou a vitória local de Biden. Trump repetiu a tese de ficção de que teria conquistado a eleição “facilmente, e de lavada”. De relevante, Trump deu atualizações do programa Operation Warp Speed – de combate à pandemia –, falou sobre preços de medicamentos controlados e apareceu brevemente na reunião virtual do G20, ainda que tenha ido jogar golfe durante a realização de um painel sobre combate à pandemia.
Não que a caneta presidencial esteja ociosa. Um dia após conceder indulto à ave-símbolo do Dia de Ação de Graças, Trump fez o mesmo por seu ex-conselheiro de Segurança Nacional Michael Flynn. Ele se declarou duas vezes culpado ao FBI por mentir no caso da interferência russa no pleito de 2016.
Ex-assessores da primeira campanha presidencial de Trump podem ter o mesmo destino, como Rick Gates e George Papadopoulos, também enroscados no complô de Moscou.
O site Factbase emparelha os eventos públicos do presidente com o número de casos de Covid-19 no país. O republicano só teve aparições externas, ao vivo ou virtualmente, em 10 desses 23 dias. O único compromisso constante: golfe aos sábados e domingos e também nesta quinta (26), no Trump National Golf Club do estado de Virginia, vizinho a Washington.
Nos dois fins de semana em que sua autoridade máxima jogava golfe, os EUA computaram 533 mil novos casos de Covid-19 e 3.464 mortes. O período todo acumulou 26,5 mil vítimas, nove vezes mais do que os mortos nos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.
A bola fora, no esporte favorito de Trump, é literal. “Ele manda a bola para fora do campo tantas vezes que os caddies [auxiliares que carregam os tacos] o chamam de Pelé”, destaca Rick Reilly, jornalista esportivo que lançou em 2019 “Commander in Cheat: How Golf Explains Trump” (comandante em enganação: como o golfe explica Trump, em tradução livre).
Trump é hoje o que o anedotário político define como pato manco, apelido dado a políticos em fim de mandato, fragilizados pela perspectiva de perda de poder, assim como um pato avariado é presa fácil.
Barack Obama também foi um em 2016, quando já não podia disputar a reeleição e viu Hillary Clinton, sua candidata para sucedê-lo, perder para um outsider desacreditado durante toda a corrida presidencial.
A diferença entre como Obama e Trump lidaram com essa fase, porém, é gritante. Na noite pós-eleição, Hillary aceitou a derrota, enquanto Trump, quatro anos depois, continua a insistir que ganhou.
Dois dias após a vitória republicana em 2016, os vice-presidentes Joe Biden, de saída, e Mike Pence, de chegada, encontraram-se. Michelle Obama e Melania Trump também.
Obama recebeu por uma hora e meia, no Salão Oval, o homem que anos antes espalhou a falsa teoria da conspiração de que ele não havia nascido nos EUA e, por isso, não poderia ser presidente. Trump, afinal, fora eleito legitimamente. Apertaram as mãos diante das câmeras.
O republicano, por sua vez, demorou 16 dias até dar o primeiro passo para a transição do governo, isso sem arredar o pé da tese infundada de que Biden só levou a Casa Branca porque houve fraude em massa. Reunir-se com o sucessor eleito, nem pensar.
Na terça (24), quando saiu no jardim da Casa Branca para o ato do Dia de Ação de Graças, Trump afirmou que aquela era “uma data especial para os perus”, mas “provavelmente uma não muito boa, se você for pensar”. Suas últimas palavras: “Concedo-lhe um perdão total. Obrigado, Corn. Que pássaro”.
O “pato manco” tem pouco menos de dois meses até Joe Biden lhe tomar o lugar. Que presidente.
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