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Brasil é único país onde fake news sobre cloroquina ainda circulam com frequência

A partir de maio, estudos científicos passaram a contestar a eficácia da cloroquina contra a Covid-19


Por Folhapress Publicado 23/11/2020
Foto: Pixabay

O Brasil é o único país do mundo onde continuam a circular com frequência notícias falsas sobre cloroquina, ivermectina e azitromicina como curas para a Covid-19, que já foram desmentidas por diversos estudos científicos. E, ao contrário da maioria dos países, apenas no Brasil, na Índia e nos EUA as disputas políticas internas são o principal motor para a desinformação sobre a pandemia.


Isso é o que mostra o levantamento “Political (self) isolation” (Auto-isolamento político), realizado pelo LAUT, INCT.DD e o laboratório de pesquisa forense digital do Atlantic Council. “Como nenhum desses medicamentos se provou eficaz (contra a Covid-19), a discussão esfriou na maioria dos países. No Brasil, no entanto, esses tópicos persistiram, a ponto de tornar o ambiente de discussão diferente do resto do mundo”, diz o levantamento.

Fake news ou boatos sobre hidroxicloroquina e cloroquina apareceram 176 vezes na base de dados (são 176 versões de informações falsas, que podem ter sido compartilhadas milhões de vezes). O campeão é o Brasil, com 75 casos, seguido da Índia (29), França (26) e EUA (24).

As motivações para a desinformação variam. Na França, há circulação de informações enganosas sobre cloroquina porque Didier Raoult, microbiologista que é um dos maiores defensores do uso da substância contra Covid-19, é francês. Ele realizou um estudo indicando que a combinação de hidroxicloroquina e azitromicina teria curado alguns pacientes de Covid-19. O estudo foi apontado como falho do ponto de vista científico e pouco transparente, uma vez que os dados brutos não foram compartilhados, e não teve os resultados corroborados por outros levantamentos.

Na Índia, há também o motivo comercial, pois o país é um grande produtor e exportador de cloroquina. Já no Brasil e nos EUA, o motivo é político. Os presidentes dos dois países, Jair Bolsonaro e Donald Trump, além de vários partidários e integrantes dos governos, encamparam as drogas e ajudaram a espalhar a desinformação.

O estudo se baseou nas bases de dados CoronaVirusFacts Alliance, na Rede Internacional de Checagem de Fatos, e do Latam Chequea em português e espanhol, que reuniu checagens feitas por 100 agências sobre desinformação relacionada à Covid em 134 países, de janeiro a agosto de 2020. As checagens de cerca de 8,6 mil notícias ou postagens falsas ou rumores foram traduzidas para o inglês e foi realizada uma análise quantitativa e hipergeométrica.

A partir de maio, estudos científicos passaram a contestar a eficácia da cloroquina contra a Covid-19. Em 15 de junho, a Agência de Medicamentos e Alimentos dos EUA, a FDA, revogou a autorização para uso de emergência da cloroquina de seu estoque estratégico, ao determinar, com base em evidências científicas, que cloroquina e hidroxicloroquina não eram efetivos no tratamento da doença viral. Em 17 de junho, foi a vez de a OMS (Organização Mundial de Saúde) anunciar que iria parar com os testes clínicos usando a substância, pelo mesmo motivo.

Após essas declarações de entidades científicas e estudos, a disseminação de declarações falsas sobre cloroquina caiu na Índia, França e nos EUA, mas não no Brasil. Das 60 checagens sobre cloroquina feitas a partir do dia 19 de maio, 43 vieram do Brasil.

Boatos e fake news sobre a ivermectina ser uma cura para Covid-19 também são muito concentrados no Brasil, onde ocorreram dois terços das checagens sobre o assunto (23 de 36 vezes). Depois, veio a Colômbia, com 7, e o México, com 3 checagens – mas só no Brasil o tema continuou circulando até agosto, mesmo após inúmeros estudos apontando a ineficácia da substância. Para autores do estudo, isso mostra que a ciência e a checagem de fatos não estão conseguindo combater com a presença dessas mentiras no debate público.

“O que está influenciando o discurso das pessoas sobre a doença são posições políticas; isso dificulta incorporar informações científicas e o Brasil fica isolado”, diz uma das autoras do estudo, Nina Santos, pesquisadora do INCT-DD. Esse espaço ocupado por desinformação sobre cloroquina, ivermectina e outros poderia estar sendo usado para circular novas descobertas científicas, conscientizar o público sobre medidas de prevenção e discutir políticas públicas.

O tipo de fake news que circula no Brasil e na Índia é muito diferente do resto do mundo. Em vários países, repetem-se temas como chás caseiros, métodos artesanais para evitar a Covid-19, a não necessidade de isolamento ou uso de máscara, origem do vírus e teorias da conspiração envolvendo a China. Mas Índia, Brasil e EUA são os países onde a desinformação está diretamente ligada à política interna desses países.

Na Índia, além de falarem de chás, mostarda e cloroquina, os boatos eram muito ligados a acusações falsas de muçulmanos e migrantes serem disseminadores da doença. Nos EUA, circulam acusações contra rivais do governo Trump como o ex-presidente Barack Obama, o presidente-eleito Joe Biden, a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, Anthony Fauci, autoridade de doenças infecciosas, e governadores democratas, além de denúncias sobre o vírus supostamente ser arma biológica feita na China.

Outra “jabuticaba” brasileira, que também demonstra a motivação política da desinformação no país, é a frequência das notícias falsas referentes a “governador”, normalmente o governador de São Paulo, João Dória, mas também os governadores da Bahia, Rui Costa, e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel. “A palavra ‘governador’ não aparece nessa frequência em nenhum país; no Brasil, além de tudo, aparece duas vezes mais do que ‘presidente’.

O Brasil destoa até dos países vizinhos, onde predomina desinformação que propagandeia curas caseiras para o vírus – gargarejo com vinagre, gengibre, chás. “Em outros países, essa desinformação tem como lastro ‘autoridades’ tradicionais, cultura local; no Brasil, vem de políticos”, diz João Guilherme Santos, pesquisador do INCT-DD e do Laboratório de Dados e co-autor do estudo.

Luiza Bandeira, pesquisadora do DFRLab, explica que existe informação falsa disseminada sem intenção, o que se chama em inglês de “misinformation”. Segundo ela, que é co-autora do estudo, os boatos sobre curas caseiras se encaixam nessa categoria. “Também é difícil de combater esse tipo de desinformação, mas é diferente do que predomina no Brasil”, diz.

Aqui, há a chamada “disinformation”, a informação falsa distribuída com intenção. “Vemos atores ligados ao bolsonarismo encampando essas notícias sobre medicamentos, porque há interesse político de dizer que existe cura para a Covid-19 e não é preciso tomar outras medidas de saúde pública, e disseminar a narrativa se que há um complô contra o presidente e querem arruinar a economia.”

Para Caio Vieira Machado, co-autor do estudo e pesquisador do LAUT, “o mais preocupante é que os dados evidenciam como a disputa política, por meio da desinformação, está capturando as políticas públicas e blindando a entrada de informação científica.”

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