Investigação aponta motivações racistas e de extrema direita em ataque que matou 9 na Alemanha
O suspeito, identificado como Tobias R., era atirador esportivo e havia comprado armas de forma legal
O ataque a tiros que matou nove pessoas em dois bares de imigrantes na Alemanha teve motivações racistas e de extrema direita, segundo investigações das autoridades do país.
Por volta das 22h de quarta-feira (19), no horário local, na cidade de Hanau, um homem foi até o bar Midnight e abriu fogo contra os frequentadores. Em seguida, pegou seu carro, dirigiu por alguns minutos e atacou outro local, o Arena Bar e Café.
Os dois endereços abriam espaço para fumar em narguilés, prática comum entre migrantes vindos de partes do Oriente Médio e do sul da Ásia.
Os nove mortos tinham idades entre 22 e 44 anos, segundo o procurador federal Peter Frank, que acompanha o caso. Ao menos cinco eram turcos, mas havia também um curdo e cidadãos da Bulgária, Romênia e Bósnia. Outras seis pessoas ficaram feridas.
A polícia rastreou o carro usado na fuga e encontrou o apartamento de um alemão de 43 anos, apontado como o autor dos ataques. Ele foi achado morto, ao lado de sua mãe, de 72 anos. O pai dele também estava no local, desarmado. Não foi revelado se ele foi preso.
O suspeito, identificado como Tobias R., era atirador esportivo e havia comprado armas de forma legal. Ele mantinha um site, no qual postou uma espécie de manifesto, que misturava ideias racistas e teorias da conspiração, segundo a procuradoria alemã.
Para a pesquisadora Juliana Santos Wahlgren, da Rede Europeia Contra o Racismo (Enar, na sigla em inglês), as próprias políticas públicas europeias antiterrosimo acabam impulsionando ataques como o desta quarta-feira.
Os programas de prevenção à radicalização são implantados nas periferias de maioria muçulmana, com pouco foco em extremismo de direita. “Mas hoje se morre muito mais na Europa de terrorismo de extrema direita do que de ataques islamistas”, diz Wahlgren. Segundo a pesquisadora, os pacotes de prevenção mais excluem que protegem os grupos onde são aplicados.
Outro problema é que muitos países europeus não fazem (ou até proíbem) o registro de cor, religião e status migratório, o que dificulta a contabilização dos crimes de ódio contra essas minorias.
Para driblar essa lacuna, pesquisadores e entidades parceiras da Enar desagregam os dados oficiais. No último levantamento, feito com dados de 2018 de 24 países da União Europeia, a entidade reportou aumento nos crimes de ódio tanto na Alemanha quanto no Reino Unido.
Foram reportados 8.336 incidentes anti-islâmicos em 2018 em território britânico, alta de 40% em relação a 2016. Incidentes antissemitas cresceram 16% de 2017 para 2018, com registros de violência chegando a 122.
Na Alemanha, chegaram à Justiça oito processos por anti-islamismo, segundo levantamento da Agência Europeia de Direitos Humanos, e a Enar registra 24 atos de antissemitismo em 2018, mais que o triplo dos 7 do ano anterior.
Os números devem ser maiores, segundo a entidade. Há subnotificação, porque as vítimas desconfiam da polícia e porque falta padronização nos registros.
O crescimento dos partidos de direita radical também está ligado ao aumento dos crimes de ódio, segundo Wahlgren.
Em outro levantamento, a entidade mapeou aumento no número de eleitos e na porcentagem de votos de partidos de direita radical em 13 de 19 eleições nacionais mais recentes.
“O racismo latente começa a ser manifestado e vai se normalizando. Políticos com retórica extremista são eleitos e investem em mais polarização da sociedade”, diz a pesquisadora.
Além de dar mais visibilidade ao discurso xenófobo, esse fenômeno também amplia a implantação de políticas discriminatórias: “Aumenta a desconfiança e o policiamento sobre comunidades como a islâmica enquanto se diminui a proteção desses grupos”.
Pessoas que conheciam Tobias R. se mostraram surpresas com os ataques.
“Ele era totalmente discreto. Ele não dava nenhum sinal de odiar estrangeiros, não fazia nem mesmo piadas. Ele sempre foi simpático”, disse Claus Schmidt, 50, que dirige o clube de tiro SV Diana Bergen-Enkheim do qual Tobias fazia parte.
“No clube há vários membros de origem estrangeira e nunca tivemos problemas.”
A chanceler Angela Merkel condenou o ataque. “Até o momento, há muitos indícios de que o atirador teve motivações racistas e agiu como um extremista de direita”, disse. “O racismo é um veneno, o ódio é um veneno, e esse veneno existe na sociedade e é responsável por muitos crimes.”
O cenário político alemão ficou mais polarizado nos últimos anos. O aumento da imigração e o esfriamento da economia se tornaram combustíveis para discursos extremistas.
Em outubro, um atirador antissemita abriu fogo contra uma sinagoga durante o Yon Kippur, data sagrada do judaísmo, na cidade de Halle. Ele matou duas pessoas e transmitiu a ação ao vivo pela internet.
Autoridades alemãs baniram grupos de extrema direita que defendiam a violência. No entanto, o partido AfD, de ultradireira e de postura anti-imigração, tem ganhado espaço em alguns estados.
Líderes europeus, como o britânico Boris Johnson, o francês Emmanuel Macron e o espanhol Pedro Sánchez, enviaram solidariedade à Alemanha e condenaram o racismo e o extremismo.
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